O Desempregado!
O processo seletivo.
"___ Senhor José da Silva, agradecemos imensamente sua participação no processo seletivo de nossa empresa, mas, no entanto, o senhor não tem o perfil que procuramos, embora tenha um currículo muito bom e temos certeza de que encontrará, em breve, a colocação que tanto almeja. Seu currículo ficará cadastrado conosco para oportunidades futuras que se encaixem em seu perfil. Obrigado!" Disse a Analista de RH da empresa K.
Essa era a vida de José, nosso protagonista, participar de inúmeros processos seletivos em busca de algo que lhe garantisse o sustento bem como a família. Esse não foi o 27º "NÃO" em um final de processo seletivo que escutara na vida, esse número era bem superior a 49, talvez chegasse a 53... A verdade é que não sabemos quantas vezes José fora derrotado em um processo seletivo só sabemos que foram muitas vezes!
Se me permite, meu caro e paciente leitor (a) (haja paciência em ler essas páginas, risos...) farei algumas colocações minhas, acerca dos processos seletivos, porque tenho certeza que se leu até aqui é porque o título, um tanto sugestivo, o seduziu ou a sinopse atrás do livro que até aqui ainda não escrevi. Um processo seletivo é uma situação parecida com a de uma peleja entre um leão e um tigre lá na distante savana Africana por um antílope, um búfalo ou qualquer outra presa... Há, nesta peleja entre leão e tigre, coisas bem semelhantes a um processo seletivo que são elas: Busca pelo sustento, próprio e da prole, uma concorrência sangrenta onde se odeia e torce por um tropeço do adversário e o que mais me assusta e que há em ambas as situações: um medo terrível do insucesso, um medo que gela a espinha, uma angustia frente ao incerto que nunca é certo... E o objeto desse medo e angústia é não conseguir outra oportunidade como esta, um medo dessa oportunidade (uma presa ou um processo seletivo) ser a última do mundo. Mas voltemos a falar do nosso protagonista que acredito que meu caro leitor (a) ora odiará, ora amará, ora se compadecerá, ora torcerá pelo fracasso, ora...
José é um homem de 37 anos, pai de 2 filhos, sendo o mais velho de 20 anos, técnico em eletrônica e se formou com louvor em uma conceituada escola federal de tecnologia, ganha um bom salário, tem uma namorada muito bonita e elegante, como podemos ver, o mais velho, tem a vida que todos queremos, uma vida impecável e sem mácula com o bônus de ter uma mulher invejada por todos. A caçula, uma menininha doce de aproximadamente 14 anos, guarda em si a inocência que não se vê mais nos adolescentes, guarda uma afeição e compaixão pelo pai que o comovia, sempre tinha para o pai uma piada, uma poesia, um sorriso... A esposa de José é a figura que peço que preste mais atenção, se quiser é claro! Porque esta é uma mulher forte de caráter e fala sempre de maneira incisiva, seu sim era sim, seu não era um não extremo, inflexível e cruel. Costureira de profissão abandonara a profissão para cuidar do filho mais velho e também porque não conseguiu encontrar ninguém de confiança que cuidasse do filho, sempre foi desconfiada e raramente confiava nas pessoas, talvez não confiasse nem em José, isso veremos adiante. Esta é a família Silva, esta é a família de José, esta é seu cerne de existência.
Sobre José, digo que é um homem de 37 anos, como dito acima... É tímido, nunca gostou de conversar no estado de sobriedade, mas adorava uma conversa desde que estivesse bêbado aí sim nosso protagonista se metamorfoseava em um excelente orador, contava anedotas, estórias de sua mocidade, estórias com prostitutas, mas quando não estava bêbado era calado como um rato que foge de um gato, evitava conversas, evitava contatos sociais, era ausente em festas da família, festas na sua igreja (é católico) a não ser a festa de Santo Expedito, santo que é devoto e que guarda uma afeição e carinho enorme. Na ausência do álcool, era tácito!
Vivia num mundo próprio, cheio de fantasias e esperanças, imbuído e mergulhado em sua coleção de borboletas, fazia da sua coleção orgulho para toda família, principalmente para a caçula "Papai tem a maior coleção do mundo, sabia mamãe ?" Quando ouvia isso, mesmo sabendo de que não era verdade, mesmo não conhecendo pessoalmente um outro colecionador de borboletas, ouvindo aquela frase inocente da caçula o coração de José enchia-se de alegria e de motivação em continuar a coleção. Quem sabe um dia o sonho da caçula de ver o pai com a maior coleção de borboletas do mundo não virasse verdade ?
A paixão maior de José fora a família, que nem digo que era uma paixão e sim um "cerne de existência", era o futebol. Sim! O futebol. Era apaixonado, não dispensava uma "pelada" com os amigos nem a oportunidade de ver o seu time sendo campeão de algum campeonato, que fosse amador, mesmo que fosse um campeonato de apenas dois times, o fato de gritar "Campeão! Campeão!" já fazia de José o homem mais feliz de toda eternidade por 5 segundos, tempo suficiente em gritar a palavra campeão, duas ou três vezes.
Era um homem pacato, calmo e de boa paz... Não há relatos de que José tenha discutido com algum colega de trabalho ou que brigara no fim da "pelada" de domingo, não havia histórico dos vizinhos ouvindo gritos dos meninos ou de gritar com a esposa. Tinha medo das pessoas, tinha medo do que os outros pensariam dele caso o ouvisse brigando com a esposa ou filhos, nunca respondera a mãe ou revidasse quando o irmão 13 anos mais novo que o agredia na infância. Sempre guardava tudo no coração, numa parte escura e sombria que teve pouco acesso, uma parte negra, fria e vazia que não fazia sentido lembrar que ela existia, sabia que estava ali, mas não se importava com o conteúdo.
Atualmente está desempregado, e a palavra "atualmente" já esta desatualizada para expressar o estado de desemprego de José. Há muito tempo... Muito tempo, tempo suficiente para causar intrigas em sua casa, José não trabalha, "não trabalha, não trás nada aqui pra dentro e ainda bebe pinga, desgraçado! (aos gritos), corno! (aos berros), drogado! (baixinho para que os vizinhos não escutem e discriminem a família Silva) não sei onde estava quando..." Bom, esse era o incentivo que nosso herói tinha da esposa para continuar a labuta e batalha para caçar (lembre-se da parábola do leão versus o tigre) emprego, que resulta em salário no fim do mês e como um bônus extra, respeito!
Devo explicar o motivo pelo qual o "desgraçado, corno e drogado" está a tanto tempo desempregado. Esse aí de cima era datilógrafo e nunca imaginou (babaquice, não ?Risos bem debochados e irônicos) que um dia haveria uma máquina como essa que uso agora que, lhe tomasse o emprego, mesmo os colegas de trabalho o advertindo, ele adorava escutar o "trec.. trec.. trec.. Fliiiiiiiiiip." Gostava tanto desses barulhos que até hoje, mesmo desempregado, gosta de ficar escrevendo, mesmo que não faça a menor diferença em sua vida o fato de escrever mas por si só já é motivo de alegria já que exerce o antigo oficio e faz dele um datilógrafo, melhor que "corno" Não ? Bom, quando disse que José nunca teria imaginado o fato de ficar desempregado devo admitir que errei e errei feio, verdade é que ele até imaginou que num futuro bem distante, poderia ficar desempregado, como todos já ficaram ou ficarão, mas esse futuro era algo tão distante para ele a ponto de acreditar, ingenuamente, (como quem acredita que mulher ser amiga de ex e sair com ele de vez em quando e voltar tarde não tem problema nenhum, risos..) que quando esse dia viesse, ele já estaria aposentado e poderia dedicar-se à coleção de borboletas e ao cultivo de um lindo jardim onde haveria roseiras vermelhas, rosas, brancas, roxas e todas que nem sei que existem e que todo dia acordaria de manhã e daria uma para a esposa e outra despedaçaria e pegaria as pétalas para colocar num prato de alumínio todo amassado, onde serviria para a amada esposa, pão, café e cigarro e ela olharia, sorriria e pediria um beijo a cada 20 ou 25 dias que isso acontecesse. Acorda, José! Burro! Imbecil! Trouxa! Peço perdão aos burros por usar a palavra "burro" para ofender a José, a palavra melhor nesta situação seria: Humano! Nem esta, há ainda uma melhor para fazer com que José acorde e se sinta profundamente ofendido: Desempregado!
Autor: Glauber Marques
Artigos Relacionados
Capítulo Iii: Vomitos Ébrios.
Capítulo Iv: O Passarinho
Regime Forçado
A Família De Jesus
O Sétimo Coveiro
José
Mulher Gosta Do Que Sai Da Boca De Um Homem!