Gestão Democrática na Escola



GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA COMO INSTRUMENTO EM PROL DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL















DEBORAH ARANTES

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
2009

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade analisar e fazer considerações sobre o caráter inovador e democrático da gestão escolar; suas especificidades e limitações, pois o seu grau de inovação é questionável visto que este modelo tende a imitar as idéias e práticas da gestão empresarial, desviando-se da elaboração de alternativas administrativas adequadas para o setor público,e, sua função social, interagindo com a comunidade em que está inserida.



O CARÁTER INOVADOR DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Nos últimos tempos muito se tem falado em uma gestão democrática como sendo a solução para abolir de vez o autoritarismo, descentralizando o poder e buscando, assim, fazer com que todas as pessoas envolvidas no processo educacional tornem-se corresponsáveis na construção de uma escola mais autônoma e emancipatória e por conseguinte, contribuir eficazmente com a transformação da sociedade.
A LDB, em seus artigos 14 e 15, apresenta as seguintes determinações:
Art. 14 ? Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I. participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II. participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (...)
Art. 15 ? Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público.

Segundo WITTMANN, em seu livro Gestão Democrática:
"a gestão democrática da educação é cada vez mais exigida para que a escola cumpra sua função educativa. O crescimento desta exigência decorre da própria essencialidade do trabalho pedagógico e do contexto no qual a educação se realiza" (2007, p.11)

Sabemos que, desde o início dos tempos, a educação teve inúmeros papéis na sociedade, baseados nas circunstâncias e nas condições que eram exigidas em cada época. Nos primórdios da humanidade a educação passada de pai para filho, em que a cultura precisava ser preservada, não exigia nenhum tipo de gestão, a não ser a hierarquia que deveria ser obedecida. Com a evolução humana, o conhecimento começou a ser valorizado, tanto que para ser transmitido necessitava-se de pessoas especializadas, mais tarde instituições, e instituições necessitavam de organização de direção. Uma direção que organizasse, escolhesse quem seriam os mestres, os alunos, e que tudo isso estivesse sob o seu comando para que o sucesso fosse garantido. Surge então uma gestão autoritária, certa de seus princípios, e muito disciplinados.
Com o passar dos tempos, com a Revolução Industrial, o conhecimento incorpora-se a necessidade de mercado, e a educação procura adequar-se às novas exigências. Surge uma educação mercadológica, em que é preciso a todo custo que o conhecimento pronto, técnico e acabado fosse transmitido àqueles que teriam condições de ser um ótimo operário, que saiba exatamente o que fazer e contribua, de forma prática, para o crescimento da industrialização e da sociedade capitalista.
Porém quantas mudanças desde a Revolução Industrial para os nossos dias! Palavras e nomes como Martin Luther King, Nelson Mandela, Revolução Feminista, Green Peace, queda do muro de Berlim, Praça de Pequim, Palestina, Transplantes de órgãos, Lei contra o preconceito racial, Inclusão Social,o Primeiro Presidente Negro dos EUA, entre tantos outros, fizeram com que a educação não parasse no tempo. Cada vez mais exigiu-se que a educação acompanhasse as evoluções pelas quais a humanidade estava passando. Quanto esses assuntos foram comentados nas escolas, quantas passeatas e movimentos sociais tiveram início justamente dentro das escolas, mesmo que fossem reprimidas?
A educação é mutável. Se assim não fosse, não mais existiria. Mas a sua essência precisa ser preservada.
Imagine nos dias atuais, nossas salas de aula ainda com aquelas carteiras enormes para sentar-se de dois ou três alunos, porém sem sequer poder olhar para o lado, os alunos usando pena e tinteiro com livros enormes para fazer cópias, sem mesmo entender o conteúdo. O professor, ou melhor, o mestre detentor de todo o conhecimento, sentado em sua mesa e de vez em quando dando uma olhada para não perder os alunos de vista. Tudo isso sob o comando de um diretor linha dura, que quando entra na sala, todos devem levantar-se e dizer em uníssono e bom tom: "Bom dia Senhor Diretor". Os pais nem sequer ousam dar uma opinião sobre algum assunto da escola, e nas reuniões bimestrais se mantêm calados, ouvindo o "mestre" falar do desempenho de seu filho na frente de outros pais?Coisa do passado? Nem tanto. Algumas escolas, apesar de suas salas de aula arejadas, modernas, com recursos tecnológicos avançados, ainda trazem o ranço desses tempos. Isso porque não adianta modernizar as escolas e dar novos nomes aos métodos de ensino se, de fato, desde a Direção não houver abertura para as especificidades de nosso tempo e de nossa sociedade. Assim:

"A prática pedagógica e a organização do trabalho escolar são produto de construção histórica e estão em permanente processo de re-instauração." (WITTMANN, 2007, p.35)
A história do processo de escolha democrática de dirigentes escolares começa no Brasil na década de 60, quando, nos colégios estaduais do Rio Grande do Sul, foram realizadas votações para diretor a partir das listas tríplices. Foi então que, no movimento da democratização, principalmente com o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, a eleição direta tornou-se uma das importantes bandeiras da educação, e pela qual não foi incorporada, como outras (pelo menos em parte), nas legislações principais (Constituição e LDB). É por essa razão também que a história da eleição direta para diretores é marcada por constantes avanços e retrocessos, dependendo da vontade política de dirigentes, para se aparar em leis estaduais e municipais.
Na Gestão Democrática o dirigente da escola só pode ser escolhido depois da elaboração de seu Projeto Político-Pedagógico. A comunidade que o eleger votará naquele que, na sua avaliação, melhor pode contribuir para implementação do PPP. Porém, existem outras formas de escolha de diretor, que são a realidade da maioria das escolas públicas do Brasil. Outras formas de escolhas, são: nomeação, concurso, carreira, eleição e esquema misto. (SEED,1998 p.69)



GESTÃO DEMOCRÁTICA = GESTÃO COMPARTILHADA

Uma gestão democrática tem início na sala da direção, perpassa pela coordenação, secretaria, cozinha e chega a sala de aula , espaço onde professor-aluno, educador ? educando fazem com tudo aconteça. Entretanto o fato de a sala de aula ser o "espaço institucional" da aprendizagem, esta ocorre em todos os lugares e por meio de todos.
Hoje mais do que nunca nossos alunos tem acesso a todo e qualquer tipo de informação, através de várias mídias. Evidencia-se dessa forma a necessidade de uma escola cada vez mais participativa, principalmente dentro dela mesma, com professores atuantes e comprometidos com o processo e com o sucesso dos alunos e da escola, e com uma equipe gestora (não mais só direção, mas também secretaria, coordenação pedagógica e orientação educacional) que transmita aos professores segurança, cooperação, promovendo a autonomia aos seus subordinados na mesma medida em que saiba cobrar deles os resultados. Esta é uma gestão mais do que democrática: é uma Gestão Compartilhada.
Neste tipo de gestão a responsabilidade pelas ações é dividida, há a descentralização do poder e todos os envolvidos no processo são chamados à participação e a ser corresponsáveis pelos resultados. Neste contexto, fortalecendo a democracia, a autonomia e os valores da escola está a construção significativa do Projeto Político Pedagógico. Um projeto político-pedagógico, construído com a participação de todos, considerando a existência dos Conselhos Escolares, tem importância fundamental na implementação dessa escola inovadora na nova sociedade do conhecimento, balizada por valores éticos de inclusão social e de saberes. Portanto,

"O projeto pedagógico ao se constituir em processo participativo de decisões, preocupa-se em instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, rompendo com a rotina do mundo pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo relações horizontais no interior da escola". (Veiga, 1998:13)



GESTÃO ESCOLAR X GESTÃO EMPRESARIAL

Nas empresas mais modernas, a gestão também está passando por transformações, pois já é de conhecimento, por meio de estudos, que quando os operários, os gerentes e os diretores conhecem e compartilham a missão da empresa, com valores claros e definidos, se são respeitados em suas capacidades e se há participação nos lucros da empresa, todos trabalham com mais empenho buscando os lucros coletivamente. Porém o grande alvo está no lucro, no dinheiro.
No sentido organizacional, a escola poderia ser vista como uma empresa. Mas há algo que as diferenciam muito: os atores do processo, o próprio processo e seu lucro. A escola poderia, até mesmo, ser definida como uma empresa em que há dirigentes, que são os membros da equipe gestora, os operários, que seriam os professores e demais funcionários de apoio, a matéria prima, seriam os alunos, e o lucro , sua aprendizagem. Mas essa visão é um tanto quanto fria, se observarmos que estamos lidando com pessoas, com vidas e com saberes.
Não podemos negar que a escola precisa ser organizada: há calendários, prazos a cumprir e resultados para obter. Entretanto não poderá jamais ser vista como uma empresa que produz "crianças com conhecimento adquirido made in Escola"
Não existe na escola operários exercendo uma mesma função constantemente, nem "matéria prima" homogênea e nem um resultado ou um produto obtidos todos em um mesmo tempo e da mesma forma.
A escola é uma empresa viva, onde os gestores se preocupam com todo o "fazer" pedagágico não só com o lucro, os professores precisam ser criativos em seu processo de ensino, portanto não existe um único método de ensino, e os alunos são todos vistos como especiais com suas peculiaridades, e o resultado deve respeitar o tempo e o modo de aprender de cada aluno. O produto, por sua vez, se respeitados todos esses ínterins só poderá ser lucrativo para todos os envolvidos nesse processo de formação e construção de seres humanos.
A escola torna-se um espaço aberto, onde pais de alunos são convocados não somente para reuniões para ouvir sobre disciplina e notas, mas para eventos de seu interesse, palestras sobre temas da atualidade, oficinas culturais, etc. e que com tudo isso compreendam que a escola faz parte da comunidade e vice-versa, pesando sobre eles também a responsabilidade sobre o sucesso/fracasso dessa instituição. Os pais participam mais efetivamente ainda quando fazem parte do Conselho de Escola que tem por natureza ser deliberativo, consultivo, normativo e fiscalizador. Portanto, os Conselhos Escolares devem ser atuantes e autônomos.
Segundo Paulo Freire (2001):
"Uma rede pública pode ir criando em si mesma as condições de ser democrática, na medida em que a sociedade, historicamente, venha experimentando mais democracia, na medida em que o ?sabe quem está falando? vá desaparecendo até tornar-se uma absoluta estranheza...
Uma rede pública pode ir criando em si mesma as condições de ser democrática, na medida em que, mobilizando-se e organizando-se, lute contra o arbítrio, supere o silêncio que lhes está sendo imposto..."



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme exposto neste trabalho, a educação ao longo dos séculos passou por transformações na expectativa de acompanhar as evoluções da humanidade.
A escola ganha, dessa forma, um novo perfil: democrática, inovadora e aberta à comunidade.
Resta ao gestores serem líderes desse processo de democratização, dirigindo os atores participantes a uma educação emancipatória e criem juntos uma escola em que cada um sinta-se corresponsavel na construção e formação de seres humanos, em que o sucesso ou fracasso seja de responsabilidade de todos. Uma escola em que o aluno seja visto como um ser em formação constante, que necessita de conhecimento e de afeto, e que tem suas peculiaridades que devem ser respeitadas. Nessa escola gestores, professores e pais compartilham dos mesmos objetivos e se unem a fim de alcançá-los, sabendo que o grande lucro será a formação integral do aluno.
Para que ocorra o processo de democratização é preciso que se construa o consenso, que reivindica a igualdade nos processos decisórios, e este só pode ocorrer em relações dialógicas e num trabalho pedagógico centrado na critica reflexiva que possibilite a existência de espaços para desencadear momentos de reflexão, tanto individuais quanto coletivos.
Pensar, discutir, refletir, agir.
Essa dinâmica precisa estar integrada ao fazer da escola democrática, sempre tendo em mente que o conceito de democracia é diluído se ele não se orienta pela possibilidade da realização das condições de vida ideais para o ser humano.


Eis uma gestão para as escolas contemporâneas: uma Gestão (de fato) Democrática.



REFERÊNCIAS.

__. WITTMAN, Lauro Carlos. Gestão Democrática.Curitiba,2007.
__.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
__.BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1996.
__.VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Escola : Espaço do projeto político-pedagógico. Campinas, Papirus, 1998.



Autor: Deborah Arantes


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