Competência linguística e o saber a favor do desenvolvimento humano



Competência linguística e o saber a favor do desenvolvimento humano
frente a estratificação social. *



Stella Maris Campos Macedo de Sousa**

Resumo
O trabalho desenvolve uma reflexão sobre a educação no desenvolvimento e no processo de formação humana frente a uma realidade de desigualdade social.
O valor da dimensão ética, política e cultural da educação e deste modo a dar efetivamente a cada um, meios de compreender o outro na sua especificidade e de compreender o mundo em sua estratificação social para uma certa unidade. Esse caminhar rumo ao desenvolvimento humano na vida pessoal e social, num processo formativo de uma sociedade educativa; oferece a oportunidade de progredir, partilhar e distribuir o saber na sociedade. E o saber, como princípio da interação dialógica e domínio linguístico; direciona o conhecimento linguístico e o "uso" da língua como essenciais na compreensão do mundo e aquisição do conhecimento; a serviço da formação humana integral. A importância do contexto/social e do contexto/dialógico na relação interacional que a língua se propõe, a linguagem suporte da educação e a formação humana a favor da retração das diferenças frente a uma estratificação social.

Palavras- chave
Formação humana, desigualdade social, interação, conhecimento lingüístico.

_______________________________
* Trabalho avaliativo do módulo Educação e Desenvolvimento Humano Ministrado pela profª. Dra. Márcia Karina Silva, do programa de mestrado em Ciências da Educação; da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias /Faculdade de Teologia Integrada.
** Graduada em Letras Português/ Literatura pela Universidade Federal do Amazonas. Especialista em língua portuguesa pela Universidade Federal de Rondônia. Professora de graduação e ensino médio.




Abstract




The paper develops a reflection on education in development and process of human growth against a reality of social inequality.
The value of ethical, political and cultural education and thus effectively giving each one means of understanding the other in their specificity and to understand the world in its social stratification for a given unit. This path toward human development in personal and social life, a formative process of an educational society, offers the opportunity to progress, share and distribute knowledge in society. And the knowledge, the principle of dialogical interaction and linguistic domain, directs the linguistic knowledge and the "use" of language as essential to understanding the world and acquiring knowledge, the service of integral human development. The importance of context / social context / dialogic interaction in relation to the language proposed the language support of education and human development for the retraction of the differences in the face of social stratification.





Keywords


Process of human development, social inequalit, interaction, linguistic domain




1 . Movimento histórico e a importância da educação para o desenvolvimento humano.

A educação no desenvolvimento humano e no processo da formação humana frente à estratificação social é uma tarefa extremamente difícil, por ser um processo pragmático e de interação. O desenvolvimento humano é marcado pelas diversidades culturais e sociais, neste cenário o processo educacional não deve prolongar as diferenças sociais, e sim abranger as necessidades do indivíduo no âmbito social, no processo da formação humana.
Numa viagem histórica na evolução do desenvolvimento humano na civilização e na formação de um indivíduo social, a tradição filosófica delineia o retrato que perpassa a antiguidade, o período moderno e contemporâneo o que reflete uma visão histórica da filosofia, importante para compreensão do processo educacional e da formação humana.
Na antiguidade grega prevaleceu à ética como matriz paradigmática da formação humana. Como finalidade essencial da educação a dimensão social da virtude e o princípio da ética social que sustentava a vida digna da comunidade.

Platão (1979,p.205) entende que:


Platão via a educação como a necessária formação do espírito. Ao ensino, cabia o conhecimento em geral, mas a educação visava uma boa conduta de vida e virtude. A grande questão era como formar os homens de bem e levá-los ao conhecimento do bem assim como à sua prática. Em pauta, pois, como lembra no Banquete, "... a transcendência soberana do espírito".


Aristóteles(1973) em sua célebre afirmação que "o homem é, por natureza, um animal político", quis dizer que o indivíduo não basta a si mesmo; ele entende que a formação ética do mesmo é o único caminho para a virtude, mas que as estruturas políticas devem fornecer condições a educação da pessoa na sociedade; e na contemporaneidade cristaliza a construção de um sujeito integral, ético e político, numa perspectiva articulada do sujeito social e histórico ao homem inacabado.
Na modernidade levanta-se a bandeira que todo ser humano deve ser igual, livre e fraterno. O antropocentrismo na educação coloca o homem no centro e a partir dele todo estudo se fundamenta; é a emancipação obrigatória que passa pela educação. A educação não conseguiu sua efetivação no processo de desenvolvimento humana fomentada pela igualdade, liberdade e fraternidade.
Na pós-modernidade momento marcado por "slogans" que invadem a sociedade divulgando a necessidade pulsante de uma educação que alcance a todos, tornou-se um clichê na luta por novos paradigmas para uma educação como processo de libertação concomitante com a formação humana numa visão holística e social do ser humano, tanto a ética quanto a política passam a ser questionadas. Em função deste questionamento a busca do conhecimento por uma democratização do saber, o conhecimento como função social passa a ser o início e o fim por uma formação integral.
Vislumbrado por todos "o conhecimento", passa a ser uma busca incessante da humanidade; incultado por muitas políticas públicas. Como fonte de poder ele ultrapassa "o poder" objetivado neste incentivo, e o conhecimento passa por uma transformação ideológica como fonte de escolha do ser humano. O conhecimento liberta o indivíduo da escolha dos outros, passa a ser a mola propulsora da formação humana.
Carl Rogers (1978) afirma que o conhecimento só através da experiência de forma empírica é capaz de encontrar significados, quanto mais abertura a experiências mais eficaz o conhecimento.
Buscar um saber pragmático capaz de formar sujeitos livres e amordaçar formações que deformam a individualidade e enaltecem um coletivo descontextualizado e autoritário. Neste cenário a família possui um papel fundamental no sucesso do processo ensino aprendizagem, numa sociedade marcada por contradições a relação entre educação e desenvolvimento são prioridades na influência da construção da vida. Fomentar o tripé escola/família/educando a esse processo e com a valorização, incorporação das políticas públicas e a potencialização da interação entre as relações de forma epistemológicas.
Rosseau (1978) defende a revitalização na importância da afetividade na vida moral, a importância do instinto que gera compreensão do comportamento humano. E acrescenta que o homem só pode ser bom numa sociedade racional e a finalidade da educação é a reconstrução do homem. Ele não despreza o social mais dá importância ao individual, o homem deve ser educado naturalmente para depois ser socialmente. A grande incoerência da abordagem de Rosseau é que a criança já nasce inserida num contexto social e o cultural exerce um condicionamento ao natural, ou melhor sofistica o natural. Assim o " instinto divino da consciência" que Rousseau se refere, é uma fonte da moral do indivíduo que contrapõe com as exigências da vida em sociedade.
Na dimensão ética, política e cultural a educação como reprodutora da práxis solitária de cada uma dessas dimensões e ao mesmo tempo construtora do coletivo visto as necessidades individuais do ser humano ético, inserido na sociedade e integrado culturalmente na busca da autonomia. A educação ética, política e cultural responsável pela formação integral do indivíduo capaz de dialogar, integrar e compreender o mundo em meio às desigualdades sociais. O saber cultural põe fim ao processo de construção do homem estereotipado e faz nascer o homem inacabado em construção, potencializando sua necessidade de inserção ao mundo em construção e a uma educação transformadora que encontre o equilíbrio do saber.

2. Uma sociedade em transformação marcada pela estratificação social frente à necessidade de uma educação formadora de seres humanos.


Numa sociedade dividida em grupos de indivíduos marcados pelas diferenças e desigualdades, a estratificação social frente à necessidade de uma educação geradora de indivíduos livres e formadores de opinião, longe dos moldes autoritários impostos por políticas públicas e ações pedagógicas reprodutoras dos interesses dos grupos dominantes. A importância social da educação é levar o ser humano a liberdade cultural e social.
Segundo Boudieu e Passeron (1975) toda ação pedagógica produz uma autoridade pedagógica, operação pela qual concretiza a sua verdade objetiva de exercício de violência que inculta arbítrios culturais.
Esses dois autores enfatizam os processos escolares pelas características da produção econômica capitalista, o papel da escola consiste em transmitir a ideologia dominante o que diferencia fundamentalmente do processo de reprodução cultural e social, este não inculta valores e modos de pensar das classes dominantes; o que salienta ainda mais a desigualdade social. Esta verticalização autoritária mascara a educação, deforma o ser humano em sua individualidade e forma conhecimento universal e descontextualizado incapaz de produzir indivíduos autônomos. Entretanto de forma paradoxal o conhecimento liberta o ser humano e o autoritarismo vertical castra e incapacita a realização da interação dialógica necessária para a inserção do mesmo na sociedade. A concretização da autonomia perpassa pela interação dialógica do indivíduo com a sociedade e o saber em busca do sujeito integral, não existe possibilidade de dissociar a interação dialógica da formação humana.
O processo de reprodução cultural e social distanciado da intransigência de dominação por grupos dominantes e colocar o saber a serviço do outro. Apresenta assim uma nova necessidade educacional, a de formadora de seres humanos capazes de pensar, decidir e refletir. De forma empírica e pragmática a educação vai delineando traços firmes que conduzem a uma desestruturação do processo educacional tradicional e a uma integração do indivíduo à vida social, cultural e familiar. A educação deve superar a racionalidade fragmentada e racionalismo interacional partindo do pressuposto que o ser humano é mutável e inserido num contexto social, assim na busca da formação humana deve-se pensar numa interação social.Conservar o potencial inato do ser humano para a construção de uma sociedade democrática e potencializar a interação comunitária e as relações sociais. O saber ortodoxo dá lugar a um saber pragmático reflexivo frente às necessidades de uma sociedade pluralista.
A formação humana ultrapassa os limites da comunidade escolar, e encontra necessidade de concretização numa sociedade de valores corrompidos, que mantém a educação como status social e discriminatório que delimita parâmetros de um sujeito bem sucedido, e o saber como acabado. Pensar na formação humana, sem pensar nas inferências dela na sociedade que está inserida é um devaneio, o mesmo que despertar de um sonho e continuar sonhando. Uma sociedade marcada pela estratificação social e em constante transformação necessita de uma formação cultural interacional, capaz de dialogar com as necessidades eminentes e surreais. Surgem duas perguntas:
A sociedade é que transforma a educação? Ou é a educação que transforma a sociedade?
Perguntas que se calam, de forma extraordinária no cotidiano e numa competência linguística que perpassa pelas numerosas situações, que o indivíduo enfrenta em suas necessidades interacionais. E encontram resposta na práxis da formação humana de forma ordinária na interação social do "ser", no "uso" lingüístico ao processo comunicativo de integração. Portanto a dicotomia entre a transformação do saber e da sociedade, se distancia em suas características mais se aproximam em suas necessidades contextualizadas.


Paulo Freire(1983,p.36) entende que:

Não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio(...) Desde logo, qualquer busca implica, necessariamente, numa opção. Opção pelo ontem, que significa uma sociedade sem povo, comandada por uma "elite"superposta a seu mundo, alienada, em que o homem simples, minimizado e sem consciência desta minimização era mais "coisa"que homem mesmo. Ou opção pelo Amanhã, por uma nova sociedade, que, sendo sujeito de si mesma, tivesse no homem e no povo sujeitos da história.

2.1 O social direciona o saber e o saber a integração social do ser.

O social é o elemento que constitui a substância da essência humana e uma possível proposta de educação no contexto da contemporaneidade é a que promove a formação do próprio sujeito como sujeito integral. O processo de formação intelectual, moral e físico de um ser humano é sedimentado na educação, pois neste sentido o desenvolvimento e o progresso andam atrelados ao saber. A educação é um processo de vida e deve compreender o conhecimento e as capacidades de aprendizagem características primordiais para formação do ser humano e sua integração na sociedade, por isso a importância de compreender melhor a estratificação social; e quais as necessidades dos indivíduos inseridos nesta sociedade. Só assim novos paradigmas podem ser traçados, de forma que produza conhecimentos contextualizados e sociais capazes abrangerem as necessidades individuais do ser na sociedade.
Aprender a ser é este o tema de Edgar Faure (1972) , no relatório da Unesco, as recomendações continuam muito atuais o que exigirá de todos grande capacidade de autonomia e de discernimento, juntamente com o esforço da responsabilidade pessoal; na realização de um destino coletivo. Uma sociedade educativa baseada na aquisição, atualização e utilização dos conhecimentos como sustentáculos da educação e formação humana. O conhecimento completa com autonomia o "ser" desde que aconteça numa esfera maior e de forma extraordinária, e ao mesmo tempo concretize nas realizações do ser humano em suas relações sociais, familiares e culturais. O saber refletido na sociedade , assim concretizado nas relações dialógicas e na formação de uma educação transformadora capaz de acompanhar o homem inacabado em uma sociedade diversificada e em constante transformação. Nenhuma pessoa existe na sociedade por suas próprias determinações, e sim, ela é um reflexo da sociedade que está inserida, essa heterogeneidade se manifesta nas necessidades de conhecimento.
Neste prisma a educação na práxis antropológica, na tentativa de humanizar e integrar o indivíduo perpassa por mudanças culturais que modifica o sentido da educação desafiando os educadores. Numa sociedade marcada pela estratificação econômica, política e cultural; estratificação esta que esteve presente em todas as épocas, apenas mudou de forma, intensidade e causa. Só existe estratificação social por que ainda existe a desigualdade entre os homens, formando assim indivíduos sem forças para lutar por seus direitos. A educação com a responsabilidade de divulgar o saber, formar indivíduos integrados na sociedade e autônomos em suas decisões; a esse processo educacional deve incorporar a superação da racionalidade e da fragmentação com o resgate da autenticidade e confiança do ser.
Como diz Edgar Morin (2003) ensinar o conhecimento é conhecer o que é conhecer, travar um combate da lucidez, compreender a globalidade, a interdisciplinaridade e compreender a condição humana; tornando o ser humano autônomo em suas decisões. Para Morin, existe um problema capital, sempre ignorado, que é o da necessidade de promover o conhecimento capaz de aprender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais.
Aprender a conhecer é o passaporte para uma competência mais ampla, que ultrapassa o conhecimento acadêmico e seja capaz de preparar o indivíduo para enfrentar situações imprevisíveis, permite ordenar diferentes sequências de aprendizagem instrumento essencial na formação do ser humano. Parece-nos que é fato a construção da ciência da educação, com suficiente autonomia, a saber: de um lado, demonstração de originalidade própria; de outro, participação nas discussões comuns das disciplinas congêneres (Guadilla, 1987; Charlot, 1979;Berger, 1975).
Mantendo uma postura crítica analítica e sobressaindo uma evolução da busca do saber, apoiada numa evolução dialética capaz de produzir uma nova sociedade geradora de conhecimentos; surge uma necessidade inevitável de significativas mudanças ao processo tradicional de ensino e promovendo um novo paradigma a aquisição do conhecimento. No processo tradicional o qual o centro é o professor e os conteúdos por ele ministrados, contrapondo ao processo sugerido pela nova escola, o aluno e aprendizagem são os pontos centrais. Acrescentaria a esses processos uma fusão entre eles e a interação dialógica a que o conhecimento se propõe ao vislumbrar um processo educacional transformador.
Todavia o fenômeno de estratificação social que acompanha o processo de formação humana leva a uma reflexão do processo formal em busca de novos paradigmas que lide com ideologias de forma extrínseca que vai além da educação ao alcance do ser humano integral.

2.2 Interação dialógica e o domínio linguístico a serviço da formação humana
Para uma relação pedagógica é primordial uma relação de comunicação, segundo Bourdieu e Passeron(1975), a eficácia depende do domínio da linguagem erudita e da língua materna; um bom domínio da língua é essencial na apropriação dos conteúdos escolares e compreensão do mundo. Encontramos nesta área marcas da estratificação social pulsante, pois o domínio da língua pelas classes inferiores passa pelo entrave social e cultural que os marginaliza a falta de domínio linguístico afasta o indivíduo do domínio do "eu", reduz a autoconfiança e aumenta a dependência em relação a valores instituídos. A língua como instrumento de discriminação vista como produto acabado, sistema estável, depósito inerte e ao mesmo tempo libertação da autonomia do saber nas relações de interações sociais e pedagógicas ao reconhecer às leis sociológicas inerentes a interação dialógica do indivíduo.
Fazer alusão à autonomia do saber sem vislumbrar a significativa importância do saber lingüístico é mesmo que retirar do ser humano sua primordial característica de gerar, partilhar e expressar no convívio social; assim colocar a língua em prol da difusão do conhecimento lembrando que o indivíduo não é reduzido ao psicológico individual e sim inserido numa corrente ideológica, o indivíduo existe mais o individual é influenciado pelo social. Balizar-se por coordenadas homogêneas quando trabalhamos com seres humanos, que são naturalmente diversificados e inseridos numa sociedade diversificada seria o mesmo que consideramos os estereótipos humanos, deformados por uma sociedade autoritária e dominante que pensa no ser humano marionetes como retrato social do ser humano. Portanto parece impossível pensar numa homogeneidade capaz de formar sujeito social e que utilize a linguagem como produto de interação social, adequada as suas necessidades.
Bakhtin(1981) enfatiza o que há de comum entre a situação de enunciação de qualquer falante e a situação de enunciação dum produto literário: ambos estão condicionados ao diálogo, um diálogo que se verifica a diferentes níveis. O dialogismo permeia as relações sociais, nas quais o falante deve ultrapassar o domínio lingüístico, ao encontro da competência necessária para o "uso" da língua nas produções dos enunciados que estreitam as relações dialógicas. O indivíduo articula discursos em diferentes níveis, portanto o caminho que promove uma melhora as competências lingüísticas em todas as esferas da sociedade é o domínio e a utilização lingüística em suas interações sociais; e deve contribuir de forma significativa a essa articulação múltipla da linguagem nas necessidades cotidianas e acadêmicas do ser humano.
Numa sociedade marcada pelas desigualdades sociais, a estratificação que é fruto desta desigualdade, a origem dos estudantes, as possibilidades culturais e sociais a que eles são expostos marcam seus conhecimentos linguísticos concomitantemente suas dificuldades de assimilação e conhecimentos dos conteúdos escolares e interações dialógicas. Seria negligente fazer esta afirmação generalizada, pois sabemos que o ser humano de forma individual possui habilidades capazes de ultrapassar as barreiras que os cercam. Apesar de a língua ser um dos fatores distintivos das classes sociais num contexto formal, ou seja, a hierarquia social marcada pela língua e de certa forma originária do preconceito linguístico que envolve a sociedade; o ser humano gerativista e autônomo no saber em busca de um conhecimento lingüístico contextualizado é capaz de ultrapassar a muralha delineada pelos limites da hierarquia social. Para Orlandi, (1987) o discurso pedagógico é autoritário, sem nenhuma neutralidade: O dircurso pedagógico se dissimula como transmissor de informação sob a rubrica da cientificidade. O estabelecimento da cientificidade é observado, segundo o que pudemos verificar, em dois aspectos do discurso pedagógico: a metalinguagem e a apropriação do cientista feita pelo professor.
A língua como articulação social é capaz de aproximar e afastar o indivíduo frente as suas necessidades sociais de interação. Através da competência linguística que envolve não só o conhecimento e domínio linguístico, mas todos os processos de "uso" contextualizado da língua em suas diversas esferas sociais com o intuito de diminuir as diferenças e aproximar os falantes. Novas propostas metodológicas emergem numa superfície centrada em funções sociodiscursivas e nas produções das diferentes interações sociais. A língua a favor do diálogo e da comunicação restaurando as interações sociais adormecidas nas diversidades sociais e culturais.
Para Marcos Bagno (2001 ) afirma que o uso da língua deve ser uma atividade linguística real em prol das interações sociais. Desde 1996 circula pelo mundo, sob patrocínio da Unesco, a Declaração Universal de Direitos Linguísticos. Todo país que se pretenda genuinamente democrático tem que estabelecer uma política linguística racional e transparente, voltada para o bem de todos os cidadãos. Segundo Bagno,( 2001) o temor de que surja no Brasil uma nova língua é o temor de que junto a essa mudança ocorra também uma transformação social. Para ele, há uma inversão da realidade histórica, característica das ideologias: as gramáticas foram escritas para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações linguísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração em uma determinada época; porém passou a ser um mecanismo ideológico de poder e de controle de uma classe social dominante sobre as outras.
Numa busca incessante da democratização do saber o domínio linguístico se contrapõe as necessidades políticas e de formação humana expressa na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos. Em alguns aspectos a competência linguística acessível a todos, e a liberdade de expressão como marca social assusta a classe dominante; o que leva a um processo de democratização linguístico lento e incapaz de atingir as reais necessidades do indivíduo, o que o torna amordaçado pela ausência do vocabulário, ressalta uma estratificação linguística marca de uma sociedade desigual e retentora do saber.

Vygotsky ( 1935,p.75):
Empreender a trajetória do desenvolvimento intelectual do social para o individual, tanto da gênese da linguagem como das práticas do intelecto para as quais a linguagem é mediadora. Assim, na sua teoria do desenvolvimento, tanto da ontogênese como da filogênese, as interações sociais ganham destaque, em especial, na lei da dupla formação. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: no nível social e no nível individual.

Desfazer o dogmatismo que envolve o uso da língua materna em favor da interação social, na práxis escolar e social. Abrir as fronteiras de uma formação tradicional marcada pelo conhecimento linguístico por domínio de uma língua normativa e enquadrada aos moldes de uma formação acadêmica, restrita a poucos e enaltecida por muitos; deve ser uma alavanca na comunidade educacional que se estenda ao social fundamentando a identidade cultural na aquisição e uso da língua. O domínio linguístico não deve servir para moldar o ser humano a um modelo condizente as necessidades políticas, e sim, deve conduzi-lo a uma posição de autonomia reflexiva e pleno desenvolvimento do ser e da sociedade. Pela a linguagem é que o homem se constitui como sujeito capaz de compreender e participar ativamente da vida social.
De forma empírica a influência linguística direciona as transformações sociais e se apresenta precursora de várias teorias e políticas públicas. Uma escola em Chicago criou no passado um método interpretativo realista a partir das narrativas orais de história de vida cotidiana de pessoas comuns, adotando um realismo literário que utilizava a linguagem, as percepções, os sentimentos e os pontos dos pesquisados; o pesquisador assume uma posição empática como ambiente as pessoas e os problemas que aborda, confiante de que a descrição dos problemas identificados é, também, o meio tanto de revelação quanto de solução desses problemas sociais. Novas teorias surgiram oriundas dessa escola como o interacionismo simbólico ( Blumer,1969), às teorias da construção da realidade social ( Berger e Luckmann, 1967) entre outras. A constatação da prática linguística como base nas construções teóricas que sustentam a pesquisa científica educacional.
Na práxis, a interação e a comunicação dialógica são canais de formação, numa sociedade em transformação continua. A língua viva acompanha está transformação, e ao mesmo tempo faz prevalecer se como objeto de interação. A língua estática, moldada as situações escolares tradicionais, ou ainda, a conteúdos curriculares enquadrados e fragmentados não conseguem exercer o principal objetivo que é o dialogismo e a interação. No processo ordinário de uso da língua, apresenta uma trajetória heterogênea; sai do social perpassa pela academia, e encontra solidez nas teorias dos enunciados de forma dinâmica, dialógica e contextualizadas as necessidades da sociedade. Na construção de um sujeito ideológico a concepção da língua tratada como senso comum e a criação lingüística como produto da interação do locutor e do ouvinte, estabelece uma relação à coletividade. "O sujeito é essencialmente histórico porque sua fala é produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado tempo, à concepção de um sujeito histórico articula-se a outra fundamental: a de sujeito ideológico" (BRANDÃO, 1993: 49)
Marxismo e a Filosofia da Linguagem de Mikhail Bakhtin( 2004 ) defende que a língua não é uma abstração é sim um movimento cotidiano a realização do enunciado, a enunciação como interação verbal. Mostra a linguagem como objeto real de estudo/pesquisa, a linguagem em sua totalidade, a importância do contexto social/ interação social. Bakhtin assim entende que para determinar um objeto em sua totalidade é preciso que a gramática e a comunicação andem juntas, se assim não acontecer o objeto/linguagem será visto de forma parcial. No enunciado concreto é indispensável à interação verbal, a presença de um "sujeito" capaz de refletir e filtrar a comunicação e levar a uma consciência subjetiva do locutor, ou melhor, a utilização da língua não como um sistema de forma normativa por parte do locutor.
Trabalhar as linguagens não apenas como formas de expressão e comunicação, mas como constituidoras de significados, conhecimentos e valores. (Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio 2006, p87) A partir desta reflexão num círculo que é impossível detectar onde é o início ou o fim, fazer uma analogia entre os conhecimentos linguísticos, classes sociais e apreensão de conteúdos escolares; é iluminar com polidez as necessidades vitais do processo de formação humana. A verticalização imposta pelo governo nas metodologias implantadas pelas políticas públicas tem resultado desastroso, pois as necessidades educacionais, identidades culturais e a contextualização sociocultural de cada comunidade educacional não são únicas. Nessa visão holística e sem a capa de mártir do processo educacional na formação humana é necessário realizar um estudo metalingüístico significativo e novo paradigma capaz de gerar uma educação transformadora e libertadora, que promova o diálogo entre o ser social e o ser individual nas diversidades contextuais e na concretização do domínio linguístico como mobilidade social.
O ser humano é razão e emoção, inteligente e sensível dessa forma pensar numa educação que promova o desenvolvimento humano é o mesmo que pensar numa educação emancipatória longe das subjetividades das pessoas envolvidas e valorizando significativamente o espaço das relações e suas interações dialógicas. A tessitura de paradigmas capazes de atingir as relações sociais, as necessidades de interação marcam o caminho a ser seguido por uma educação transformadora; numa sociedade estratificada, delineia uma trajetória que defini e garanti a eficiência da formação do sujeito social que vai se modificando e integrando ao contexto histórico - político que está inserido.

3. Conclusão

O processo de globalização originou enormes transformações no plano político, cultural, social e pessoal; a formação humana tem vindo a ganhar especial relevância para necessidade de construção de um novo modelo de processo educacional em ambiente de liberdade, auto-construção de cada indivíduo, através do desenvolvimento das suas capacidades e aptidões. Assumindo assim seu papel de ator nesse processo, no contexto de centralidade do individuo ao processo de desenvolvimento das sociedades e a educação surge como motor desse processo de formação pessoal e social. Necessidade de políticas públicas educativas à luz do paradigma do desenvolvimento, formação humana, interação e integração social.
Vários aspectos que constituem a língua como interação dialógica, revelar a complexidade do ato de compreender e a multiplicidade de processos cognitivos que constituem a atividade lingüística que se engaja, e a necessidade da construção do saber que perpasse pelo domínio lingüístico significativo e contextualizado; projetando assim um ser humano integro e capaz de agir com autonomia nas diversas situações. A língua e o conhecimento numa parceria indispensável rumo a formação humana.
Com a algumas afirmações empíricas e a necessidade de uma formação humana frente a uma educação desgastada, num cenário de imitação perpetuando moldes formais e envolta por uma desigualdade social, a educação continuada e transformadora, deve se apresenta como alavanca indispensável ao processo emancipatório que promove a formação do sujeito social integrado. A educação transformadora começa pela tomada de consciência crítica, prioridade comunitária, uma gestão democrática que promova um sujeito social. Ressalvando a incapacidade da educação formal e homogênea de atingir as necessidades de uma sociedade marcada por desigualdades sociais e culturais, neste panorama conjecturar afinidades entre novos paradigmas, as ideologias sociais e as competências lingüísticas parece necessária para promover a formação social do sujeito.
Retirar o olhar fragmentado e estimular um olhar holístico a uma análise extrínseca da importância da educação na formação humana, a essa análise se faz necessária a presença do sujeito enunciador capaz de retirar se do processo e passar de protagonista a antagonista. Assim perceber as reais necessidades da formação do ser humano, e só então partir para uma análise intrínseca e direcionar os paradigmas necessários a uma educação formadora de seres autônomos.
Fazer um jogo de palavras e colocar a digressão, como metáfora do processo educacional, leva ao processo analítico proposto a formação humana, que dá início a um momento histórico que delimita as necessidades da educação para formação do indivíduo; e chega ao momento contemporâneo num processo de formação e deformação das bases formais sólidas. Como num jogo de espelho capaz de refletir e ao mesmo tempo deformar, depende da atuação do protagonista e do antagonista; frente a um ser humano individual inserido a um processo de formação social.



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Autor: Stella Maris Campos Macedo De Sousa


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