Lúdico e Sala de Aula: um relacionamento em construção



Lúdico e Sala de Aula: um relacionamento em construção

Mara Regina Christmann

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Resumo: O presente trabalho pretende discutir o relacionamento entre o lúdico e a sala de aula, e postular suas implicações, crendo que este vínculo é de extrema importância em se tratando da aprendizagem de crianças ou de qualquer situação que as envolvam. Inicia contextualizando o significado do termo "lúdico", faz uma breve retomada da sua evolução através do tempo até a atualidade, considerando suas nuances dentro do âmbito escolar. Além disso, este estudo integra uma pesquisa bibliográfica e de campo em que serão utilizados recursos como observação da sala de aula e entrevistas com educadores no intuito de conhecer o envolvimento dos mesmos com as atividades lúdicas e a importância que ambos desempenham na aprendizagem da criança. Ao longo deste trabalho pretendi confirmar a importância da ferramenta lúdica para a aquisição de novos conceitos pela criança. Os resultados obtidos mostraram que o lúdico é um instrumento eficaz para o processo ensino-aprendizagem, se for devidamente utilizado pelo professor.

Palavras-chave: lúdico, sala de aula, criança, aprendizagem, professor, educação.

Introdução

Sabe-se que o lúdico faz parte do cotidiano de qualquer criança desde a mais tenra idade. Por este motivo, é necessário saber a respeito deste recurso, para podermos trazê-lo para as salas de aula de forma criativa, e ao mesmo tempo, proporcionar aprendizagem e prazer aos alunos. Além disso, a discussão de tal assunto poderá ainda, nos dar subsídios para nos aproximamos das crianças que ficam a cada dia, mais distantes do universo escolar, principalmente de propostas geralmente desconectadas das suas vidas.
Através das modalidades lúdicas, inúmeras competências e habilidades são estimuladas, mas para que esta prática seja favorável é necessário que o educador considere alguns aspectos no seu planejamento, agindo assim ele promoverá atividades que favoreçam uma aprendizagem significativa e integral aos seus alunos. É preciso demonstrar a importância e a verdadeira função do uso deste recurso na aprendizagem, considerando o planejamento do professor, bem como seu verdadeiro papel no desempenho de sua ação diária para que o lúdico realmente contribua para o desenvolvimento pleno da criança. A análise das falas de alguns profissionais da educação, que atuam tanto nas séries iniciais quanto na educação infantil, atentando para seu entendimento sobre o assunto em questão, junto com as observações e comparações das diferentes formas com que buscam aplicar o lúdico em suas práticas pedagógicas escolares nos ajudou a tecer novas idéias e problematizar mais a discussão sobre o tema.
Utilizando-se também dos apontamentos teóricos de alguns autores, este estudo objetiva mostrar ainda, que "lúdico" e "criança" deveriam ser inseparáveis, visto que ela se constitui como sujeito através da ludicidade. O tema abordado busca chamar a atenção dos educadores e todos os responsáveis pela formação e aprendizagem de indivíduos dentro do âmbito escolar para que o lúdico seja percebido como instrumento importante no processo de aprendizagem e propor um novo olhar para suas práticas pedagógicas, de maneira que o mesmo, realmente se torne presente no cotidiano escolar.

O que é lúdico?

O termo lúdico vem sendo amplamente utilizado em bibliografias que se referem à jogos, brinquedos e brincadeiras, mas dificilmente se observa uma definição de cada um desses termos. Discorrendo sobre o assunto, Fortuna (2000, p.127) chega a questionar-se a cerca de como resolver esta "confusão conceitual", já que diferentes termos estão sendo utilizados para os mesmos fins, porém concluí que o brincar não suporta definições estanques, já que: "se brincar constitui uma atividade paradoxal, é também um paradoxo querer defini-lo com demasiado rigor".
Sabendo da complexidade do assunto e sem ter como propósito a busca de definições estanques, mas sim de diferentes conceitos que nos ajudem a refletir sobre o assunto em questão e que sirva de suporte como referência, a palavra "lúdico", segundo Fortuna, origina-se da palavra latina "ludus" que se referia a escola, jogo e diversão infantil. Já Dallabona e Mendes (2004, p.108), afirmam não encontrarem registros de um conceito comum para o lúdico na educação, apenas alguns autores que relacionam o lúdico ao jogo e estudam sua importância na educação. Segundo as autoras:


Huizinga (1990) foi um dos autores que mais se aprofundou no assunto, estudando o jogo em diferentes culturas e línguas. [...] Jogo advém de "jocus" (latim), cujo sentido abrangia apenas gracejar ou traçar. O referido autor propõe uma definição para o jogo que abrange tanto as manifestações competitivas como as demais. O jogo é uma atividade de ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, seguindo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentido de tensão, de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana. Segundo Piaget (1975) e Winnicott (1975), conceitos como jogo, brinquedo e brincadeira são formados ao longo de nossa vivência. É a forma que cada um utiliza para nomear o seu brincar. No entanto, tanto a palavra jogo quanto a palavra brincadeira podem ser sinônimas de divertimento.

As mesmas autoras (2004, p.108), na busca de definições menos amplas, ainda recorreram à enciclopédia Larousse, que define cada um dos termos desta forma:

Jogo - ação de jogar, folguedo, brinco, divertido. Seguem-se alguns exemplos: jogo de futebol; jogos olímpicos; jogo de damas; jogos de azar; jogo de palavras; jogo de empurra. Brinquedo - objeto destinado a divertir uma criança, suporte da brincadeira. Brincadeira - ação de brincar, divertimento. Gracejo, zombaria. Festinha entre amigos ou parentes. Qualquer coisa que se faz por imprudência ou leviandade e que custa mais do que se esperava: aquela brincadeira custou-me caro.


Ao tentar definir jogo mais precisamente podemos levar em conta dois aspectos fundamentais. O primeiro diz respeito ao significado que damos a este termo desde a nossa infância até a fase adulta. O segundo se relaciona às diferentes acepções que uma palavra pode assumir ao longo dos tempos, e em cada civilização.
Segundo Johan Huizinga (1990, p.8), "[...] as diferenças lingüísticas relacionam-se com o valor social que tem o jogo em cada sociedade". Para ele, brinquedo, lúdico e brincadeira são atividades singulares e culturais que fazem parte das características dos seres humanos e dos animais. Huizinga (1990, p.23) afirma:

nossa espécie recebeu a designação de Homo Sapiens ( o que conhece, aprende), porém no século XII com o culto a razão, passou a ser moda designar como Homo Faber (o que faz, produz). Mas uma terceira função importante e específica na vida do homem como animal, seria a expressão Homo Ludens (o que brinca, cria).

No entanto, na língua portuguesa, jogo e brinquedo são empregados indistintamente, embora as pessoas refiram-se a brinquedo quando a estrutura não é elaborada, e a jogo quando há regras e elaboração. Compreendendo que cada autor define tais termos conforme os enfoques de seus trabalhos e concordando com Fortuna (2000), que entende que não é possível uma única definição para cada palavra, este trabalho transitará livremente pelos termos: lúdico, jogo, brinquedo e brincadeira, entendendo que estão intrinsecamente unidos e que não há necessidade de recortá-los frente a este estudo. A partir desta releitura de tentativas de definições sobre o lúdico, faz-se necessário questionar qual a razão de ainda ser tão difícil integrá-lo a sala de aula, se originalmente o termo "ludus", referia-se também a escola.

O lúdico através dos tempos

Para entendermos o percurso do lúdico e suas relações com a infância e a escola, faremos uma breve descrição da historiografia dos jogos. Na antiguidade, segundo Almeida e Casarin (2002), com a finalidade de estreitar os laços afetivos familiares, as crianças participam das mesmas brincadeiras dos adultos. Estas relações eram observadas sobre dois enfoques, uma parte da sociedade aceitava, vendo-as como "meio de crescimento social", outra parte era contrária, pois as identificavam "aos prazeres carnais, ao vício e ao azar".
Para Phillipe Ariès (1981) o sentimento particular da infância não existia. A criança em tenra idade misturava-se aos adultos, vestiam-se como eles e brincavam do mesmo modo e com os mesmos objetos. As atividades predominantes na época eram variadas e mais significativas do que o próprio trabalho, brincava-se com jogos de simulação de guerra, jogos de azar, corridas de cavalo, bola, bilboquê, boneca (para ambos os sexos), dados, dentre outras modalidades.
A partir do século XII, os jogos eram disputados a dinheiro sendo um atrativo a imoralidade e para os moralistas da época o que devia ser preservado era a disciplina e a racionalidade dos costumes, assim quase foram extintos principalmente da escola. Para as autoras Almeida e Casarin (2002), os humanistas do renascimento perceberam as possibilidades educativas dos jogos e passaram a utilizá-los. Assim, os jogos e brincadeiras foram divididos entre "bons" e "maus" e, enquanto os maus foram proibidos, os bons passaram a ser utilizados para preservar a moralidade dos "mini-adultos".
Os jesuítas perceberam a importância dos jogos para fins educativos e introduziram-no em seus programas escolares, porém antes modificaram suas estruturas, que de jogos ruins, passaram a jogos disciplinados, divertidos e controlados, passando a serem designados de jogos educativos. Segundo Ariès (1981, p.12) "[...] os jogos foram disciplinados pelos padres jesuítas, os divertimentos reconhecidos como bons foram admitidos e recomendados, e considerados a partir de então como meios de educação tão estimáveis quanto os estudos".
Do século XII até o século XVII os mesmos jogos configuraram a vida social das crianças e dos adultos pertencentes à elite. Tais divertimentos formavam um dos principais meios de que se dispunha uma sociedade para estreitar laços coletivos e se unir, com exceção dos cavaleiros que tinham seus próprios jogos e divertimentos reservados dos demais membros da sociedade.
Nos dois séculos posteriores, através do incentivo dos jesuítas ocorreu a popularização dos jogos educativos, que se tornaram veículo de divulgação e doutrinação popular, utilizados para o desempenho de papéis e difusão de idéias. A escola, por sua vez, apesar de estar intimamente ligada às crianças, apresenta-se historicamente alheia à presença do lúdico em atividades propostas por seus professores. A revolução industrial, segundo Carvalho (1996, p.17), veio a efetivar esta dicotomia entre o brincar e a escola, pois no mundo do trabalho não há tempo nem espaço para o lúdico, já que este não é produtivo e não precisa ser valorizado. Nesta época, a escola passou a ser responsável pela formação da mão-de-obra necessária para as indústrias e o brincar não se "encaixava" nos modelos de produção, sendo então, excluído das salas de aula.
Entretanto no início do século XX, com o advento da pedagogia moderna, a educação passa por mudanças conceituais e estruturais significativas para o educando, este passou a ser considerado como centro do processo ensino-aprendizagem e não mais uma "tábula rasa", o professor passa a ser um mediador do ensino. O processo pedagógico viu-se apoiado a novas propostas curriculares. Assim a didática escolar fundamentou-se em atividades lúdicas através de jogos e materiais concretos, os quais passaram a ser considerados um instrumento importante à prática docente e um elemento facilitador da aprendizagem.
Fröbel (1782-1852) foi o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica e o papel da família nas relações humanas escolares. Foi ele quem criou e abriu o primeiro jardim de infância, onde as crianças eram consideradas como plantinhas de um jardim, do qual o professor seria o jardineiro. A criança se expressaria através das atividades de percepção sensorial, da linguagem e do brinquedo. Ele tinha uma visão pedagógica do ato de brincar. Segundo Almeida e Casarim (2002), o movimento da Escola Nova, deu a continuidade à concepção de criança lúdica, já implantada por Fröbel, a partir das décadas de 60 e 70, a psicologia do desenvolvimento e da psicanálise contribuíram para que se visse a infância como o período principal do desenvolvimento humano, enfatizando o papel da brincadeira na educação.
Promover o lúdico como instrumento de aprendizagem deveria ser tarefa inerente de todo educador de crianças, pois, segundo Dorneles (1998) a criança compreende a realidade e "vê o mundo" através do brinquedo e é recriando seu mundo e o mundo que vê pela televisão, ruas, passeios, que ela se constitui como sujeito.

Por que utilizar o lúdico?

Desde a mais tenra idade, a partir do momento em que a criança começa a ser capaz de imaginar, o caráter simbólico e o "faz de conta" já fazem parte do cotidiano infantil. Mas ainda antes, segundo Santos (1998), referindo-se a abordagem evolutiva estudada por Piaget, o bebê inicia os "jogos de exercícios" em que a ludicidade da ação caracteriza-se pela repetição, pelo prazer do funcionamento de ações básicas como agarrar, sacudir, morder, chupar e lançar.
Com a evolução da imitação e da imaginação inicia o "jogo simbólico" em que a criança passa a inventar o mundo, sugerindo novas maneiras de interpretá-lo, imitando modelos ausentes e reproduzindo modelos já interiorizados (imaginado). Nesta fase, a criança imita ações cotidianas de seu mundo e também do adulto até criar o seu próprio, de "faz de conta", complexificando situações e criando amigos imaginários. Para que o "faz-de-conta" possa desenvolver-se, segundo Santos (1998) são necessários alguns aspectos como o tempo para brincar livremente; a disponibilidade de materiais diversos para a manipulação; o espaço adequado para brincar ? dependendo da faixa etária; a adequação curricular. Assim, as atividades lúdicas desta fase são capazes de satisfazer o "eu", por meio de uma transformação do real. Aos poucos, a criança vai buscando a aproximação a realidade e ao concreto, entrando, entre os 7 e 12 anos em uma fase de transição que culminará nos Jogos de Regras, na adolescência.
Esse sentimento de conectar o lúdico com as atividades escolares tem sido um dos principais focos de discussão entre educadores, pesquisadores e psicólogos, os quais concluíram que a verdadeira educação é aquela que cria na criança o melhor comportamento necessário para satisfazer suas múltiplas necessidades orgânicas e intelectuais ? necessidade de explorar, observar, saber, trabalhar e ao mesmo tempo se divertir. Fortuna (2000, p.129) defende plenamente o brincar e afirma que o mais difícil é "convencer" os professores da sua importância. Em suas palavras:

Convencer os professores da importância para a aprendizagem, no entanto, não é simples. Muitos educadores buscam sua identidade na oposição entre brincar e estudar: os educadores de crianças pequenas, recusando a admitir sua responsabilidade pedagógica, promovem o brincar; os educadores das demais séries de ensino promovem o estudar. Outros tantos, tentando ultrapassar esta dicotomia, acabam por reforçá-la, pois, com freqüência, a relação jogo-aprendizagem invoca privilegia a influência do ensino dirigido sobre o jogo, descaracterizando-o ao sufocá-lo.

O brincar é uma necessidade emergente da criança, pois é através dele que ela começa a compreender o adulto e o mundo que a cerca. Além disso, segundo Santos (1998), o espaço do jogo pode ser um espaço de experiência e liberdade de criação, além disso, as crianças expressam suas emoções, sensações e pensamentos sobre o mundo interagindo consigo mesmo e com os outros. Portanto, excluir este espaço do ambiente escolar chega a ser um erro causado pela falta de compreensão dos adultos que, muitas vezes, não entendem o motivo da importância do brincar e a razão das crianças envolverem-se, motivarem-se e dedicarem-se tanto em cada momento lúdico.
Os jogos estimulam a socialização, porque podem ser trabalhados em pequenos e grandes grupos; através do lúdico os alunos são desafiados e estimulados a pensar, desenvolvendo aspectos emocionais, afetivos e cognitivos; as crianças passam a serem cooperativas e responsáveis; aprendem a perseguir objetivo, a agir de acordo com as regras; seu raciocínio fica mais ágil, e sua criatividade se desenvolve. Os grupos de crianças que se formam em sala de aula, mediante a utilização de uma proposta lúdica, são sempre heterogêneos quanto aos conhecimentos já adquiridos nas diversas áreas, mesmo quando uma avança sozinha ela contribui para o desenvolvimento das outras. Assim como o professor ela também servirá de mediadora entre o sujeito e o objeto. O professor não será passivo e nem o centro do ensino, mas sim, um mediador.
Por sua vez, o ensino passa a ser mais significativo e menos exaustivo, a criança constrói seu conhecimento e brinca ao mesmo tempo. Como afirma Piaget (apud BARROS, 1998, p.34) "... a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo por isso, indispensável à prática educativa." Assim, ter claro que, o brincar é fundamental para o desenvolvimento de diferentes condutas e para aprendizagem de diversos tipos de conhecimentos e proporcioná-lo, visando este desenvolvimento e o "prazer" das crianças é, ou deveria ser a tarefa primordial dos educadores.

O lúdico na atuação do professor e na aprendizagem da criança

As práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas vêm sendo discutidas cada vez mais nas instituições da área da educação e trazer esta questão à tona, evidencia a importância da reflexão sobre este tema. Sabemos que o lúdico contribui para o desenvolvimento pleno da criança, mas para que a criança cresça e se desenvolva plenamente é preciso criar espaços dentro do planejamento do educador para a inserção do lúdico, contribuindo assim para a formação de um ser autônomo e criativo.
Levando este aspecto em consideração, salientamos que a criança é curiosa e precisa explorar o que vê e esta a o seu redor. Participar de brincadeiras é um meio de criar oportunidades para que ela passe por experiências que ajudarão no seu amadurecimento e socialização. Através do lúdico a criança desenvolve capacidades indispensáveis para sua vida adulta, como: habilidades psicomotoras, concentração e atenção. Completa MALUF (2003, p.30): " Todo aprendizado que o brincar permite é fundamental para a formação da criança, em todas as etapas da sua vida."
Muitas vezes no cotidiano escolar as atividades recreativas e artísticas só são permitidas pelos professores quando estes não planejaram nada, estão cansados e indispostos, os alunos tiveram bom comportamento ou em datas comemorativas. Em linhas gerais é fundamental que o educador insira o brincar em seu projeto educativo, isto expressa consciência da importância de sua atuação em relação ao desenvolvimento da aprendizagem. Campos (apud GRILO, 2005), acredita que o lúdico pode ser a ponte facilitadora da aprendizagem se o professor puder pensar e questionar-se sobre sua forma de ensinar, utilizando o lúdico como fator motivador de qualquer tipo de aula.
O propósito geral de conceber o lúdico no processo de construção do conhecimento do educando, além de contribuir com um possível recurso pedagógico que inter-relacione brinquedo, jogos, brincadeiras neste processo é a formação integral do educando, semeando valores e atitudes que os farão ter um futuro pleno. Sobre este aspecto PINTO (2003, p.78) opina:
Não posso afirmar que o espaço lúdico e as atividades lúdicas sejam um antídoto, como no mundo de encantado da bruxas e fadas, capaz de salvar todas as crianças dos feitiços e venenos do mau... mas como vivemos num mundo de incertezas, temos pois, que apostar nas probabilidades. Dando espaço e tempo de brincar a essas crianças aumentamos suas probabilidades de vitórias.

Esse elo entre o lúdico e o ensino já faz parte da didática na educação infantil e tem sido paulatinamente inserido no ensino fundamental, com o objetivo de deixar a aula atraente e os alunos mais motivados para aprender. Sabemos que, muitas vezes, o estabelecimento de ensino não pode oferecer muito, porém, como profissionais conscientes de tais necessidades, precisamos com criatividade, superar limitações, buscando com isso a formação integral de cidadãos críticos.
Com freqüência apenas percebemos o lúdico nas atividades livres, geralmente nos corredores escolares em que os alunos divertem-se durante alguns poucos minutos, como no recreio, por exemplo. O maior responsável por este fato é o professor que prepara as aulas para trabalhar com as crianças, fez-se necessário ouvir suas falas sobre o assunto, abordando seu entendimento sobre "lúdico" e questionando-o sobre a utilização de jogos, brinquedos e brincadeiras na sala de aula.
O professor que pretenda utilizar o lúdico em sua sala de aula deve saber que cabe a ele o planejamento, a organização do ambiente e dos materiais e principalmente ter conhecimento da sua clientela (BARROS, 1998). Este deve ter também, consciência exata da funcionalidade motivadora do lúdico e sua contribuição no desenvolvimento dos seus alunos.

Palavra do Professor

Para a realização deste estudo, foram entrevistados os professores das séries iniciais do ensino Fundamental de uma Escola Estadual, no município de Cidreira. Analisando suas falas, foi possível observar que, de modo geral, a maioria tem clareza do que é lúdico, já que apenas um ficou em dúvida e acabou não respondendo. Os demais apresentaram suas definições em frases como: " Lúdico são os jogos e as brincadeiras na sala de aula" e "lúdico para mim é tudo que não é de quadro, que não é aquele tradicional, acho que um jogo, uma brincadeira, uma musiquinha já faz parte do lúdico". Alguns profissionais ainda vão além destas idéias, abordando que o lúdico é tudo o que possa proporcionar "prazer, diversão e entretenimento".
Quando questionados acerca da importância do lúdico na sala de aula, todos responderam que sua utilização é de extrema relevância por vários fatores, dos quais destaco a fala: "a atividade lúdica é muito importante na sala de aula, pois é através da atividade lúdica que a criança se desenvolve, interage e aprende". Além disso, disseram que com este tipo de atividade a aula torna-se mais agradável, divertida, descontraída, o que facilita a compreensão, assimilação e a aprendizagem corporal e intelectual da criança. Porém quando a questão tornou-se mais específica, sendo deslocada para a utilização do lúdico nas suas salas de aula, as falas começaram a divergir-se, pois até então era unânime a aprovação de que o lúdico é importante, porém alguns afirmaram que não o utilizam e a maioria colocou que é muito difícil planejarem toda a aula de forma lúdica, por isso preparam apenas alguns momentos. Estes momentos variam de professor para professor, pois alguns o fazem de forma dirigida com jogos, músicas e brincadeiras e outros, deixa os alunos interagirem livremente com alguns brinquedos, dentro ou fora da sala de aula. Aqueles que afirmam que não preparam, ao menos, alguns momentos de ludicidade em suas aulas, defendem-se através de argumentos como a falta de tempo para planejamento, a preocupação em transmitir os conteúdos programáticos, a falta de recursos e até a falta de acesso a materiais e idéias novos que possam enriquecer seu trabalho.
Para ter uma noção mais clara de como os profissionais desta escola percebiam e utilizavam o lúdico, para aqueles que afirmaram seu uso, foi pedido que especificassem a forma a qual o desenvolve nos "momentos" destinados para tal. As respostas foram bem interessantes, uns declararam que procuram fazer jogos como dominós, bingos e quebra-cabeças para cada projeto que trabalham, outros disseram que organizam espaços em suas salas de aula com tapetes e brinquedos e os alunos podem brincar livremente várias vezes durante a aula, entre uma e outra atividade dirigida. Também relataram a utilização das músicas e brincadeiras recreativas. Nas falas em que apareceram estas afirmações, foi possível perceber o quanto alguns profissionais estavam realmente empenhados em realizar um trabalho de qualidade, mas nem sempre conseguiam pelos motivos já mencionados acima.
Dentre estes profissionais que afirmaram estar buscando desenvolver suas aulas embasadas na ludicidade, alguns demonstram ter bastante clareza e discernimento em relação ao assunto, chegando a expressar-se com frases como: "Na minha aula eu utilizo o lúdico em forma de jogo, de música e do jogo simbólico. Acredito que no jogo simbólico a criança desperta sua imaginação e criatividade". "O jogo simbólico esta presente na minha aula no tapete, que é onde as crianças utilizam o brincar ?faz de conta? e, nessa parte do jogo simbólico, elas brincam quase todos os dias". Ainda colocaram que, com o faz de conta, as crianças também aprendem ao interagir com os colegas. Além disso, estes professores disseram gostar de observar seus alunos enquanto brincam, pois são nesses momentos que a criança reproduz os "modelos" que o cercam e isso os ajuda a conhecer melhor sua turma, o que facilita o trabalho docente.
Outra questão que gostaria de ressaltar é a diferença entre as falas dos professores da pré-escola e das Séries iniciais. Infelizmente estes afirmam usar bem menos a ludicidade em relação aqueles, que dizem fazer parte do seu trabalho diário. Os professores da pré-escola relatam que seus alunos "precisam" do lúdico, enquanto os demais profissionais dizem que brincar é importante, mas que precisam "vencer os conteúdos" e por isso brincam apenas em alguns momentos. A partir destas colocações é possível inferir que o lúdico ainda não é percebido como um trabalho "sério" para todos os profissionais da área.

Na busca da contribuição do Lúdico

Além de ouvir aos professores sobre o tema em pauta, foi acompanhada a prática diária de alguns deles com a intenção de confirmar as informações pesquisadas ou até mesmo levantar novas hipóteses a respeito do tema. Solicitamos que alguma professora cedesse sua turma para observação das aulas, solicitação que fui bem aceita por todas, então com a possibilidade da escolha era viável, escolhi uma turma da 3ª e outra da 4ª série do turno da manhã e uma turma do 2º ano (antiga 1ª série) e a outra da 2ª série do turno da tarde. A intenção era registrar em qual momento a professora utilizava recursos lúdicos, quando utilizava e qual a função que estes exerciam.
No 2º ano pude observar momentos lúdicos como jogos e brincadeiras para aquisição do conteúdo, todos com objetivos bem elaborados e de acordo com as atividades propostas. Porém, estes momentos foram poucos, pois a professora conduz suas atividades na maior parte do tempo com o auxílio da lousa. Ela justificou quando questionada a este respeito alegando que embora considere importante o uso do lúdico no planejamento, não sabe trabalhar com este recurso e nem demonstra interesse em aprender, pois segundo ela as crianças querem mesmo é escrever no caderno e que hora de brincar é apenas no recreio ou na aula de educação física.
Na 2ª e 3ª série pude observar vários recursos didáticos em aula, como jogos e brincadeiras envolvendo as aulas de educação física, matemática e relações humanas. As professoras demonstram ter organização no planejamento das atividades, buscando por em prática os cursos de atualização de que participaram. Elas julgam importante a utilização de jogos sempre que oportuno nas aulas, se o conteúdo permite esta inserção. Tendo em vista estes dados, questionei porque estes jogos que utilizam são importantes para os alunos. Uma respondeu que facilita para o professor ensinar porque aproxima mais da realidade do aluno. A outra disse que é para mudar a rotina das aulas a fim de não torná-las cansativa.
Quando questionei sobre a opinião dos familiares, as professoras concordaram quando relataram que os pais não estão interessados no que os filhos estão aprendendo, isto porque, possuem pouca escolaridade, e não dão o devido valor ao estudo, pelo menos a grande maioria. Uma das professoras alega que é muito difícil trabalhar o lúdico com os alunos, eles não levam a atividade à sério como quando ela passa atividades no quadro.
Ao longo deste trabalho, mais precisamente na observação da sala de aula, constatamos que o aluno ao brincar, deixa de ser ouvinte passivo do professor e passa a ter participação ativa no processo de construção de novos conceitos, já que muitas vezes a aprendizagem decorre das próprias reflexões elaboradas pelo aluno. Os alunos, em geral, estiveram envolvidos o tempo todo e demonstraram muito interesse pela atividade proposta, além disso, pudemos perceber que a intervenção pedagógica realizada de maneira lúdica é muito válida, pois através dela comprovamos o quanto novas habilidades e novos conhecimentos foram sendo adquiridos pelos alunos.

Considerações finais

Este estudo buscou analisar as diferentes definições de lúdico para diferentes autores e sua utilização através dos tempos. Além disso, procurou perceber a noção que os professores de uma escola do município de Cidreira possuem sobre ludicidade, bem como observar, a partir de suas falas, se costumam fazer dela uma prática comum em suas aulas.
Foi possível compreender o quanto é difícil definir de forma estanque um termo tão amplo e complexo como o lúdico, que pode abranger jogos, brinquedos, brincadeiras, divertimento, entre outros. Cada autor busca defini-lo conforme os enfoques de seus estudos e frente a isto, percebeu-se o quanto estavam intrinsecamente unidos e não era necessário recortá-los. Também foi possível exemplificar o fato já conhecido de que as crianças sempre brincaram independente de época histórica e condição social em que se encontravam; porém ficou claro que a instituição escola sempre portou-se alheia a tal conhecimento, percebido nas propostas didáticas realizadas pelos professores que dificilmente evidenciavam o lúdico.
A pesquisa demonstrou também que, de um modo geral, todos os professores entrevistados têm clareza do que é o lúdico e concordam que sua utilização é de extrema relevância nas salas de aula como instrumento facilitador da aprendizagem das crianças. Porém percebeu-se que encontram dificuldades para utilizá-lo, por a falta de recursos financeiros, de condições de trabalho e de tempo para planejamento. Também constatamos uma grande diferença entre as opiniões dos professores dos dois níveis de ensino - Educação infantil e Séries Iniciais; pois enquanto os primeiros afirmaram que seus alunos precisam diariamente do lúdico os demais disseram que reconhecem a importância do brincar, mas precisam desenvolver os conteúdos mínimos de série.
A análise da situação de intervenção pedagógica demonstrou que professor tem papel fundamental, pois ele deverá realizar as intervenções necessária para que o processo de aprendizagem de seu aluno seja significativo, para isso ele precisa tomar cuidados específicos na escolha das atividades e também aprender a lidar com as vantagens e desvantagens que podem estar presentes nelas, para que o aluno possa tirar o maior proveito desse tipo de atividade.
A partir deste estudo é possível inferir que o lúdico deveria permear a prática de todos os educadores de crianças, estejam eles atuando em Educação infantil ou Séries Iniciais, contemplando o que diz Fortuna (2000) quando relata que a aula lúdica é aquela que desafia o aluno e o professor e os situa como sujeitos de processo pedagógico. Considerando a importância que a intervenção lúdica tem na formação dos alunos ressalto a necessidade fundamental da efetiva implementação de propostas de ensino que utilizem este recurso como importante aliado na construção do conhecimento e em todo o processo de ensino-aprendizagem.

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Revista Nova Escola, São Paulo, nº. 187, p. 24-26, novembro de 2005.

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Autor: Mara Christmann


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