Democratização do processo legislativo: qual a contribuição da academia?



Em que pese serem perceptíveis os esforços de abertura do processo de construção legislativa à participação popular, seja através de instrumentos constitucionais como a Iniciativa Popular, o Referendo e o Plebiscito ou através do apoio a iniciativas de democratização no Congresso Nacional como a criação da comissão de legislação participativa da Câmara dos deputados, considerável a crise democrática havida no poder legislativo, em face da ausência de participação popular na construção das leis e do próprio Poder legislativo, em detrimento do que chamou HABERMAS de auditório único na formação da vontade ante a tensão entre faticidade e validade da norma construída pelo processo legislativo.

Considerando que o processo legislativo é corolário do Estado Democrático de Direito, é fundamental perceber que não basta a palavra democracia, é preciso que haja situação política na qual a opinião da maioria defina os rumos do governo, cujos membros são breves, assegurando-se a participação política das minorias e a possibilidade de que venham a se tornar maiorias. São condições mínimas para se reconhecer a existência de democracia, independentemente de manobras com as palavras. Neste sentido, EMERSON LUIZ LAURENTI e PABLO BONILHA CHAVES , corroboram dizendo que
o segundo desafio reside nos chamados novos direitos, que são "entendidos como direitos que visam garantir a diversidade cultural e étnica interna". Através desses novos direitos, grupos que, até então, ou sofriam com a arbitrária tentativa de homogeneização ou tinham denegadas as suas cidadanias, situações fulminadas pela Constituição Federal de 1.988, no que tange ao Brasil, passam a afirmar a sua diversidade e, justamente através de tal processo, (re)conquistar seus espaços na sociedade. Dessa maneira, a isonomia, que muitas vezes se posicionava como que alheia às múltiplas facetas da população brasileira, torna-se mais efetiva, principalmente, por passar a ser vista através do prisma da dignidade do homem, respeitando a identidade de cada um e de cada grupo.

Assim é que Habermas em Direito e Democracia propõe que o processo legislativo deve ser visto como meio de integração social, pelo fato de que é dado espaço a todos os cidadãos ? mulheres, negros, minorias raciais, trabalhadores ? para que, através dos direitos de comunicação e participação política possam discutir na esfera pública seus problemas e necessidades.
Disto decorrer a abertura da Constituição no sentido de imprimir "espaço público" nas discussões políticas, não no sentido de uma Constituição Burguesa individualista, conforme aludida por CARL SCHMITT .
É necessário, portanto, reconhecer o cenário atual e reconhecer que somente através de um processo legislativo eficaz é que a Constituição Federal também terá eficácia material , para entender a importância da contribuição acadêmica, principalmente das academias que lecionam ciências jurídicas, na democratização do processo legislativo.

É sabido que "Ainda mais maléfico do que um Estado sem constituição escrita, seria a presença desta em desacordo com a sociedade, em desatino com os anseios sociais e em confronto com os fatores reais de poder.".

E é neste ponto que as academias podem e devem exercer a sua contribuição, pois são os professores e acadêmicos que tem a disponibilidade de estar nas ruas para, através de palestras e discussões públicas, meios eletrônicos e videoconferências, identificar os reais problemas e anseios sociais e, uma vez que conhecem os instrumentos e mecanismos necessários para que se tornem lei, fornecerem os elementos necessários à formação legítima de um processo legislativo através de um auditório único.

Por essa razão "o processo legislativo democrático precisa confrontar seus participantes com as expectativas normativas das orientações do bem da comunidade, porque ele próprio tem que extrair sua força legitimadora do processo de um entendimento dos cidadãos sobre sua regra de convivência. Para preencher a sua função de estabilização das expectativas nas sociedades modernas, o direito precisa conservar um nexo interno com a força socialmente integradora do agir comunicativo" . Percebe ? se, então, que a política deliberativa entre os sujeitos de direito é necessária, e para tanto, é essencial o desenvolvimento de métodos e condições de debate e discussão.

Além disso, uma contribuição fundamental que pode ser buscada pelas academias é o investimento pesado em projetos de pesquisa nas áreas de direito ambiental, segurança pública e formas alternativas de resolução de conflitos - que a nosso sentir, são os problemas mais gritantes e que precisam de soluções mais urgentes da atualidade ? buscando propiciar um processo de transformação social e não simplesmente a realização de trabalhos científicos descontextualizados e "neutros"; é necessário que se pretenda pensar e agir interdisciplinarmente através da realização de palestras nas comunidades, nas escolas, nos conselhos de segurança pública, através da produção e distribuição de materiais educativos e da publicação dos projetos em revistas de grande circulação.

É importante também que haja uma parceria consolidada entre o Poder legislativo e as entidades acadêmicas para desenvolver conjuntamente estudos quanto a possibilidade de integração e cooperação técnica para análise e proposição de sugestões tanto nas áreas acima apontadas como em outras que são de suma importância para que ocorra a efetivação dos direitos fundamentais, por exemplo, saúde pública, educação básica, lazer.

Com a institucionalização das relações com entidades representativas da sociedade (o que, aliás, é estipulado pela Constituição Federal em seu artigo 204 e artigo 29, XII) é evidente que irá aumentar a participação da população, além de qualificar os debates propiciando informações aos deputados para que as decisões sejam mais acertadas, pois "a participação simétrica de todos os membros exige que os discursos conduzidos representativamente sejam porosos e sensíveis aos estímulos, temas e contribuições, informações e argumentos fornecidos por uma esfera pública pluralista, próxima à base, estruturada discursivamente, portanto, diluída pelo poder"
Para Márcia Azevedo "compete ao cidadão a capacidade de pensar, ter idéias e de participar do processo legislativo e do processo de elaboração das leis, capacidade não delegada aos seus representantes, se não sua representação política" . É, portanto, através da contribuição acadêmica que o Legislativo poderá captar e expressar as idéias, os anseios, sonhos e preocupações da sociedade, pois, sem a participação popular, democracia é quimera, é utopia, é ilusão, é retórica, é promessa sem raiz na história, sem sentido na doutrina e sem conteúdo nas leis.





Autor: Raisa Soares Leal


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