DIVERSIDADE: O DIFERENCIAL NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SOCIAIS



DIVERSIDADE: O DIFERENCIAL NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SOCIAIS


Há muito tempo, a linguagem era vista apenas como um sistema de códigos representativos do mundo, trazendo junto a essa concepção, a necessidade da utilização de manuais, contendo as regras e exemplos do bom uso da língua. Um olhar superficial sobre a linguagem indica que se utilizem métodos pré-estabelecidos pelos cânones da gramática normativa, expostos fragmentariamente nos materiais didáticos, visando estabelecer uma homogeneidade e invariabilidade à capacidade humana de se comunicar. Esta, de fato, constitui exatamente as características contrárias da linguagem. Estudos realizados após Saussure demonstram a heterogeneidade e o caráter mutável das línguas.
Como foi exposto anteriormente, é comum a utilização de regras e métodos pré-estabelecidos "a priori", substituindo a descrição e análise lingüística.
Relativo às práticas tidas como privilegiadas por educadores que adotam os métodos tradicionais, é possível a observação de um ensino de leitura e produção textual, que trabalha apenas a superfície dos textos, o qual vem considerar apenas um conjunto de representações estáticas do mundo real, concepção esta, insuficiente para denominar todas as possibilidades que a língua oferece.
Ao alcançarem o Ensino Médio, os educandos se deparam, além dessa concepção, com outra proposta superficial, a de serem preparados para os vestibulares e concursos.
Além deste fato, a gramática e as práticas de redação são aplicadas de forma fragmentada e apertadas, como se fossem disciplinas completamente distintas entre si, de modo a levantar a hipótese distorcida, de que o ensino de gramática, literatura e escrita estão desprovidos de qualquer tipo de dialogismo, tornando-os conhecimentos estanques de uma metodologia.
Embora isto ainda seja uma constante, diversos pesquisadores vêm propondo métodos considerados alternativos, para se trabalhar a linguagem, unindo suas vertentes em algo único. Segundo Geraldi (2002, p. 76), a metodologia é proposta a partir de três grandes eixos teóricos que são a concepção da linguagem como interação, as variedades lingüísticas e as teorias do texto/discurso. Isso é trabalhado através de três práticas articuladas:



Ao criar tais propostas, Geraldi ressalta a não utilização como um novo rótulo para velhas concepções, mas sim, que sejam trabalhadas ao passo de tornar o ensino do Português, centrado no texto e nos usos da língua cotidiana.


"Centrar o ensino no texto é ocupar-se e preocupar-se com o uso da língua. Trata-se de pensar a relação de ensino como o lugar de práticas de linguagem e a partir delas, com a capacidade de compreendê-las como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades de uso exitoso da língua" (GERALDI, 2002, p. 77).


O autor ainda propõe que o educador se utilize dessa metodologia, em busca de uma prática sóciointeracionista, ou seja, que ultrapasse o plano teórico, para que se observem as relações e os fenômenos lingüísticos que ocorrem em sala de aula.
A língua falada se apresenta muito antes da escrita e que, de modo geral, as atividades humanas são realizadas em grande parte por meio da linguagem, atributo que, aliás, nos faz diferentes dos macacos e de outros seres vivos. A utilização da linguagem está, sobretudo, interligada ao contexto social de que fazemos parte. Esse contexto é sempre passível a mudanças, que são realizadas por meio do desejo e da necessidade, inerentes ao ser humano.
Retomando as questões educacionais, o aluno está inserido em um contexto em especial, o escolar, que por muitas vezes subjuga sua capacidade representar o mundo, sendo que este pode vir a se sentir desencorajado a realizar suas atividades, julgando-se incapaz, por não ter sua fala e sua escrita adequadas à tão "perfeita" e remota norma padrão. Além desse fato, correlacionar o aluno, em detrimento do meio social em que ele vive, pode ser considerado um erro fatídico, pois desintegra sua perspectiva de desenvolvimento intelectual, não somente do cidadão excluído, mas do ser humano de forma geral. É nesse sentido que as teorias educacionais extrapolam os limites das práticas pedagógicas, vinculando as variações presentes na fala, o que constatamos até aqui, ser algo natural, com um estigma muito mais profundo, que atinge o desenvolvimento desses indivíduos dentro do grupo em que está inserido.
O papel primordial do professor de linguagem é auxiliar os alunos a desenvolverem sua competência comunicativa, como sendo algo integrante aos ramos de sua vida. Realizar atividades em que a capacidade do aluno seja testada de forma construtiva, por meio de questionamentos diretos, debate em que estes coloquem suas opiniões constitui uma prática importante, do ponto de vista de valorizar, tanto situações individuais, como em conjunto, aumentando a autoconfiança dos indivíduos em se pronunciar ao professor e aos colegas.
Este exemplo de prática demonstra que a utilização adequada de dinâmicas entre alunos e professor, torna possível um ambiente criador de uma nova realidade em termos de linguagem, modificando assim as relações sociais, desvinculando o preconceito lingüístico das práticas pedagógicas.
Quando o educador encontra-se no papel de mediador desse tipo de didática, percebe que esta não é uma tarefa das mais simples, passando à fase de se conhecer o grupo e as práticas anteriormente aplicadas, para que se saiba o que e como fazer essa ponte entre os conteúdos escolares valendo-se dos métodos da análise lingüística.
Estabelecer por meio da linguagem em sala de aula, o ambiente que se deseja, constitui o primeiro fundamento para assimilar outros tipos de relações, embasadas não somente em teorias, como também em estudos empíricos, inclusive de cunho comportamental, relacionado às atividades sociais que estes jovens cidadãos participaram e participarão no decorrer de suas vidas. Isso demonstra a existência de uma cumplicidade entre a atividade e a situação em que se concretizam as ações de cunho social.


Um domínio social é um espaço físico onde as pessoas interagem assumindo certos papéis sociais. Os papeis sociais são um conjunto de obrigações e de direitos definidos por normas socioculturais. O s papéis sociais são construídos no próprio processo da interação humana. Quando usamos a linguagem para nos comunicar, também estamos construindo e reforçando os papeis sociais próprios de cada domínio. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 23)


É pertinente trabalhar esses aspectos no âmbito escolar, embora deva se considerar que quando a linguagem do cotidiano é engastada a esse ambiente, esta perde parte de seu caráter, pois pode tornar-se um objeto do conteúdo. De qualquer forma, se o objetivo é demonstrar os diversos gêneros, estes não perderão sua importância.
Essa necessidade de inclusão de fontes originadas em outros meios que não a escola, se deve em grande parte à globalização que liga os saberes adquiridos nas instituições aos de outras esferas do cotidiano, criando assim a possibilidade de os alunos vivenciarem não somente o caráter intelectual, como também de âmbito social, em que se demonstrem outros interesses no desenvolvimento de diversos projetos que envolvam linguagens diferenciadas, promovendo assim ao desenvolvimento paralelo de suas habilidades.
Nota-se em diversos artigos, como nos de Kleiman (2006), que o interesse dos alunos por práticas extracurriculares é mútuo. Gêneros, considerados pouco privilegiados pela escola tradicionalista, como as atividades que valorizam a oralidade, podem desenvolver nos jovens a responsabilidade pelo próprio aprendizado e por seu papel na sociedade. Tais práticas exigem do indivíduo a utilização de seu potencial para lidar com as mais diversas situações, em que se deve interagir com outros membros da comunidade que se caracteriza em especial por sua heterogeneidade na linguagem, e conseqüentemente desenvolve a o respeito pelas diferenças.
Outros gêneros não devem ser excluídos dos programas didáticos, pois nestes estão contidas informações de outra espécie, mas que em sua maioria fica estagnada ao ambiente institucional. Estes gêneros são considerados abstratos, enquanto outros constituem as práticas inseridas na vida do indivíduo.


A questão que se coloca, voltando ao início das nossas considerações, é até que ponto a separação estanque entre ensino de língua e ensino de literatura é necessária à separação didática das disciplinas. Ou até que ponto ela é fruto de uma concepção estreita tanto da língua quanto da literatura que permite domesticá-las em conteúdos inofensivos à adequação do jovem à sociedade burguesa pela escola burguesa. Até que ponto integrar dinamicamente língua e literatura na escola põe em questão essa concepção, desvendando as possibilidades formadoras de um trabalho com a linguagem que abra novas alternativas para a escola e para a sociedade? (CHIAPPINI apud GERALDI, 2006, p. 24).


O estabelecimento da relação entre o abstrato e o concreto em diversos tipos de projetos educacionais, pode vir a facilitar a inclusão dos primeiros de forma natural, nos saberes dos alunos, pois coloca dois tipos de experiências em um só contexto, valorizando o que é do conhecimento do aluno e inserindo aquilo que a escola pretende ensinar, como sendo parte integrante do seu dia-a-dia.
Relativo ao valor social dessas propostas pode-se afirmar que elas permitem o desenvolvimento do jovem em detrimento da competitividade saudável que surge nesses processos. Certos tipos de confrontos, como em debates, servem para formar o senso crítico do jovem, até a contestação das diretrizes institucionais, que envolvem os interesses de todos.
Como se pode notar, levantando apenas alguns pontos, são inúmeras as possibilidades de projetos pedagógicos, que visam melhorar as aquisições no âmbito individual, assim como o coletivo. Ainda que isso pareça algo evidente, a maioria das instituições educacionais não valoriza consideravelmente tais medidas, dando ênfase aos métodos dedutivos de ensino.
O real objetivo desse estudo e suas inferências não é, de forma alguma, julgar obsoletas as formas analíticas de ensino, mas sim, englobar a estas, outras metodologias e uma forma mais empírica e descritiva de se contemplar a linguagem, como sendo algo comum ao cotidiano dos alunos, oferecendo o maior número de recursos lingüísticos em relação ao ensino de língua materna, desenvolvendo a criticidade quanto ao melhor uso desta.
Em se tratando de gêneros cotidianamente conhecidos, como são os casos da canção, os causos populares, as noticias etc., quando ligados a uma forma de ensino mais dinâmica, é possível ampliar os objetivos da educação escolar, de modo a atingir estratégias ligadas ao âmbito social das comunidades, o que pode vir a atingir, não apenas os jovens, mas também os demais indivíduos.
O ensino de interpretação textual, realizada através de dinâmicas de grupo, desenvolve a capacidade assim como a possibilidade de boas leituras, tanto literárias, quanto dos signos que constituem o mundo ao seu redor, assim, a semioticidade funciona em detrimento da desalienação dos indivíduos.


A leitura, por sua vez, é entendida como um processo de interlocução entre leitor/texto/autor. O aluno não é passivo, mas o agente que busca significações. E nesse processo de leitura, de interlocução do aluno-leitor com o texto /autor, a posição do professor não é a do mediador do processo que dá ao aluno sua leitura do texto. Tampouco, é a da testemunha, que, alheia ao processo, apenas o professor passa a testemunhar, isso se deve ao fato de que, como as condições materiais (por exemplo, o acesso a livros) para que o processo se desencadeasse. Julgamos que o professor, no processo da leitura de seu aluno, deve ser um interlocutor presente, que responde-pergunta sobre questões levantadas pelo processo que se executa. (FONSECA; GERALDI apud GERALDI, 2006, p. 107).


É inegável o fato de que os jovens nascem e crescem em meio a um mundo globalizado e interativo, portanto sua leitura e interpretação não devem ficar estagnadas ao ambiente da sala de aula, sendo importante para sua formação, de forma geral, ultrapassar a margem que lhes é colocada nas escolas. Romper com esses limites representa o desenvolvimento para conhecer e utilizar os diversos recursos da linguagem, como as metáforas, a intertextualidade, a estruturação textual, a argumentação, a crítica etc. Todos esses fenômenos constituem saberes indispensáveis ao desenvolvimento das competências objetivadas para o ensino de todas as disciplinas.
De todo modo, há a necessidade de contextualização do ensino em práticas que representem o diferencial na vida sociocultural do aluno, que é antes de tudo um cidadão.


REFERÊNCIAS


ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. 4 ed. Campinas: Pontes, 2007.


BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa:tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2001.


______. Norma oculta, língua e poder na sociedade brasileira. 4 ed. São Paulo: Parábola, 2003.


______. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 49 ed. São Paulo: Loyola, 2007.


BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1995.


BARTHES, R. O prazer texto. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.


BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de janeiro: Lucerna, 2001.


BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. 4 ed. São Paulo: Parábola, 2004.


BOURDIEU, P. O poder simbólico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.


BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasilia: MEC/SEF, 1998.106.


BUNZEN, C.; MENDONÇA, M.; KLEIMAN, A. B.; MELO, A. T. V. de. Português no ensino médio e formação do professor. 2 ed. São Paulo: Parábola, 2006.


CASTILHO, A. T.; GNERRE, M.; CAMACHO, R. H. Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa para o 2º grau: variação lingüística e ensino da língua materna. São Paulo: Secretaria da Educação, SE/ CENP/ UNICAMP, 1978.


CASTILHO, A. T. A língua falada no ensino de português. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 28. ed. São Paulo: Nacional, 1985.


CIPRO NETO, P. Inculta & bela. 3. ed. São Paulo: Publifolha, 2000.


CHIAPPINI, L.; GERALDI, J. W.; CITELLI, B. Aprender e ensinar com textos dos alunos. São Paulo: Cortez, 2002.


CUESTA, P. V.; LUZ, M. A. M. Gramática da língua Portuguesa. 70. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1971.


CUNHA, C. F. Gramática da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Fename, 1972.


______. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira S. A., 1985.


CUNHA, C. CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.


DUCROT, O. Estruturalismo e lingüística. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1968.


DURKHEIM, E. Educação e sociologia. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1967.


FERREIRA, M. Aprender e praticar gramática. São Paulo: Renovada, 2003.


FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. 8. ed. São Paulo: Ática, 2005.


FREIRE, P. Conscientização, teoría e prática da libertação: uma introdução ao pensamento
de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2001.


______. Educação e mudança. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.


GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. 4. ed. São Paul: Ática, 2006.


KLEIMAN, A. B. Significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a pratica social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2004.


LIONS, J. Introdução à lingüística teórica. Trad. R. V. Mattos & H. Pimentel. São Paulo, Cia. Editora Nacional/EDUSP, 1979, p. 146-147.


LOPES, L. P. da M.; RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.


NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.


PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001.


POSSENTI, S. Porque (não)ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2007.


PRETI, D. Sociolingüística: os níveis de fala, um estudo sociolingüístico do diálogo na literatura brasileira. 9. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.


SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.


SILVEIRA BUENO, F. Gramática normativa da língua portuguesa: curso superior. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1963.


TODOROV, S.; BREMOND, C.; FRIEDMANN, G.; BOONS, J. P.; DUBOIS, J.; BARTHES, R.; VASSALLO, L. M. P. Semiologia e lingüística. Petrópolis: Vozes, 1971.


VIGOTSKI, L. S.; CIPOLLA NETO, J. (trad.) Formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.


VOGT, C. A.; HEAD, B. F.; CAMACHO, R. G.; CASTILHO, A. T.; GNERRE, M.; LEMOS, C. T. G.; MARTINEZ, R. H. B.; VIEIRA, Y. F. Subsídios as proposta curricular de língua portuguesa para o 1º e 2º graus. São Paulo: Secretaria da Educação, SE/ CENP, 1988.




Autor: Alda Fernanda Correa Leite


Artigos Relacionados


Os Modelos Tradicionais De Ensino E A SociolinguÍstica

Ensino Da Lingua Padrão E As Novas Concepções No Processo Do Ensino-aprendizagem

Ensino Da GramÁtica E Os Pcn´s

Trabalhando A Oralidade Na Sala De Aula

Língua E Ensino: Políticas De Fechamento

Ensino Da Língua Mãe

“mas O Que é Mesmo O Ensino Da Língua Portuguesa No Ensino Fundamental.”