Juventude, Cultura, Vulnerabilidade E Políticas Públicas



JUVENTUDE, CULTURA, VULNERABILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Ivonete Maciel Sacramento dos Santos

Magali Santos Ferreira*

Marta quadros Fernandes**

RESUMO

O texto trata dos diversos olhares sobre a juventude, a situação de vulnerabilidade em que o jovem se encontra diante da ausência de políticas públicas que levem em conta suas expectativas, pensamentos, opiniões e seu olhar sobre o que é ser jovem: incertezas, desvalorização, necessidade de apoio familiar, vontade de acertar são alguns pontos que jovens do Ensino Médio de uma escola pública de Lauro de Freitas apontam em seus depoimentos em redação intitulada "O que é ser jovem no mundo contemporâneo" no ano de 2006.

INTRODUÇÃO

Ser jovem nos dias de hoje não é uma tarefa fácil: a pobreza, o desemprego, a falta de perspectivas de um futuro melhor são alguns desafios enfrentados pelo jovem neste século. Mas, diferente do que se reproduz no senso comum, os jovens não são sinônimo de problema. É o que constatou o Relato Mundial da Juventude 2005.

As políticas públicas adotadas no mundo e, especificamente, no Brasil necessitam mudar a visão de juventude, para que os jovens tenham oportunidade de participar ativamente da sociedade em que estão inseridos.

Procurando ampliar as discussões acerca da juventude brasileira, neste artigo, tomaram-se por base alguns artigos da Drª Maria Rita Kehl, reunidos com o título de A juventude como sintoma da cultura e outro, das autoras Mary G. Castro e Miriam Abramovay, cujo título é Juventude no Brasil – Vulnerabilidades negativas e positivas, desafiando enfoque de políticas públicas. A abordagem aqui realizada também foi enriquecida com alguns trechos de depoimentos expressos, em uma redação escolar, por alguns adolescentes com idade entre 15 e 17 anos, estudantes da segunda série do Ensino Médio do Colégio Estadual Kleber Pacheco de Oliveira (2006). O recorte foi dado, portanto, aos aspectos da adolescência, cultura e vulnerabilidade. Cada um destes conceitos será relembrado no decorrer do texto

JUVENTUDE E CULTURA

Não é possível refletir sobre o jovem isolando-o da sociedade em que está inserido. As relações sociais existentes na sociedade imprimem as suas marcas culturais as quais definirãocomo o perfil do adolescente irá se configurar resultando daí a base para a vida adulta.

Vários autores alertam que existem diferentes juventudes, a depender da situação, vivências, referências subjetivas e grupais e identidades sociais. Para Bourdieu (1984, apud Castro e Abramovay, 2005, p. 58) o conceito de juventude é construído socialmente, não se podendo falar do jovem como se ele fosse uma unidade social, um grupo constituído com interesses comuns.

Castro e Abramovay (2005, p. 58) salientam que o conceito de juventude é, em principio provisório. Geralmente se refere ao corte de 15 a 24 ou de 15 a 19 anos (conceito demográfico com aportes de psicologia, da antropologia e da sociologia). Mas o que proporcionará uma maior compreensão da multiplicidade do real é o aprofundamento da análise e a compreensão sobre significados, construções simbólicas, relações sociais estabelecidas pelos jovens, identidades elaboradas com base em gênero, estrato socioeconômico, raça e etnicidade, entre outras referências.

O reconhecimento de que existem juventudes possibilita uma discussão sobre as representações sociais a respeito dos jovens na contemporaneidade. É preciso admitir que há diferentes formas de considerar os jovens, como há diferentes maneiras de eles se afirmarem como sujeitos, levando em conta, inclusive, diferentes organizações sociais de referência, a exemplo da escola, a família, o Estado e a mídia.

Conforme Saito (s.d.), a adolescência é um período extremamente relevante para a construção do sujeito individual e social, devendo ser, porém, considerada sua vulnerabilidade e risco. Segundo essa mesma autora, "a adolescência é praticamente única, singular para cada um" o que a diferencia da puberdade, fenômeno que ocorre com muita semelhança em todos os indivíduos. Geralmente essa singularidade não é levada em conta quando se depara, principalmente, com aqueles jovens considerados problemáticos no seu grupo social. A depender da história de vida e dos hábitos culturais adquiridos, cada jovem se vê como ser único e irá reagir de maneira diferenciada de outros da mesma idade frente aos desafios e acerca das cobranças dos adultos.

"Quando somos jovens estamos na fase que acabamos de ser crianças, ainda estamos acostumados com a confiança da família (...) passamos a enfrentar muita crítica pelos nossos atos, como por exemplo, o modo de falar (...),o comportamento, a falta de experiência." (I., estudante da 2ª série / Ens. Médio, do Col. Est. Kleber P. de Oliveira)

"É uma fase também um pouco complicada porque a gente passa de um mundo da infância, que é uma fase sem responsabilidades, e passamos para a juventude, uma fase de muitas responsabilidades, e dessas responsabilidades vem os erros e acertos da vida. Mas eu acredito que é nesses erros e acertos que nós aprendemos a viver". (J.C. , idem)

A relação dos jovens com a sociedade pós-moderna se dá de modo um tanto conflituoso uma vez que prevalecem os estereótipos destes como incapazes, rebeldes e, muitas vezes, irresponsáveis. Mas, se de um lado, eles aparecem como seres problemáticos que transitam entre a infância e a vida adulta; por outro, transformaram-se num"objeto de desejo" da indústria cultural. É um processo que se fortaleceu a partir da década de 1990, quando as empresas responsáveis pelas pesquisas de mercado saíram "à caça" das tendências de consumo. Fontenele, 2004, p. 63) afirma que essas empresas tentam fazer uma mediação mais direta entre uma forma de expressão cultural – especialmente da cultura jovem – e uma prática de consumo. Em outras palavras, transformar cultura em mercadoria. Desse modo, os jovens passam a ser considerados os "nichos" do mercado, pois inspiram tendências para as quaiseles mesmos serão os consumidores.

A análise de Rassial nos ajuda a compreender o lugar privilegiado do adolescente como consumidor, em todas as classes sociais. Caros ou baratos, vendidos em shoppings ou em camelôs, os acessórios compõem a mascarada adolescente, funcionando como objetos transicionais que ajudam na difícil tarefa de reinscrever esse novo corpo, estranho até para o próprio sujeito, nesse lugar entre a infância e a vida adulta que ele passa a habitar. (Kehl, s.d., p. 95)

Essa relação com o mercado consumidor se dá paralelamente a uma outra. Como o conceito de juventude se tornou, segundo Kehl (s.d., p.89), "bem elástico: dos 18 aos 40, todos os adultos são jovens", esses mesmos adolescentes servem, ainda, de modelos para os adultos que querem retardar o envelhecimento. Estes, nas últimas décadas, passaram a consumir o mesmo vestuário e adereços daqueles e ainda adotaram idênticos estilos e linguagem. No desejo de continuarem jovens, se comportam como tais e são incapazes de exercer o papel de autoridade e impor limites. Tal comportamento dos adultos traz uma lacuna no referencial do mundo adulto, tãoimportante para servir de parâmetro para a vida dos adolescentes. Segundo Caniato e Cesnik (2005),

Esses (adultos) ao abandonarem seus lugares de autoridade, deixam os jovens com suporte afetivo e identificatório frágeis e, conseqüentemente, a demarcação de referenciais, parâmetros e limites necessários à construção da subjetividade e identidade dos adolescentes é precariamente estabelecida.

Havendo tal carência para uma sólida formação dos adolescentes, como a sociedade adulta poderá lhes cobrar valores não transmitidos? Pode-se esperar que os futuros adultos, devido ao hiato existente na passagem da sua juventude para a maturidade, demonstrem instabilidade ao se depararem com situações adversas, sendo mais fáceis de se exporem aos vícios e às más companhias, como se constata no trecho a seguir.

"O lado ruim de ser jovem é que às vezes por não ter uma base familiar muito forte, torna-se uma jovem muito fácil de se manipular, uma pessoa que pode fazer maus amigos e entrar no mundo do crime e das drogas(...) uma base familiar forte e unida é muito importante nos dias de hoje". (G., estudante da 2ª série / Ens. Médio, do Col. Est. Kleber P. de Oliveira)

Vê-se a importância, portanto, de a família, a escola e demais organismos sociais lançarem aos jovens um olhar diferenciado, ouvindo-os e dando-lhes a oportunidade de atuarem como sujeitos nas diversas instâncias da sociedade. Eles formam uma grande parcela da população do país e são responsáveis por pressionar a economia para a criação de novos postos de trabalho. Como não logramda especial atenção por parte daqueles grupos citados acima e dos responsáveis diretospelo planejamento nacional, ficam expostos às situações conflitantes e desintegradoras da personalidade e também às mais elevadas taxas de mortalidades por causas externas.Um pouco desse assunto será discutido a seguir.

JUVENTUDES E VULNERABILIDADES

Apesar do significativo aumento da população juvenil brasileira na virada do século, o Brasil não se preparou para atender às necessidades básicas desses brasileiros. Faltam-lhes escolas de boa qualidade, segurança, emprego e políticas públicas que visem à melhoria da qualidade de vida.

No final do século, a situação é outra: o crescimento da população juvenil ocorre num momento de mercado recessivo, forte desemprego e incremento dos problemas urbanos, o que torna ainda mais precárias as condições de vida da população em geral. (SEADE, 1998, apud Matheus, 2003)

Recentemente a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) divulgou, em Brasília, o "Mapa da Violência 2006 – Os jovens do Brasil" o qual deixa o Brasil ocupando a terceira posição entre os países com as mais altas taxas de assassinatos de jovens no mundo. Segundo o estudo, elaborado em dados oficiais, a taxa de homicídios de jovens brasileiros, entre 1994 e 2004, cresceu a um ritmo maior de assassinatos entre a população total. Julio Jacobo Waiselfisz, Coordenador da OEI, durante a apresentação do trabalho afirmou que:

Mais de vinte por cento da população jovem não estuda nem trabalha. Isso significa rua, bares, álcool, droga, transgressão de normas. Existe um jeito jovem de viver, mas também um jeito jovem de morrer.

Os dados da Organização comprovam que tanto os problemas sociais como urbanos expõem a juventude a situações de vulnerabilidade. Para Castro e Abramovay (2005, p. 56), na elaboração de políticas públicas relacionadas a juventudes, o conceito de vulnerabilidade deve ser considerado sob vários enfoques: vulnerabilidades - desigualdades sociais, problemas estruturais e possibilidades; jovens como sujeitos de direitos e atores de desenvolvimento. Acreditam que pensar as juventudes como uma simples fase de transição e ajustamento à idade adulta é um dos principais obstáculos para a elaboração de políticas públicas voltadas para os jovens. Estes, instigados a falar sobre a situação vivenciada, externam:

"Ser jovem é você correr atrás do seu futuro sem medo de preconceitos, mesmo sabendo que é uma guerra para conseguir seu primeiro emprego, ser confiante e lutar com todas as forças para conseguir seus ideais". (J., estudante da 2ª série / Ens. Médio, do Col. Est. Kleber P. de Oliveira)

"O jovem quando começa suas tentativas fica com medo de ser desvalorizado em seus esforços e isso acaba gerando atitude de incapacidade.(...) A pior dificuldade de ser jovem são as pressões familiares, a luta pelo primeiro emprego e a aceitação consigo mesma e com os outros". (S., idem)

As autoras chamam a atenção sobre a necessidade da discussão acerca da importância de conceber "vulnerabilidades positivas" ou o sentido de alerta que muitas vulnerabilidades sugerem, como desencantos, buscas, pedidos de socorro, falta de referências, projetos coletivos mobilizadores, limites de uma cultura de consumo, individualismo narcíseo.

Necessário se faz também conhecer os jovens segundo suas próprias apresentações e saber como representam a sociedade para que sejam reconhecidas identidades com perfis socioculturais próprios, o que, por sua vez, terá implicações para as políticas públicas para juventudes. Erroneamente, as políticas públicas consideram os jovens apenas como um segmento de seu amplo público-alvo. No Brasil, as políticas públicas voltadas para a juventude se concentram em determinados grupos, na maioria dos casos, os considerados em situações de risco ou envolvidos em conflito coma lei, sem levar em conta as necessidades, vontades e proposição dos jovens.

Essas constatações atestam a necessidade de elaboração de políticas públicas com a participação ativa dos jovens, visto que estes têm capacidade de organizar-se, levantar questões, propor soluções e sustentar relações dialógicas com outros atores sociais no plano de decisões programáticas. Os próprios jovens, em sua maioria, desconhecem a existência de alguns programas a eles dirigidos elaborados por setores públicos e privados.

Isso se dá porque não há a devida divulgação na mídia. Quando, por exemplo, houve o lançamento da Política Nacional de Juventude, em março de 2005, pelo Governo Federal, a grande mídia destinou pouco espaço, segundo uma reportagem da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). Além da ampla informação aos jovens sobre as políticas públicas, é mister o envolvimentode toda a sociedade civil no intuito de reverter o quadro caótico que ora se apresenta envolvendo a juventude brasileira.

A população jovem do país constitui-se em um público-alvo de uma série de estratégias, típicas de qualquer sociedade capitalista, necessárias e/ou intencionais (marketing, mídia, indústria de consumo e de lazer) voltadas exclusivamente para este grupo. Estando expostos a tantos apelos, fica muito difícil que os jovens não sejam levados a atendê-los e, algumas vezes sofrerem por suas conseqüências. Não é possível, muito menos, afastá-los desta ou daquela estratégia para que não sejam influenciados. O esperado é a união dos grupos sociais que atuam mais diretamente junto à juventude (família, escola, organizações civis e/ou públicas) para oferecerem condições para os adolescentes se tornarem atores do desenvolvimento, podendo opinar criticamente sobre a construção e o destino da sociedade em que vive.

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*Pedagoga, Psicopedagoga, Especialista em PROEJA

** Licenciada em Letras, Especialista em PROEJA, atua no CEFET-BA nessa modalidade

REFERÊNCIAS

CANIATO, Ângela e CESNIK, Claudia Cotrim. Adolescência e resistência. In: Simpósio Internacional do Adolescente. 2005, São Paulo (SP) [online] Disponível em:<http:// www.scielo.br > acesso em 08/11/2006.

CASTRO, Mary Garcia e ABRAMOVAY, Miriam. Juventudes no Brasil – Vulnerabilidades negativas e positivas, desafiando enfoques de políticas públicas. In: Família, sociedade e subjetividades – Uma perspectiva multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

FONTENELE, Isleide A. Os caçadores do cool. In: Lua Nova. São Paulo, n. 63, 2004. Disponínel em: <http://www.scielo.br> acesso em 08/11/2006.

KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma da cultura. In: Juventude e Sociedade – Trabalho, educação, cultura e participação. Instituto Cidadania, Ed. Fundação Perseu Abramo.

MATHEUS, Tiago Corbisier. O discurso adolescente numa sociedade na virada do século. Psicol. USP, São Paulo, vol. 14, n. 1, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br > acesso em 08/11/2006.

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Grande mídia dá pouco espaço à política nacional de juventude. Disponível em: http://www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp acesso em 16/11/2006.

REUTERS, AGÊNCIA. Brasil é o 3º país com mais assassinatos de jovens no mundo. Disponível em <http//www.msnnoticias.com> acesso em 16/11/2006.

SAITO, Maria Ignez. Adolescência, cultura, vulnerabilidade e risco. Editorial disponível em< http://www.pediatriasaopaulo.usp/upload/html> acesso em 08/11/2006.


Autor: Ivonete Sacramento


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