Resenha sobre Éça de Queirós



Éça de Queirós é sem dúvidas um dos maiores escritores que se apresentou em Portugal. Formado em direito na faculdade de Coimbrã, logo se engaja na arte literária, porém de princípio possuía um estilo voltado as tradições românticas, impregnado de subjetivismo, dando valor ao "eu" e não ao "social". Entretanto, na Europa estavam fervorando idéias em pró do social, seja através dos avanços tecnológicos, ou por meio de teorias que buscavam racionalizar e explicar o comportamento humano, dentre as quais se encontravam o Determinismo e o Positivismo.Essas idéias, que buscavam racionalizar o comportamento humano junto com o avanço das tecnologias, ocorridos na Europa, trouxeram consigo um grande impacto para a sociedade portuguesa, refletindo em diversas áreas, principalmente na Literatura.O real, verdadeiro passou a ser cultivado pelos escritores portugueses, passou-se a questionar a verdade em tese contra o subjetivismo, mascarado segundo os escritores por um mundo de fantasias e imperfeições. A favor dessas criticas surgem inúmeros acontecimentos, seja através da questão de Coimbra liderado por Antero de Quintal, ou através dos encontros nos cassinos de Lisboa, onde questionava-se a literatura como arma de combate .Aderindo a essas idéias, apoiado no positivismo e no determinismo Eça se desponta como o primeiro escritor realista, ao produzir o Crime do Padre Amaro, sendo nesta ocasião administrador do concelho dos Cassinos.
Neste ínterim como escritor realista, Eça levanta críticas nas diversas esferas da sociedade portuguesa, seja contra os padres, adultério, a mesquinhez da nobreza etc.
Porém com o passar dos anos o romancista resolve seguir carreira diplomática como Cônsul, deixando desta forma Portugal. Nota-se que a ausência de sua terra, modela aos poucos o escritor, este vê de longe a pátria com mais complacência,exaltando sua natureza. Sua linguagem vai assumindo um registro mais pessoal, longe da objetividade exigida no Romance realista típico, além de ironizar por vezes os avanços tecnológicos, pois segundo ele corrompiam a sociedade.
Como resultado dessa mudança, Eça de Queirós lança a obra A cidade e as serras, obra voltada ao sentimento bucólico, exaltando as serras de Portugal, a superiorização da nação frente a cidade provinciana de Paris, o rústico frente a modernidade excessiva.A história apresenta como mentor da modernidade Jacinto, neto de Dom Galião, amigo íntimo do Rei do Miguel de Portugal, que com a queda desde 1834, muda-se para Paris, onde adquire um Palacete na av. Campos Elíseos, 202 em Paris. Órfão de Pai Jacinto desde criança fica maravilhado pelos avanços tecnológica que existiam na nova terra, sendo assim, com o decorrer de sua maturidade, Jacinto equipa seu palácio com as mais variadas invenções, segundo praticidades que tornavam a vida do homem mais feliz.Entre as invenções encontravam-se elevadores, eletroscópios, do qual Jacinto com grande fascínio utilizava para a observação dos astros, maquina de lavar roupas ,telefones, etc.Além disto, Jacinto possuía em sua casa uma ampla biblioteca com mais de 30 mil exemplares, pois gostava de acompanhar as tendências filosóficas dos pensadores da época, e ao mesmo tempo estar bem informado sobre as diversas áreas.Ligado a questões que envolviam a sociedade, formulou a teoria da "suma ciência" e "suma Potência"onde a felicidade estava embutida nos avanços tecnológicos, cabendo ao homem apropriá-los para a praticidade .
Diferentes das idéias de modernização que envolviam os centros urbanos estava seu amigo, José Fernandes,este narrador da história, vem de Portugal, mais precisamente da zona rural de Guiães para estudar, e ao chegar fica maravilhado no início com os avanços tecnológicos, pois para ele tudo era novidade, o mundaréu de pessoas que circulavam pelas ruas, as fábricas e as engenhocas que faziam parte da sociedade, tudo era maravilhoso.Jacinto por vezes realizava jantares e festas em sua casa para a elite de Paris, em princípio seu amigo tinha vergonha de conhecer tão importantes pessoas, que conheciam os mais variados assuntos e os mais variados gostos, porém com a convivência com seu amigo, José passou ao poucos a participar dos encontros e conhecer os ilustres amigos do Príncipe de Grã-ventura, alcunha por qual o narrador se referia a Jacinto.
Porém, José percebe que aquelas pessoas que se relacionavam com seu príncipe, são na verdade uma elite que vivia por aparências, por estatus, onde o dinheiro e o orgulho próprio estava escancarado em suas caras.Percebe José que toda a sociedade vive em cima de mentiras, tristezas, onde o capitalismo se faz presente nas mãos dos detentores de dinheiro, extorquindo em uma população que vive na miséria, sem dignidade de vida. Há neste ínterim uma idealização por Guiães, a saudade da simplicidade de sua terra, da beleza das serras, das pessoas amigas, sem intuito capitalista.Por vezes José passeava com Jacinto pela amável e associável floresta de Montorency, na busca de algo que se lembra de sua terra, tão pouco fosse através de uma haste de capim.Jacinto pelo contrário sentia-se angustiado, como se o universo se decompusesse apertava os passos para voltar ao seu mundo sagrado.
As inquietudes de José aliadas a constantes defeitos que as máquinas de sua casa estavam tendo, Jacinto começou a sentir que algo estava faltando em sua vida, , não havia nada de novo, as idéias estavam saturadas, os livros de sua vasta bibliotecas, apenas rediziam o que ele já sabia , era tudo um tédio.No meio dessas insatisfações este é obrigado a viajar para Tormes, Portugal, terras de seus avós para resolver problemas pessoais, e leva consigo seu amigo José Fernandes, dois empregados de confiança, além de várias malas contendo livros e sofisticações que somente na cidade tinham.Ao chegar em tormes, terras de seus avós, suas por herança, jacinto encontra os arredores de suas terras rodeadas de uma miséria lastimável, percebe que os arrendadores, pessoas que cuidavam de suas terras, viviam em condições desumanas, sem direito a saúde a educação etc Jacinto a partir disso adquire novamente um ideal de vida, pois o tédio, até então estampado em sua cara, dá lugar ao entusiasmo de mudanças, começa a ver as serras como um lugar tranqüilo e sereno, interessa-se pelo cultivo, pelos gados, adaptando-se ao meio, alcançando assim, o equilíbrio natural.
Com o decorrer de sua permanência no campo, Jacinto percebe que o ideal é unir o que a sociedade tem de melhor e útil, como por exemplo, o telefone e demais tecnologias, com a simplicidade do campo.Coloca um médico para atender seu pessoal e junto com ele um telefone, remédios são trazidos da cidade, e é construída uma escola nos arredores.Sua fama alastrá-se por todos os lados, e quem o visse o olhava com olhos agradecidos.Conhece joaninha, prima de seu amigo Zé Fernandes, com quem casa e tem dois fihos.
A ironia no Romance segundo Eunice Piazi gay pode ser vista a partir de duas perspectivas: a crítica a civilização, como severa e pesada, e a ambigüidade com que trata a possível felicidade no campo, através de benfeitorias oriundos da cidade, como o telefone, remédios etc. Trabalha também segundo Eunice com um único foco narrativo, toma um fidalgo, riquíssimo, culto, supercivilizado, reduzindo-o a um simples camponês, ironia que tem por finalidade criticar o projeto civilizatório desenvolmentista, configurado por um capitalismo absurdo, desmascarando o personagem aos poucos, entregando ao meio natural.
Antônio José Saraiva e Òscar Lopes (História da Literatura Portuguesa p.934) depois de afirmarem que AS Cidades e as Serras está toda empenhada em ridicularizar o progresso técnico, embora seu alcance efetivo diga antas de tudo à ociosidade endinheirada, e ao conceito de armazenamento de comodidades, afirma que na sua última fase, Èça de Queirós isola as personagens do contexto social-econômico a que na vida real pertencem, todos os problemas são resolvidos a partir da boa condição monetária do protagonista, que lhe permite usufruir de as vantagens da vida rural, sem a contrapartida do trabalho e das privações do trabalhador agrícola, uma realidade segundo os críticos, demasiadamente simples, fugindo um pouco da realidade.Outro fato levantado pelos críticos é que Èça levanta uma conclusão precipitada, pois o mal não estariam nas máquinas e sim na mentalidade social das pessoas, que buscam seus interesses próprios através do acumulo de capital.
Outro fato apontado como irreal segundo Gaspar Simões, em Vida e Obra de Èça, é que o autor jamais trocaria Tormes por França, por outro lado considera como verdadeiro o amor que sentia por Tormes, fato constatado em estudos sobre sua vida.Entretanto segundo o autor pecou, pois seu estilo valioso voltado para o irônico, ficou comprometido ao retratar de maneira superficial sua tese, através de um idealismo social e mal estabelecido. Maria Lúcia em O sentido de As Cidades e as Serras diz que jacinto e José Fernandes formam o chamado dípico masculino, entendendo que as duas personagens se completam, e formam na realidade uma única pessoa no que se refere a sua significação, todos os outros personagens seja em Paris ou em Tormes não passam de meros figurantes. O amor entre homem e mulher segundo Maria Lúcia na perspectiva realista-naturalista, o amor se torna pretexto de análise social, visto pela visão masculina.Na obra Joaninha segundo a critica é apenas uma participante do quadro, reduz a simples geradora, nem ao menos possuí fala, não atrapalha em nada no andamento das coisas, não é abúlica, mais desprovida de corpo físico e espírito.
Massol Moiséis em A Literatura Portuguesa Através de Textos, p.324, retrata que Èça de Queirós peca na finalização de sua tese, pois entre o contraste (cidade e campo) deveria o autor ater-se em um dos itens com mais rigidez, e não apenas mudar o teor de seu pensamento, sendo que o autor termina com a mesma objetividade e parcialidade de antes.De qualquer maneira Èça configura nesta obra um excelente contraste, entre cidade e campo, consegue como ninguém resgatar as raízes de sua nação, demonstrando para muitos críticos subsídios da era Simbolista.
Percebemos, portanto que Èça de Queirós soube como ninguém se manifestar através do estilo realista, seu estilo irônico soube desmiúçar as variadas esferas da sociedade, e seja realista, ou não, deixa através de sua literatura críticas penduráveis por vários anos, pois são facilmente absorvidas por nossa realidade.
Autor: Juliano Vilmar Dos Santos


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