Os desafios na educação inclusiva: perspectivas e avanços na Síndrome de Down
Ana Carolina Silveira Ravagnani *
Resumo: O trabalho tem por objetivo mostrar que alunos com Síndrome de Down podem ser alfabetizados, no entanto, as dificuldades na escola se devem em alguns casos ao despreparo do professor no ensino regular e em outros nas demais instâncias da instituição. A inclusão de crianças com déficit intelectual é um assunto delicado e que merece especial atenção entendendo que aprender não é tarefa fácil. Professores da escola pública estão vivendo momentos de reflexão e aprendizagem quando se trata da alfabetização para alunos com Síndrome de Down. Nesta perspectiva, tenta-se esclarecer alguns aspectos fisiológicos sobre esse acontecimento genético, desenvolver métodos de pesquisa sobre a inclusão dessas crianças no que tange às diferenças da aprendizagem e desenvolvimento intelectual dos mesmos. Busca, além do planejamento, uma didática funcional que possa ser realizada no decorrer do processo ensino-aprendizagem, em especial com a participação da família. Neste âmbito, tratam-se também sobre meios de aceitação e interação desse aluno pelos demais colegas na sala de aula. A metodologia desenvolvida pautou-se na bibliografia específica e pesquisa de campo que encontra-se em andamento. Reafirma-se que a inclusão é direito do cidadão e dever de todos.
Palavras chave: inclusão escolar; alfabetização e; Síndrome de Down.
Introdução
A educação escolar é um direito humano ao qual todos os alunos sem exceção devem ser inseridos, incluídos e respeitados como orienta a Declaração de Salamanca/Espanha (1994, Conferencia Mundial Sobre Educação Especial, UNESCO) que defende uma sociedade igualitária, independente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam apresentar.
Os deficientes devem ser vistos como seres capazes de desenvolver suas aptidões mentais e habilidades para construir sua própria independência convivendo com o outro. Nesse sentido, a inclusão, que é um processo de âmbito mundial, no Brasil caminha para a prática da transformação articulada no contexto escolar com objetivo de garantir acesso à Educação e permanência de todos na escola. Isso quer dizer que a Escola no Brasil tem a obrigação de aceitar a matrícula de todos os alunos, quer com deficiência ou não, incluindo-os no processo de ensino-aprendizagem.
Um dos grandes problemas que as pessoas com déficit intelectual no país enfrentam envolve a aceitação pelos colegas na sala de aula e, muitas vezes, pelo professor ou equipe escolar, uma vez que vivemos em um país culturalmente despreparado para conviver harmoniosamente no mesmo espaço com os diferentes.
A aceitação na sala de aula ou mesmo na escola tem sido um desafio aos alunos com déficit intelectual e em especial ao educador que, por vezes, encontra sérias dificuldades para desenvolver uma didática compatível com o raciocínio deste alunado.
Para atender a essa clientela, em primeiro lugar o professor deve entender as manifestações clínicas da deficiência mental, destaque aqui dado à Síndrome de Down, que é um acontecimento genético.
Trata-se de uma anomalia congênita que ocorre durante a fecundação e caracteriza-se por apresentar um cromossomo a mais durante a formação das células. É um acidente genético que não tem reversão ou cura. Por exemplo, um individuo normal tem 23 pares de cromossomos. No Down o par denominado 21 tem o surgimento de mais um cromossomo, caracterizando a trissomia, levando a particularidades físicas e mentais próprias como, por exemplo, uma face típica, hipotonia ou flacidez muscular, desenvolvimento físico e mental lento, desenvolvimento da linguagem bastante atrasado, boca, mãos e pés pequenos, língua protusa e outros (SCHWARTZMAN, 2003, p.16).
A anomalia foi observada por John Langdon Down, médico britânico que descreveu a síndrome em 1866. Ele observou que algumas crianças, mesmo filhas de pais europeus, tinham características físicas similares ao povo da Mongólia. Anos mais tarde, em 1958, o francês Jerome Lejeune seguindo os estudos por meio de microscopia descobriu que as pessoas descritas pelo Dr. John Langdon Down tinham uma síndrome genética. (SCHWARTZMAN, 2003, p.7-15).
Foi a partir de tais estudos que descobriu-se que a anomalia é congênita podendo ser detectada mediante exame de cariograma, ou seja, o cariótipo da Síndrome de Down, que pode ser de três tipos diferentes entre elas: a trissomia simples, a trissomia por translocação e o mosaicismo.
Ocorre também que pode ser detectada durante o pré-natal por meio dos exames de amniocentese, analisando células recolhidas do líquido amniótico, biópsia do vilo-corial que permite avaliar os tecidos que constituem a placenta, e cordocentese um tipo de ultrassonografia e punção do cordão umbilical onde se obtém uma amostra do sangue do feto para possibilitar o estudo genético ou, ainda, no momento do nascimento pelas características físicas.
Esta anomalia cromossômica enseja uma característica prevalente determinada pela dificuldade de aprendizagem bem como ao estado de saúde delicado desses indivíduos tornando-os suscetíveis a algumas patologias, dentre elas respiratórias, cardíacas, gastro-intestinais, metabólicas, oculares, auditivas, ortopédicas, imunológicas, entretanto, não quer dizer que tais dificuldades sejam inerentes à condição do aprendizado; tais indivíduos têm capacidade de aprender, todavia, com uma habilidade cognitiva abaixo da média.
Para despertar o desenvolvimento intelectual dessas crianças, a estimulação deve ser feita o mais precocemente possível por uma equipe especializada para dar um suporte ao bebê no processo de crescimento e desenvolvimento, principalmente com a participação dos pais, aumentando o vínculo com a família e com o meio social. Proporcionando à criança condições para desenvolver suas aptidões desde o nascimento pelos sons, gestos, cores, e formas.
O contato com a família é fundamento imprescindível ao desenvolvimento desse filho, devendo receber orientações das equipes já que trata-se de atividades específicas, levando em consideração a estimativa de nascimentos que "para uns dependeria de fatores genéticos, enquanto para outros dependeria de fatores ambientais, tais como a qualidade do meio e ambiente familiar, a classe social e o nível de instrução dos pais". (NUNES, 2008). Daí a importância do papel da equipe multidisciplinar com relação às orientações familiares.
Assim, o professor deve estar preparado para, primeiramente, receber a criança e, subsequentemente, auxiliá-la em sua socialização, incluindo no processo de aprendizagem "particularidades do desenvolvimento e do comportamento a atividades de estimulação motora, cognitiva, sensorial, da linguagem, da socialização, da autonomia e do comportamento adaptativo". (NUNES, 2008).
Para complementar o assunto sobre a questão familiar, fica evidente a importância da orientação dos pais aos profissionais que devem ser aliados dos professores, uma vez que muitos encontram-se despreparados para o desempenho das atividades educativas por não entenderem as questões da cronologia genética e das adaptações curriculares que se exigem em tais ocasiões.
Desenvolvimento
A escola é o local que recebe entre outros alunos, aqueles com Síndrome de Down, mostrando que pode não só socializar, como também, alfabetizar, lembrando a todos os profissionais de Educação que esta é tratada como valor universal e as dificuldades devem ser trabalhadas de acordo com as respostas manifestadas à aprendizagem.
Segundo GLAT,
A Educação Inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem. (GLAT, 2007, P. 16).
A metodologia aplicada à educação inclusiva deve ser desafiadora, levando o aluno a participar do grupo na tentativa de interagir com o desenvolvimento das atividades percebendo que consegue realizar tais tarefas. Deste modo, todos terão oportunidades de aprender.
Nas palavras de SCHWARTZMAN,
A não-adaptação do sistema educativo às transformações sociais cria situações como a do fracasso escolar, que ocorre em todos os níveis de ensino e acarreta desajustes entre os objetivos e a finalidade da educação. Os problemas das necessidades educacionais especiais passaram a ocupar lugar de destaque a partir da Conferência de Salamanca, Espanha, em 1994. A referida Conferência foi planejada para atender a duas preocupações essenciais: garantir a todas as crianças, particularmente aquelas com necessidades especiais, acesso às oportunidades da educação e promover educação de qualidade. (Schwartzman, 2003, p. 251).
Conforme o autor referencia, o sistema de educação passa no Brasil por um processo de transformação e deve acompanhar as mudanças sociais da evolução humana, além de produzir uma didática voltada à realidade do aluno por competências que possam somar essas diferenças utilizando-se de recursos, métodos e técnicas ajustadas para a produção em suas reais limitações.
A educação especial é voltada a uma troca de experiência de caráter coletivo para as novas gerações na família, escola, grupos sociais e política, contribuindo, assim, com o crescimento de uma cultura baseada na prática por um processo de reflexão crítica. "Para a efetivação da proposta de inclusão escolar, e favorecer o aprendizado de alunos com necessidades especiais, é que foi desenvolvido o conceito de adaptações curriculares". (GLAT, 2007, p. 41).
O aluno deficiente não deve ser estigmatizado como incapaz, deve sim ser estimulado ao máximo pela equipe e colegas da sala de aula, usando os recursos centrados no desenvolvimento, considerando que a preparação inclusiva proporciona capacitação específica e criativa nas atividades escolares. (BASTOS, 2008).
Muitas famílias se esgotam ao terem seus filhos na escola simplesmente por ser uma obrigação legislada, ou seja, das escolas buscarem formas de garantir a inclusão porque "a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa". (CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988, p.134).
O que se entende ate o momento é que a escola inclui, mas, com relação ao processo ensino-aprendizagem, deixa a desejar quando o que se percebe é a dificuldade que os professores têm em se comunicar com esse aluno e, principalmente, desenvolver atividades com a turma.
A comunicação é base da linguagem, do dialogo e de como trabalhar um determinado tema. "Nesse sentido faz-se necessária uma escola criativa onde todos os seus membros sejam co-sujeitos na produção de um saber-instrumento para o convívio escolar e social." (JESUS, 2007, p. 152).
A política de inclusão dos alunos com déficit de aprendizagem na rede regular de ensino não consiste somente na permanência física desses na escola, mas, sim de uma metodologia voltada ao desenvolvimento do seu aprendizado, pela qual professores consideram "em que momento o aluno necessita de apoio extra para resolver suas dificuldades" (SCHUARTZMAN, 2003, p. 256). Para isso, é interessante que as escolas tenham opinião sobre a responsabilidade de criar seus próprios espaços inclusivos e que estas coloquem-se à disposição do aluno e não o aluno que se adapte a ela.
O atendimento a essas crianças deve ser direcionado para satisfazer às necessidades educacionais e sociais do aluno. Neste contexto, professores devem buscar recursos específicos que ofereçam uma pedagogia acessível para a realização do atendimento educacional especializado por meio de atividades complementares trabalhadas em seu dia-a-dia, por um profissional capacitado e em busca de resgatar dentro de suas limitações a possível capacidade de aprender.
Ocorre que segundo GLAT,
O próprio currículo de formação dos professores não prepara os futuros docentes para realizarem as adaptações curriculares de que necessitaram para poder oferecer um ensino de qualidade a todos os seus alunos. (GLAT, 2007, p. 39).
Segundo a autora, os docentes saem da faculdade sem capacitação para atender à demanda desses alunos. No entanto, o desafio da educação inclusiva é desenvolver uma prática de ensino não só aos portadores da Síndrome de Down, mas, para aqueles que também apresentam algum grau de dificuldade no que tange ao processo ensino-aprendizagem. Neste contexto, o professor deve se especializar para melhor atender neste campo.
Diante dos desafios, o currículo deve oferecer embasamento técnico, teórico e pratico e reconhecer as dificuldades de seus alunos para propor melhor qualidade de ensino, de forma que atenda a todos sem discriminação no que tange o desenvolvimento de atitudes e conceitos que fundamentam a educação para todos. "Temos que nos arriscar fazer longos passeios entre nossas idéias e pensamentos." (WERNECK, 1997, p.157).
Os três autores supracitados defendem a idéia de que a primeira tomada de decisão é enfrentar a deficiência como um desafio sem impor limites para que essa criança não se sinta rejeitada e, futuramente, tenha condições de crescer numa relação saudável consigo mesma e apta a produzir o seu saber na escola e em sociedade.
Nesse sentido, evidencia-se a família como eixo principal do desenvolvimento em todos os momentos da vida dessa criança, posto que, quando se tem um filho especial, deve-se utilizar dos mais variados métodos de estímulo desde o nascimento e planejar seu futuro na integralização social nos diversos ambientes sem medo de encarar os desafios, proporcionando-lhe subsídios para tornarem-se cidadãos de bem e o mais independentes possível.
Tais condutas irão depender da conscientização e do planejamento dentro dos contextos educacional e social, começando dentro de uma escola engajada no ensino para todos. Isso implica uma sociedade em que cada um é responsável pela qualidade de vida do outro, mesmo quando esse outro é muito diferente de nós, porque "a inclusão não exclui ninguém do infinito significado do conceito de educar" (WERNECK, 1997, p.55).
Considerações Finais
Conclui-se até o momento que a educação inclusiva deve conferir objetivos para a socialização dos alunos e colaborar no sentido de novas descobertas no aprendizado aos conteúdos escolares.
Mediante o conhecimento fisiológico da anomalia, o professor deve buscar em fontes científicas, elementos compatíveis ao desenvolvimento lógico e de todo o processo educacional dessas crianças.
Assim, a escola, em seu papel institucional de Educação, pode requerer dois fatores importantes que juntos somam a socialização e a alfabetização quanto ao desenvolvimento de métodos e técnicas para o ensino desse aluno. De modo geral, projetos de lei encaminhado às Assembléias Legislativas poderiam fortalecer e incentivar a comunidade para fazer valer a inclusão na rede de ensino por meio de parcerias com o sistema de governo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BASTOS A. P. B. Processo de Inclusão dos Portadores de Trissomia 21, 2008 (disponível em www.malhatlantica.pt).
2. CONSTITUICAO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1984 (p. 134).
3. DELORS J. Educação. Um tesouro a descobrir, 6ª. Ed.ed. Cortez. São Paulo. 2001.
4. FILHO E. A. O. Síndrome de Down, 2001. (disponível em http://www.abcdasaude.com.br/artigo).
5. GLAT R. Educação inclusiva: Cultura e Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro, 2007.
6. MARTINS L. A. R. et. al. Inclusão: Compartilhando Saberes, 3ª. Ed.ed. Vozes. Petrópolis, 2008.
7. NUNES L. Cuidados preventivos de saúde para crianças e adolescentes portadores de Síndrome de Down. 2008. (disponível em www.malhatlatica.pt).
8. SCHWARTZMAN J. S. & col. Síndrome de Down, 2ª. Ed. São Paulo: Memmoon, 2003.
9. JESUS D. M. et. al. Inclusão Praticas Pedagógicas e Trajetórias de Pesquisa, Porto Alegre. Ed. Mediação. 2007.
10. WERNECK C. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva, Rio de Janeiro: WVA. 1997.
Autor: Ana Carolina Silveira Ravagnani
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