DO DIREITO À MORADIA: Moradia Urbana



Daniel Alves Reis da Silva[1]

Sumario: Introdução; 1 Direitos fundamentais sociais: breves notas; 2 Direito à moradia; 2.1 Histórico da propriedade imóvel no Brasil; 2.2 Moradia urbana adequada; Conclusão.

INTRODUÇÃO
Em um país da extensão do Brasil, onde a desigualdade é uma característica histórica, analisar a questão da moradia se faz necessário para a garantia do desenvolvimento coletivo, assim como analisar a questão urbana, uma vez que mais de 80% da população brasileira vive em áreas tituladas de urbanas. O Estado, responsável pela garantia dos direitos fundamentais, não consegue efetivar o direito à moradia, abrindo, assim, espaço para o surgimento de situações em que pessoas que não possuem habitação se apoderam de terrenos inativos com a finalidade de estabelecer residência, como favelas e invasões.
Este trabalho tem o objetivo de conceituar o direito à moradia, demonstrando seus elementos e características, e seus critérios de adequabilidade, situando o direto à moradia como direito fundamental social e apresentando as conseqüências deste rótulo dentro da teoria dos direito fundamentais.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: BREVES NOTAS
Uma vez que no Direito brasileiro o direito à moradia é rotulado de Direito Fundamental Social faz-se necessário um breve levantamento sobre as teorias de Direitos Fundamentais, porém esta não tem intenção de explorar de modo aprofundado todas as teorias dos direitos fundamentais, mas apenas apresentar de uma base sobre esta categoria de direitos, para que seja possível a compreensão da situação do direito à moradia na Constituição brasileira de 1988.
Um Estado Democrático de Direito é um Estado em que há preocupação sobre a concretização dos direitos fundamentais. Uma vez que um Estado de Direito deve submeter-se à Lei, sempre, diz-se que o Estado Democrático de Direito há um "plus normativo" caracterizado na busca de desenvolvimento social, haja vista, que por meio da Lei o Estado é obrigado a proporcionar este desenvolvimento (STRECK, 2006, p.39). Os direitos fundamentais sociais, frutos da segunda dimensão dos fundamentais, são aqueles direitos indispensáveis à integridade física e moral do cidadão, mas para a sua concretização há a necessidade de uma posição ativa do Estado. Na Constituição de 1988, os direitos sociais estão previstos em um rol (exemplificativo, como prefere a doutrina) em seu Título II, Capítulo II, em especial, art. 6º, no que pese sua importância é exposto a baixo, in verbis:

"Art. 6o. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição"

Luigi BONIZZATO (2007, p. 174) defende que ao se entender os direitos sociais do art. 6º, da Constituição, como direitos fundamentais, este dispositivo constitucional torna-se cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, da Constituição. A "petrificação" dos direitos sociais ocorre porque, no entendimento da doutrina, a expressão "Direitos Individuais" constante no inciso IV, do §4ª, do art. 60, da CF deve ser lido como "direitos fundamentais", e por isso só podem, dentro da atual ordem constitucional, ser-lhes acrescidos.
Com a necessidade de intervenção pública, os direitos sociais existem legalmente como forma de dar ao Estado uma finalidade, que seja proporcionar à sociedade, em sua generalidade, melhores condições de vida e desenvolvimento, diferente dos direitos de liberdade que apenas impõe limites ao Estado; enfim criando um Estado Prestacional/Ativo. José Joaquim Gomes CANOTILHO (1993, p. 509) explica que o cidadão tem parte importante na manutenção deste Estado prestacional, pois o cidadão tem legitimidade ativa processual para exigir do Estado o cumprimento de seu dever social, uma vez que os direitos fundamentais sociais são direitos subjetivos.
Tratar direitos fundamentais sociais como direitos subjetivos implica torná-los exigível em uma relação processual. Alguns doutrinadores usam a expressão: "direito subjetivo público", sempre que a exigibilidade da conduta se verifica em favor do particular e a cargo do Estado. Se existe o direito, ou em outras palavras, uma norma; o direito é exigível. Sendo este direito previsto na Constituição, repleta de força normativa, uma vez que deixa de ser mera carta política, pode-se dizer que há um maior grau de exigibilidade deste direito. Por sua vez, o principal empecilho relacionado à concretização dos direitos fundamentais sociais como direitos subjetivos está na concepção de reserva do possível, ou seja, somente se pode exigir prestações do Estado se há fundos públicos para tanto, e é claro, previsão orçamentária legislativa. (OLSEN, 2009, p. 95-96, 112-113)
Nas palavras de Ana Carolina Lopes OLSEN (2009, p. 23) entende-se que o reconhecimento dos direitos sociais ao status de direitos fundamentais, em seu aspecto formal apresenta três características: i) as normas dos direitos fundamentais apresentam-se em uma hierarquia mais elevada que as demais normas do ordenamento brasileiro; ii) são dispositivos constitucionais petrificados nos termos do art. 60 da Constituição; iii) são normas de aplicabilidade imediata, visto art. 5º, §1º, CF, e vinculam todos os poderes públicos.
Os direitos fundamentais vinculam os Três Poderes de modo especifico a cada um, uma vez que cada Poder tem uma finalidade diferente, cada Poder recebe reflexos diferentes da normatividade dos direitos fundamentais: no Poder Legislativo a vinculação ocorre na observância às normas Constitucionais, uma vez que o legislador infraconstitucional, ou mesmo o legislador constitucional derivado, não podem suprimir um direito fundamental do ordenamento jurídico, o legislador tem, na verdade, o dever de instrumentalizar estes direitos com a edição de normas mais complexas e operacionais; o Poder Executivo é vinculado pelos direitos fundamentais, uma vez que é responsável pela garantia físicas dos mesmos, além, é claro, de a Administração ser regida pelo princípio da legalidade, o que torna o exercício da garantia dos direitos fundamentais sua finalidade; já o Poder Judiciário é o responsável pelo controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais e dos atos da Administração, de modo que suas decisões devem prezar pela manutenção da ordem constitucional. (SARLET, 2009, p. 367-374)
O art. 5º, §2º, CF, transforma o rol de direitos fundamentais previsto na Constituição em um rol aberto, de modo que o critério formal da previsibilidade constitucional não é a única forma de identificar um direito fundamental social, ou seja, há critérios materiais de identificação dos direitos fundamentais sociais, quais sejam os direitos inerentes à personalidade humana, capaz de garantir o desenvolvimento social, e que para a sua efetivação faz-se necessário uma prestação estatal. (OLSEN, 2009, p. 46-47)
A intervenção estatal na ordem social é feita através da implementação de políticas públicas por parte da Administração, que consistem na própria prestação de serviços públicos e realização de obras públicas, bem como na regulamentação destes serviços. Assim, a política pública nada mais é do que um programa estabelecido pelo governo ? uma escolha discricionária ? em que se decide em que setores da ordem social serão aplicados os recursos financeiros públicos, levando em consideração as principais necessidades da coletividade. Flávio de Araújo WILLEMAN (2002, p.116-17) entende que, não obstante a carga de discricionariedade das políticas públicas, a Constituição, na medida em que vincula o Estado a efetivar os direitos sociais, vincula o foco das políticas públicas à realização de tal finalidade estatal; de tal modo, que na omissão do Estado ao dever de realizar as condições para a garantia dos direitos sociais, há a possibilidade de responsabilização.
Ana Paula de BARCELLOS (2005, p. 10-11) chega ao ponto de afirmar que somente através de políticas públicas o Estado pode realizar o que está previsto na Constituição, de modo que a política pública não é somente uma decisão política, mas uma decisão sobre gastos públicos e sobre prioridades constitucionais, e como tal, limitadas pela ordem constitucional e sujeitas a controle jurisdicional de constitucionalidade. Ainda sobre o prisma constitucional deve-se observar que o art. 23, IX, atribui tanto à União, quantos aos Estados, Distrito Federal e Municípios o dever de elaborarem políticas públicas que visam a melhoria habitacional e saneamento básico.
Como fator econômico, a efetivação de direitos sociais está limitada pela reserva do possível. Esta reserva do possível consiste na possibilidade real e orçamentária da execução da prestação pública necessária à efetividade do direito social. Porém a disponibilidade de caixa não é a única dimensão da reserva do possível, SARLET (2009, p. 287) identifica três dimensões neste instituto, que sejam: i) a disponibilidade material dos recursos; ii) a disponibilidade de pessoal capacitado; iii) por fim, a própria perspectiva do sujeito individual que busca a prestação pública para bem seu, em critérios de proporcionalidade e razoabilidade com suas condições econômicas. O autor salienta ainda que: "A perspectiva do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade."

2 DIREITO À MORADIA

O direito à moradia, em uma sociedade tão marcada de desigualdade com a brasileira, é tão importante quanto à garantia do direito a vida e a liberdade. No cenário mundial a moradia é uma discussão relativamente recente, pois apenas em 1948, teve sua primeira manifestação com a Declaração Universal de Direitos Humanos, onde assegura que todos têm o direito à moradia com forma de manter-se a si e a sua família (GUIA, MARAIS, PAULA: 2006). Sendo um direito inerente à dignidade humana, a Emenda constitucional n. 26, de 2000, aumentou o rol de Direitos Fundamentais Sociais do art. 6º, da Constituição, para incluir o direito à moradia. Desta feita, é ampliada a responsabilidade do Estado para as questões sociais de moradia e habitação (LORENZETTI: 2001).
Sérgio Iglesias Nunes de SOUZA (2008, p. 44) define moradia para além da simples habitação: trata-se de um direito inerente ao homem, reconhecido juridicamente, essencial a personalidade e independe de objeto físico, indisponível tendo seu exercício no local protegido juridicamente. Deste modo, a moradia é o direito subjetivo de toda pessoa ter para si um ambiente em que possa habitar com sua família. Observa-se que habitar é a forma de exercer o direito da moradia, que é diferente do direito a propriedade de bem imóvel, como será explicado mais a frente.
Segundo Adauto Lucio CARDOSO (2007), "entende-se a moradia, portanto, de uma forma ampliada, como a habitação em si e também como o solo e o conjunto de equipamentos, serviços e amenidades, cuja acessibilidade ela possibilita". Assim, o exercício do direito à moradia nas cidades só será pleno quando houver habitação adequada às necessidades urbanas: transporte, segurança, saneamento básico, e outros serviços públicos que serão estudados em momento oportuno.
O acesso a moradia passa a depender, direta ou indiretamente, do Estado que se apresenta como o principal responsável pelos Direitos Sociais. A moradia é identificada como um direito integrante do direito à subsistência, ou seja, necessário para o mínimo existencial do ser humano; e por sua vez, representa a expressão mínima do direito à vida (LORENZETTI, 2001, p. 4).
Porém antes de tentar entender em que consiste o direito à moradia e seus aspectos de adequabilidade, faz-se necessário a montagem de um pequeno histórico sobre a história da propriedade imobiliária brasileira, deste modo visualizando como se deu ao longo do tempo da distribuição fundiária pátria, para que mais a frente possamos entender alguns dos motivos da atual situação habitacional nacional.

2.1 História da propriedade imóvel no Brasil
A história da Propriedade privada do Brasil é marcada por uma estrutura individualista geradora de segregação. No século XVI, com a implantação do sistema de Sesmarias, pessoas próximas à Coroa ficaram encarregadas do controle e da defesa de grandes faixas de terras, apesar de nesse tempo tais indivíduos não tinham o Direito Real de propriedade sobre estes imóveis, pois toda terra era da Coroa, porém esse sistema se mostrou débil para o interesse da Coroa de explorar tributariamente a Colônia, e não apresentou eficácia no sistema de titularidade das terras. (BARROS, 2007, p. 44-45)
No século XIX, com o fim do sistema de Sesmarias, o sistema que predominava era o da POSSE indiscriminada, as pessoas se apossavam da terra livremente, foi quando, em 1850, surgiu a Lei de Terras (Lei n. 601, de setembro de 1850), esta favorecia o individuo que retinha o "uso adequado" da terra, desenvolvendo algo muito próximo de nosso atual usucapião[2], regularizou a posse das terras para moradia do sistema anterior[3], bem como outros dispositivos, como a existências de terras do Império de domínio público (terras devolutivas) que não podiam ser alvos de posseiros, só podendo ser utilizadas se compradas do Império, era muito difícil fiscalizar e, as terras devolutivas foram, em grande parte, ocupadas sem que o Império tomasse nota.
Com a instauração da República em 1889, não houve muito avanço, pois os interesses particulares continuaram sendo mais observados do que os públicos, principalmente dos "Coronéis", grande proprietários de terras ? latifundiários ?, isto se intensifica na medida em que o sistema eleitoral da época era o voto censitário, ou seja, não permitia que pessoas de baixa renda votassem, deste modo, os "Coronéis" eram os cidadãos que, basicamente, detinham o direito a voto. Nos serviços públicos esse Coronelismo também era identificado, pois os recursos estatais só eram aplicados nos municípios em que residiam as pessoas próximas aos Presidentes dos Estados.
Influenciado pelas ideias liberais do Código de Napoleão, o conceito de propriedade do Código Civil brasileiro de 1916, atribuía liberdade plena ao proprietário, tanto no direito de usar como dispor do bem, como é observado nos arts. 524 e 527, do antigo diploma legal pátrio. Já em 1934, com a publicação da nova Constituição, em especial o art.113, surge a primeira manifestação legal de uma propriedade funcional brasileira, que atenda o interesse coletivo. (BLANC, 2004, p. 32-33)
Wellington Pacheco BARROS (2007, p. 41) explica que no Brasil, ainda na primeira metade do séc. XX, não ficou muito claro o conteúdo da função social da propriedade, uma vez que as constituições apenas a previam como um princípio[4] e não lhe atribuía abrangência, mas foi com a Lei n. 4.504, de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), em seu art. 2°, §1°, que foi atribuído, a função social, conteúdo, que seja:

"(...) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; mantém níveis satisfatórios de produtividade; assegura a conservação dos recursos naturais; observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem."

Com a constituição de 1988, passa a fazer integralmente parte do conceito de propriedade o exercício de sua função social (art. 5º, XXIII, CF). Gilberto BERCOVICI (2005, p. 145-147), trabalhando com as teorias de Karl Renner, diz que "a função social da propriedade torna-se o fundamento do regime jurídico do instituto da propriedade, de seu reconhecimento e da sua garantia, dizendo respeito ao seu próprio conteúdo" e ainda, que a "função social da propriedade é mais do que uma limitação. Trata-se de uma concepção que consubstancia-se no fundamento, razão e justificação da propriedade.", mas ainda hoje há uma grande discussão no meio acadêmico e jurídico a respeito da definição exata de Função Social, isso porque não se sabe se a vontade do legislador era descentralizar a propriedade abrindo caminho para uma possível reforma agrária ou um meio de aumentar a produtividade das terras nacionais. Resumindo: a função social tem uma origem socialista; ou a função social da propriedade é um conceito capitalista.
Para BERCOVICI (2005) a função social da propriedade, antes de ser um mecanismo que retira o domínio de uma propriedade de um individuo, que tem muitas terras para distribuir aos mais necessitados, é uma forma de impedir que a própria fique ociosa, ou seja, não sendo aproveitada para fins urbanos ou rurais. Mas é inegável que a constitucionalização da função social muito ajudou aos movimentos sociais de luta por moradia, principalmente facilitando as ocupações e desapropriações.

2.2 Moradia Urbana Adequada
Já foi exposto que o direito à moradia não consiste no simples ato de habitar, mas de habitar dignamente, em uma área de estrutura adequada aos fins urbanos ou rurais. Para que tal dignidade seja manifestada é necessário a construção de uma estrutura sólida de serviços públicos, que, dependendo da situação (urbana ou rural), altera os requisitos de adequabilidade de moradia. Uma vês que esta pesquisa visa discutir a situação em áreas urbanas, não tentaremos identificar os critérios de adequabilidade da moradia rural.
Questões de saneamento-básico, serviços de transporte, e acessibilidade à infra-estrutura urbana, consubstanciam a moradia urbana. Diferente da moradia rural, em que o local laboral confunde-se com o residencial, na moradia urbana, em regra, diferencia-se em razão do zoneamento do solo urbano, onde cria-se um estrutura orgânica que visa o melhor aproveitamento do espaço urbano, de modo, que a acessibilidade é a principal preocupação na organização das cidades. Esta acessibilidade à estrutura urbana não pode depender exclusivamente do poder de renda pessoal dos integrantes da comunidade, mas pensado em critérios de universalidade, e solidariedade social.
Em 1991 o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais Culturais da ONU, General Comment no. 4 on the Right to Adequate Housing, elencou sete características de uma moradia minimamente adequada (LORENZETTI, 2001):
1- Segurança nos direitos de propriedade;
2- Disponibilidade de serviços, equipamentos e infra-estrutura;
3- Disponibilidade a preços acessíveis;
4- Habitabilidade;
5- Acessibilidade a todos os grupos sociais;
6- Localização que possibilite o acesso ao emprego;
7- Adequação cultural.
Deste modo moradia deve ser encarada não apenas como paredes sustentando um teto, mas toda uma infra-estrutura que permite a quem mora ter acesso à cidade, e a condições dignas de habitação. Na legislação brasileira, há o conceito de infra-estrutura básica, este conceito está na Lei. n. 6.766, de 1979, especificadamente no art.2º, §5º, onde diz que diz que infra-estrutura básica é o conjunto de "equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais iluminação, redes de esgoto e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas".
Nelson SAULE JÚNIOR (1997) identifica a obrigação do Estado, para a efetivação progressiva do direito à moradia, a criação de meios materiais tais como: i) adoção de instrumentos financeiros, legais, administrativos para a promoção de uma política habitacional, que seja previsão orçamentária legal; ii) a constituição de um sistema nacional de habitação descentralizado, com mecanismos de participação popular e democrática; iii) revisão de legislações e instrumentos de modo a eliminar normas que acarretem algum tipo de restrição e discriminação sobre o exercício do direito à moradia e aquisição de propriedade imóvel; iv) a destinação de recursos para a promoção da política habitacional por parte do Poder Público Federal aos Municípios.
Como uma das principais manifestações internacionais tem-se a, já mencionado, Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu artigo 25 determina:

"Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle."

É da natureza humana a busca por uma moradia que satisfaça suas necessidades e de sua família. Moradia é, então, um direito inerente à própria personalidade do individuo, e indispensável para a construção da dignidade humana.
Para José Antonio da SILVA (2008, p. 382-383) o direito à moradia é formado por vertentes positiva e negativa, pois consiste no direito de não ser privado de uma habitação ou do direito de buscar uma, e do direito de obter uma habitação e obter do Poder Público infra-estrutura que torne essa habitação aos padrões de uma boa condição humana, através dos programas habitacionais de que trata o art. 23, IX, da Constituição. Deste modo o direito à moradia só pode ser alcançado na medida em que o cidadão tem possibilidade de adquirir habitação digna, não implicando a aquisição de uma habitação, aquisição de propriedade de bem imóvel.
Sérgio Iglesias Nunes de SOUZA (2008, p. 155) entende o direito à moradia como absoluto, haja vista que independente da relação jurídica entre as partes, basta que o indivíduo não esteja sob uma habitação que atenda os critérios de adequabilidade da moradia, para que exista o direito à reparação dos danos causados por essa lesão ao direito à moradia. O professor Souza ainda complementa: "Com efeito, a oponibilidade erga omnes gera uma obrigação de caráter universal, via de regra a abstenção da prática de determinado ato, em relação aos bens jurídicos, que, no caso, são bens da personalidade física e moral."
Com isso tem-se que o conteúdo do direto à moradia é tão somente os requisitos de uma habitação adequada, nos termos acima expostos, e como direito fundamental social, necessita da uma atuação estatal para a sua efetivação, com políticas públicas de caráter universal, ou seja, que busquem o desenvolvimento equilibrado de toda a sociedade sem qualquer forma de descriminação.

CONCLUSÃO
Sob a ótica quantitativa, no Brasil em 2007, apresentava um déficit de 7.984.057 (sete milhões novecentos e oitenta e quatro mil cinquenta e sete) unidades habitacionais. São Paulo apresentando o maior déficit em números absolutos com 1.517.725 (um milhão quinhentos e dezessete mil setecentos e vinte e cinco) unidades habitacionais, 19% do déficit total. No Maranhão o déficit é de 570.606 (quinhentos e setenta mil seiscentos e seis) unidades habitacionais, 7,14% do déficit habitacional total; 38,1% se considerado a população do Maranhão e suas necessidades, o maior déficit habitacional relativo do país, seguido por Amazonas e Pará, respectivamente 33,7% e 33,5%. (FUNDAÇÃO GETULHO VARGAS)
Entre os Direitos Sociais está o direito à moradia, recentemente incorporado ao rol do art. 6º da Constituição de 1988, que não se conclui simplesmente de habitação, mas sim, de toda a infra-estrutura que torne acessível a vida urbana ou rural, para sustento próprio e da família. O direito à moradia faz parte do conteúdo do mínimo existencial. A necessidade de um lar é tão antiga quanto a historia da humanidade; é uma base para existência da sociedade como ente coletivo. Por isso, como natural ao homem, é importante que se proteja e se efetive o direito à moradia a todos, sem qualquer forma de discriminação.

REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Mundo jurídico. 26 jun. 2005. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2010.
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de direito agrário. Vol. 1 ? doutrina e exercícios. 5. ed. rev., e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.
BLANC, Priscila Ferreira. Plano Diretor Urbano e Função Social da Propriedade. Curitiba: Juruá, 2004.
BONIZZATO, Luigi. Propriedade urbana privada & direitos sociais. Curitiba: Juruá, 2007.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6ª. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993.
CARDOSO, Adauto Lucio. Desigualdades urbanas e políticas habitacionais. Observatório das metrópoles. 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2009.
FUNDAÇÃO GETULHO VARGAS. Maranhão tem a maior carência em habitação. 17 fev. 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2009.
GUIA, George Alex; MORAIS, Maria de Piedade; PAULA, Rubem de. Monitorando o direito à moradia no Brasil (1992-2004). IPEA. Políticas Sociais ? acompanhamento e analise. n. 12. Brasília. fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2009.
LORENZETTI, Maria Sílvia Barros. A questão habitacional no Brasil. Câmara dos Deputados ? Estudo: Brasília, jul. 2001. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2009.
OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frete à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12ª. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. 2ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
WILLEMAN, Flávio de Araújo. O princípio da generalidade e o direito ao recebimento de serviços públicos ainda não prestados em caráter geral. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: n. 227, jan./mar. p. 111-130, 2002.

NOTAS
[1] Graduando do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco ? UNDB. 10º Período. São Luis/MA.
[2] Usucapião, hoje, previsto no art. 1.238, do Código Civil, bem como as modalidades especiais, com: Estatuto das cidades; constituição.
[3] Lei n. 601/1850, Art. 5º "Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:"
[4] Constituição de 1934, art. 113, 17 "É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar."; Constituição de 1946, art.147, "O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos".

Autor: Daniel Alves Reis Da Silva


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