TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA



TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Sônia de Oliveira Santos Baccarini1

RESUMO

Este artigo tem por objetivo fazer uma revisão bibliográfica da doutrina e da Constituição Federal sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais não só como ato constitucionalmente declaratório, mas também garantitórios dos direitos dos cidadãos nacionais e estrangeiros em território brasileiro.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Aplicabilidade.

ABSTRACT

This article aims to review existing literature and the doctrine of the Constitution on the Theory of Fundamental Rights not only as a declaratory act constitutionally, but also garantitórios rights of nationals and foreigners in Brazil.

Key words: Fundamental Rights, Applicability.

1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Para compreender a Teoria dos Direitos Fundamentais, é preciso que se trace o caminho evolutivo, tanto do ponto de vista filosófico quanto do histórico, pois esses direitos mudam de acordo com a época; portanto, através dos tempos.
Para a doutrina francesa, que acredita que os direitos dos homens tenham nascido da Revolução Francesa, foram o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais do homem as principais forças que inspiraram as primeiras declarações de direitos dos homens.
Ocorre que essa inspiração não seria necessária, como não foi, já que tais direitos ? se admitida a hipótese de sua gênese na Revolução Francesa ? só surgiram depois de intensas lutas reivindicatórias de direitos que, posteriormente, foram consubstanciados nas declarações de direitos do homem, que só surgiram, efetivamente, quando as condições materiais da sociedade civil assim o permitiram. Esses direitos ? sociais ? surgiram juntamente com a sociedade civil; por isso, são chamados de direitos sociais, e não fundamentais.
Há várias acepções para explicar o surgimento dos direitos fundamentais e quase todas dão como marco a Revolução Francesa, caso de Bonavides (2000, p. 516), que acredita que os direitos fundamentais só adquiriram status de universais com a descoberta do racionalismo francês da Revolução quando foram declarados os Direitos do Homem em 1789.
Outros, a exemplo de Maliska (2001, p. 39), creditam às Declarações Inglesa e Americana o verdadeiro marco dos direitos fundamentais, no qual é contestado por Bonavides (2000), que afirma ser a Declaração Francesa muito mais abrangente que as Declarações citadas.
A divagação ou incerteza da gênese dos direitos fundamentais do homem trouxe a este artigo o objetivo de estudar a evolução histórica dos direitos fundamentais, insertos na atual Constituição como um instrumento jurídico de garantia dos sujeitos sociais frente ao Estado.




2 O QUE SÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS?


O conceito de direitos fundamentais é impreciso dada a sua ampliação, transformação e ressignificação, podendo ser designados como: (a) direitos naturais, (b) direitos humanos, (c) direitos do homem, (d) direitos individuais, (e) direitos públicos subjetivos, (f) liberdades fundamentais, (g) liberdades públicas e (h) direitos fundamentais do homem (SILVA, 1996, p. 174).
Mas há, evidentemente, uma delimitação nessa multiplicidade e variedade das terminologias na esfera jurídica acerca dos direitos fundamentais. Para Ingo Sarlet (apud MALISKA, 2001), os direitos fundamentais são aqueles direitos cujo destinatário é qualquer ser humano. Esses direitos são reconhecidos e positivados no escopo do direito constitucional positivo dos Estados.
Direitos fundamentais do homem, segundo José Afonso da Silva (1996, p. 174), constituem a expressão mais adequada à Teoria dos Direitos Fundamentais, pois, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informar a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no direito positivo, todas aquelas prerrogativas e instituições que por ele se concretizam em garantias de uma convivência digna, livre e igual a todas as pessoas (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 44).
Os direitos humanos, para Silva (1996), guardariam uma relação com os documentos relacionados ao direito internacional, pois se referem àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional, ou seja, internacional.
Já os direitos naturais não se equiparam aos direitos humanos, uma vez que a positivação em normas de direito internacional já revela a dimensão histórica e relativa dos direitos humanos (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 44).
Os direitos humanos estão preconizados com as normas de direito internacional. É a expressão preferida em documentos internacionais2, ao passo que os direitos fundamentais, conforme descreve o constitucionalista português Canotilho (1999): "são direitos do homem3 jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espácio-temporalmente" (p. 369).
Quanto à afirmação de Canotilho (1999) sobre direitos humanos, é imprescindível que se faça outra reflexão sobre a visão tridimensional dos direitos fundamentais: jusnaturalista, internacionalista e constitucional, segundo ele, por meio da perspectiva jusnaturalista ou filosófica.
Contudo, quando a expressão "direito do homem" pode ser usada ao invés de "direitos fundamentais", Maliska (2001, p. 44) descreve o raciocínio de Jorge Miranda (1993, p. 50-51), que postula três razões para a não adoção do mesmo: (a) trata-se de direitos assentes à ordem jurídica, e não de direitos derivados da natureza do homem; (b) a necessidade de, no plano sistemático da ordem jurídica (Constitucional), considerar os direitos fundamentais correlacionados com outras figuras subjetivas e objetivas (organização econômica, social, cultural e política); e (c) os direitos fundamentais presentes na generalidade das Constituições do século XX não se reproduzem a direitos impostos pelo Direito natural.
José Luiz Quadros de Magalhães (2004) destaca que

uma expressão que ideologicamente o poder insiste em mostrar como apolítica é a expressão ?Direitos Humanos?. Os direitos humanos são históricos e logo políticos. A naturalização dos Direitos Humanos sempre foi um perigo, pois coloca na boca do poder quem pode dizer o que é natural, o que é natureza humana. Se os direitos humanos não são históricos, mas sim direitos naturais, quem é capaz de dizer o que é o natural humano em termos de direitos? Se afirmarmos os direitos humanos como históricos, estamos reconhecendo que nós somos autores da história e, logo, o conteúdo destes direitos é construído pelas lutas sociais, pelo diálogo aberto, no qual todos possam fazer parte. Ao contrário, se afirmamos estes direitos como naturais, fazemos o que fazem com a economia agora. Retiramos os direitos humanos do livre uso democrático e transferimos para um outro. Este outro irá dizer o que é natural. Quem diz o que é natural? Deus? Os sábios? Os filósofos? A natureza? (p. 173).

Diante disso, é importante acentuar o pensamento de José Afonso da Silva (1996), inspirado na obra de Pérez Luño, que argumenta que a expressão "Direitos fundamentais do homem" é a mais efetiva e adequada para o presente estudo, considerando a referência aos princípios que resumem o conceito do mundo, de tal sorte que configura a ideologia política de cada ordenamento jurídico, definindo na esfera do direito positivo como "aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas" (MAGALHÃES, 2004, p. 174).
No entanto, salienta-se que os direitos humanos, direitos positivados na seara do direito internacional, têm uma íntima aproximação com os direitos fundamentais, que são direitos reconhecidos e protegidos pelo constitucional interno de cada Estado (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 32) na medida em que são conectados, independentemente de suas diferentes positivações. Desse modo, quando da ocorrência dessa correlação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, emerge, então, um conceito que se chama de direito Constitucional internacional.
Numa perspectiva tradicionalista ou simplória, direitos fundamentais são instrumentos de proteção do sujeito frente à atuação do Estado. Todos os direitos do cidadão brasileiro e do estrangeiro em território nacional estão contidos no art. 5º da Constituição Federal da República, de 1988, na qual estão previstos os direitos e deveres e garantias individuais e coletivos.
Porém, não é tão simples assim arriscar uma definição para direitos fundamentais devido à sua complexidade quando os mesmos são confrontados com os acontecimentos históricos e sociais. Uma das principais dificuldades de conceituar direitos fundamentais está na busca de um fundamento que seja absoluto. Isso não se encontrará, é evidente, uma vez que toda verdade é relativa. O único reconhecimento verdadeiro seria aquele de que a pessoa humana é o valor supremo do direito. Mas não poderia ser de outra forma, já que as leis têm como destinatário o cidadão, tanto as de proteção quanto as de sanção. Em verdade, a pessoa humana só é ideia central do direito, porque, sem ela, não haveria direito, tampouco Estado.
Contestamos a lição de Bobbio (1992) de que os direitos não poderiam ser fundamentais, porque são relativos, historicamente mutáveis, pois as condições históricas é que determinam as necessidades e interesses da sociedade.
Evidentemente, direitos e deveres são mutáveis, pois devem acompanhar a evolução do homem e do tecido social. Todavia, o sentido de fundamental, em questão de direitos, é de básico, ou seja, o mínimo necessário para o sujeito viver em sociedade.
É de suma importância considerarmos que não poderá haver, numa civilização evoluída, por exemplo, pessoas que procuram seu sustento no lixo, disputando a comida com urubus, ratos, baratas, vermes etc.
Bobbio (1992), entre as várias dificuldades de definição de um fundamento absoluto para os direitos fundamentais, aponta a heterogeneidade dos mesmos, a existência de direitos múltiplos, por vezes até conflitantes entre si. As razões que sustentam alguns não sustentam outros. Alguns direitos fundamentais são até mesmo atribuídos a categorias diversas, enquanto outros valem para todos os membros do gênero humano. Esses conflitos são chamados de colisão entre direitos.
































3 COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS


A colisão entre direitos fundamentais e os valores do cidadão, especialmente no que tange à sua religiosidade ou doutrina, é tema que parece ter encontrado ressonância mais aguçada a partir da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a importância desses direitos no ordenamento jurídico nacional e a difícil empreitada do intérprete da lei em buscar solução para tais conflitos. Só será considerada colisão de direitos fundamentais quando for identificado um conflito decorrente do exercício de direitos individuais por diferentes titulares, podendo sobrevir, também, entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade. Assim sendo, procura-se dar início ao desenvolvimento do tema, organizando um comparativo entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Na sequência, abordam-se as dimensões dos direitos fundamentais de modo a, com respaldo na melhor doutrina, mostrar a seriedade de se identificarem os seus elementos essenciais e seu escopo de proteção em face da complexidade do sistema de direitos fundamentais.
Qualquer conflito que decorra de confronto entre direitos fundamentais pode ser resolvido pelo legislador com a criação da reserva legal, isto é, quando restringe o exercício de um direito à observância do outro; ou pelo intérprete, no caso de direitos fundamentais não cobertos por essa reserva, que deverá realizar a ponderação dos bens envolvidos, com o intuito de decidir a colisão por meio do sacrifício mínimo dos direitos envolvidos.
Nenhum direito é absoluto. Isso é regra, e não exceção. Nem mesmo o direito à vida. Prova disso é a permissão constitucional de condenação à pena de morte em estado de guerra4 e, ainda, a realização de aborto autorizado judicialmente, diante da previsão no Código Penal, no caso de gravidez resultante de crime de estupro5.
Na colisão de direitos fundamentais, não é possível uma solução adequada in abstrato. Ela somente pode ser praticada no caso concreto, devendo o intérprete utilizar-se dos princípios informadores da hermenêutica constitucional, que servem como parâmetros para ponderação de valores e interesses.
Há várias espécies de colisão de direitos constitucionais. A doutrina destaca dois tipos de colisões, quais sejam: colisões em sentido estrito podem ser de direitos fundamentais idênticos ou de direitos fundamentais diversos, os quais podem se apresentar de quatro modos: (a) colisão de direito fundamental enquanto direito liberal de defesa; b) colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção; c) colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito; e d) colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático.
Nos conflitos entre direitos fundamentais diversos, um exemplo clássico é o conflito entre a liberdade de opinião, de imprensa ou artística, de um lado, e o direito à honra, à privacidade e à intimidade, de outrem.
As colisões em sentido amplo são aquelas que envolvem direitos fundamentais e outros princípios e valores constitucionais, sendo comum a colisão entre o direito de propriedade e interesses coletivos associados, como a utilização da água.
4 GÊNESE E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Quando se pensa em direitos sociais, fundamentais ou direitos do homem, imediatamente surge a Revolução Francesa como ponto de partida para o surgimento da sociedade civil e, consequentemente, dos direitos sociais.
Alguns dão como marco inicial as Declarações Americana e Inglesa. Outros, a exemplo de Bonavides (2000, p. 516), diz que a Declaração Francesa sobre os direitos dos homens foi muito mais abrangente que as Declarações Americana e Inglesa. Esse autor, ao enfatizar os ideais da Revolução Francesa, como marco dos direitos do homem, diz que esta tinha por destinatário o gênero humano, e não algumas classes sociais.
Ressalta-se que, antes da Revolução Francesa, não havia classes sociais. O homem só foi estratificado em classes exatamente após a Revolução, quando nasceu a sociedade civil, quando nasceu o Estado, quando nasceu a dominação social. Ainda que os alicerces da Declaração de 1789 tenham sido universalizantes, porque apoiados na filosofia humanitária, com o objetivo de liberação do homem, esmagado pelas regras do absolutismo e do regime feudal, tudo ficou igual ? o clero ? os nobres ? a realeza ? o povo.
A partir desses momentos históricos associados aos direitos fundamentais do homem, observa-se que os direitos do homem ganharam força e legitimidade. Externar-se-á, então, dentro dos direitos fundamentais, as características de direitos naturais, inalienáveis e sagrados, estilos próprios das sociedades democráticas.
As condições objetivas ou materiais (reais ou históricas) em relação ás declarações do século XVIII manifestaram-se no paradoxo entre o regime monárquico absoluto e uma sociedade tendente à expansão não só comercial, mas também cultural.
Ocorre que à época, na França, o clero, especialmente o alto clero, dava apoio absoluto à monarquia, oferecendo, inclusive, a ideologia de que o poder era de origem divina; portanto, só o poder dado como divindade poderia ser um direito terreno.
Já para José Afonso da Silva (1996), as condições subjetivas, ou ideais, ou lógicas, que nortearam as fontes de inspiração filosófica da doutrina francesa foram: (a) o pensamento cristão; (b) a doutrina do direito natural dos séculos XVII e XVIII, de natureza racionalista; e (c) o pensamento iluminista, cujas ideias eram de ordem natural das coisas (p. 172-173).
Entretanto, todos esses fundamentos foram superados pelo processo histórico-dialético que surgiu com as condições econômicas facilitadas pelo desenvolvimento industrial e pela formação de uma nova classe: o proletariado amplo, sujeito ao domínio da burguesia capitalista. Surgiu, com essas novas condições, estritamente materiais, mais que um direito fundamental, os direitos econômicos e sociais, dos quais sobrevieram novas doutrinas sociais, postulando a transformação da sociedade para a realização ampla e concreta desses direitos.
José Afonso da Silva (1996) afirma que as novas fontes de inspiração dos direitos fundamentais são: (1) o Manifesto Comunista e as doutrinas marxistas, com sua crítica ao capitalismo burguês e ao sentido puramente formal dos direitos do homem proclamados no século XVIII, postulando liberdade e igualdade materiais num regime socialista; (2) a doutrina social da Igreja, a partir do papa Leão XIII, que teve especialmente o sentido de fundamentar uma ordem mais justa, mas ainda dentro do regime capitalista, evoluindo, no entanto, mais recentemente, para uma Igreja dos pobres que aceita os postulados sociais marxistas; (3) o intervencionismo estatal, que reconhece que o Estado deve atuar no meio econômico e social, a fim de cumprir uma missão protetora das classes menos favorecidas, mediante prestações positivas, o que é ainda manter-se no campo capitalista com sua inerente ideologia de desigualdades, injustiças e até crueldades.


4.1 Forma de Declarações de Direitos

Inicialmente, as declarações de direitos assumiram a forma de proclamações solenes. Posteriormente, passaram à forma de preâmbulo das Constituições, especialmente na França. Hodiernamente, nos documentos internacionais, ainda assumem a forma das declarações; porém, nos ordenamentos jurídicos nacionais, integram as próprias Constituições.


4.2 Caracteres dos Direitos Fundamentais

De acordo com José Afonso da Silva (1996), essa temática se desenvolveu junto às concepções jusnaturalistas dos direitos fundamentais do homem, dos quais se proclama que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis e imprescritíveis. Abolindo-se a conotação jusnaturalista, ainda se podem reconhecer determinados caracteres desses direitos, como: (a) historicidade: são históricos porque nascem, modificam-se e depois desaparecem. Apareceram com a revolução burguesa, evoluíram, ampliaram-se ao longo dos tempos. Sua historicidade afasta toda fundamentação que se fundamenta em direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas (SILVA, 1996, p. 179); (b) Inalienabilidade: são direitos com caráter intransferível, inegociável, porque não possuem conteúdo econômico-patrimonial; (c) imprescritibilidade: não há requisitos que importem em sua prescrição, sendo esta (a prescrição) um instituto jurídico que atinge somente a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, e não a exigibilidade de direitos personalíssimos; (d) irrenunciabilidade: direitos fundamentais não se renunciam.
5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO EM UM ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO DE DIREITO


É inconteste que os direitos fundamentais são a base e a essencialidade para qualquer Constituição, uma vez que estes se encontram vinculados aos mais diversos textos constitucionais, normatizados e efetivados, a saber: à vida, à liberdade, à igualdade e à fraternidade, primando sempre pela dignidade humana.
O postulado para se formar um Estado Social, e que este esteja consubstanciado no princípio democrático, é, sem dúvida, sua interligação com os direitos fundamentais. Todavia, para uma formulação mais clara, Maliska (2001) situa com exatidão a ideia de Estado Social Democrático de Direito ao citar os ensinamentos de Carlos Sundfeld com base na Constituição da República de 1988; desse modo, assinalado pela evolução histórica constitucional, pelo surgimento de direitos fundamentais de cunho prestacional, a saber: (a) assistência social, (b) educação, (c) saúde e (d) cultura, dentre outros, como direitos da segunda geração.
O Estado não só tem a função, mas também o dever de atuar positivamente na prestação desses direitos fundamentais. A atuação estatal não deve estar apenas limitada à ação negativa perante o indivíduo, por meio da não violação da seara individual (direitos da primeira geração ? direitos civis e políticos), mas, sim, de prestação à população de condições materiais essenciais (MALISKA, 2001, p. 47).
Daí, surge outra variante, o desenvolvimento econômico, que se consubstancia como condição para realização dessa prestação dos direitos sociais. Com isso, o Estado, segundo Maliska (2001, p. 49), tem por decorrência a ampliação do desenvolvimento econômico, desempenhando uma função que não é essencial da compreensão de Estado Social.
Nesse contexto, o Estado, para cumprir com suas obrigações sociais na prestação de serviços básicos e essenciais à população, especialmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, há que fazer investimentos consideráveis na área social. E para fomentar tais investimentos, o Estado atuará como ente econômico de modo a conseguir crescer economicamente e, por conseguinte, cumprir com suas obrigações constitucionais no que tange às prestações sociais (MALISKA, 2001, p. 49), pois, no escopo de um Estado social de Direito, os direitos fundamentais, no seu leque de valores axiológicos, demandam a democracia material.
O Estado de Direito e os direitos fundamentais se relacionam reciprocamente, pois o Estado de Direito necessita desse vínculo, funcionalidade e garantia dos direitos fundamentais para ser, de fato, Estado de Direito, de tal modo que os direitos fundamentais, como corolário, demandam para sua efetivação a positivação e a normatização, bem como as garantias por parte do Estado de Direito.
Os direitos fundamentais constituem, assim, o corpo de toda Constituição inserida num Estado Social e Democrático de direito, e a Constituição Brasileira de 1988 não foge à regra.
Com o fito de tornar mais inteligível e reforçar a noção do que representam os direitos fundamentais como base de uma Constituição nacional, recorremos a Hesse (1998). Para ele, "é a ordem fundamental jurídica da coletividade" (p. 37) e se tornam fundamental mais uma vez os ensinamentos de Ingo Sarlet ao argumentar que os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado Constitucional, constituindo, nesse sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição material (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 60) .
Desse modo, os direitos fundamentais surgem insertos na Constituição, delineando um Estado Democrático, desde o artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em agosto de 1789.
Assim sendo, para que o povo desfrute de um Estado Social de Direito, esculpido por princípios democráticos, é de relevância que a Constituição dos países, além de promover a organização estatal, seja contornada de direitos fundamentais, atingindo efetivamente os fins sociais, para, não obstante, assumir o papel de diretriz da sociedade (MALISKA, 2001, p. 58).









6 A APLICABILIDADE IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS OU TEORIA GARANTISTA


Todo dispositivo constitucional, em especial aqueles que se referem aos direitos fundamentais, possuem determinado grau de eficácia e aplicabilidade por força da normatização imposta pelo Poder Constituinte.
O principal dispositivo que garante tal preleção acerca dos direitos fundamentais é o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no qual está previsto que: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
Em decorrência da variedade considerável de direitos fundamentais outorgados na Constituição Federal de 1988, as normas constitucionais estão em diversas disposições e são diferentes entre si no tocante à técnica de sua positivação no conteúdo da Constituição vigente.
As perspectivas subjetiva e objetiva representam, respectivamente, os direitos subjetivos dos indivíduos e os deveres do Estado relacionados ao mesmo. São classificados em dois grandes grupos: os direitos de defesa (mais os direitos de liberdade, igualdade, garantias, bem como parte dos direitos sociais ? no caso, as liberdades sociais ? e políticos) e os direitos a prestações (integrados pelos direitos a prestações em sentido amplo, tais como direitos à proteção e à participação na organização e procedimento, assim como pelos direitos a prestação em sentido estrito, representados pelos direitos sociais de natureza prestacional) (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 234).
A priori, os designados como direitos de defesa esboçam um direito subjetivo individual, posto que se colocam naquelas situações em que a norma constitucional outorga ao particular uma posição ativa subjetiva, ou seja, um poder jurídico, já que seu uso imediato independe de qualquer prestação alheia (BARROSO, 1996, p. 106).
Assim disposto, os direitos de defesa, conhecidos por suas particularidades de direitos subjetivos, não resultam em divergências em relação à sua aplicabilidade imediata. Contudo, o mesmo não ocorre com os direitos a prestações, posto que estes necessitam de uma atuação positiva do Estado, surgindo, assim, posicionamentos diversos sobre sua aplicabilidade imediata. Daí, esses direitos de cunho prestacional, positivados a partir de normas programáticas, precisam, a princípio, de interferência do legislador para que sejam permeados de aplicabilidade e eficácia plena. Assim, os direitos fundamentais de defesa ou prestacional estão vinculados ao grau de eficácia e aplicabilidade por conta de sua forma de positivação no texto constitucional (SARLET apud MALISKA, 2001, p. 254).
Segundo Eros Roberto Grau (1988), normas programáticas são aquelas que, "ao invés de se definirem em fins concretos a serem alcançados, contêm princípios e programas (tanto de conduta, quanto de organização), bem como, princípios relativos a fins a cumprir [...] existem apenas na esfera constitucional" (p. 130).
Ensina-nos ainda Eros Roberto Grau (1988) que aplicar o direito é torná-lo efetivo. Dizer que um direito é imediatamente aplicável é afirmar que o preceito no qual é inscrito é autossuficiente, que tal preceito não reclama ? porque dele independe ? qualquer ato legislativo ou administrativo que anteceda a decisão na qual se consume a sua efetividade. Preceito imediatamente aplicável vincula, em última instância, o Poder Judiciário. Negada pela Administração Publica, pelo Legislativo ou pelos particulares a sua aplicação, cumpre ao Judiciário decidir pela imposição de sua pronta efetivação.
Assim, para Eros Roberto Grau (1988), o Poder Judiciário tem por função reproduzir o direito, assim como produzi-lo, tomando por base os princípios jurídicos. Essa produção do direito não significa que o Judiciário pretenda ou vá assumir uma função legislativa, mas, seu objetivo é garantir a efetivação do direito fundamentado na Constituição Federal vigente.
Maliska (2001, p. 109), ao interpretar o pensamento de Eros Grau (1988), pressupõe que a referida norma do § 1º do art. 5º da Constituição Federal é dotada de vigência e eficácia jurídica. Essa norma é de aplicabilidade imediata.
Ainda segundo Canotilho (1994), no escopo dos direitos fundamentais a prestações, a Constituição dirigente se consubstancia a um máximo de "desejabilidade constitucional" (p. 365) de direitos prestacionais sociais, que passa a relacionar-se, genericamente, com uma interposição do legislador necessária, derivada da subordinação de uma efetividade constitucional para sua consecução. Naturalmente que proporcionar a real eficácia das normas dos direitos fundamentais deve ser um trabalho incessante e incansável dos poderes competentes, consagrando a fundamentalidade formal da qual a Constitucional Federal é detentora.




CONSIDERAÇÕES FINAIS


A afirmação dos Direitos Fundamentais do homem no Direito Constitucional é de suma importância no mundo atual. Reconhece-se que os Direitos Humanos foram surgindo com o desenvolvimento de uma consciência libertadora em prol da melhoria da qualidade de vida da pessoa humana, desenvolvendo-se através de gerações, visando a atender e a alcançar todos por modalidades diversas de direitos, que vão sendo identificados e agrupados como fundamentais ao pleno desenvolvimento dos indivíduos
Contudo, não basta que um direito seja reconhecido e declarado. É necessário que esse mesmo direito seja garantido, uma vez que haverá ocasiões e situações em que esses direitos não só serão discutidos, mas também violados. Uma coisa é ter direitos, outra coisa é tê-los garantidos.
Por fim, concordamos com José Luiz Quadros de Magalhães e Carolina dos Reis quando nos dizem que se presencia uma banalização do discurso dos direitos humanos, como consequência de uma ausência de força normativa, conduzindo a uma descrença no poder que esses direitos têm de transformar a realidade.
O direito não pode servir à política e à economia. Ele é uma ciência autônoma, com objetivos e princípios próprios, e deve ser forte para limitar os excessos da política e da economia (MAGALHÃES e REIS, 2009).

Notas

1 Graduada em Ciências Econômicas pela UFSJ ? Universidade Federal de São João del-Rei. Bacharel em Direito pela UNIPAC ? Universidade Presidente Antonio Carlos; pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes ? Rio de Janeiro; pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro de Estudos Superiores Aprendiz ? Minas Gerais; e pós-graduada em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada ? Pontifícia Universidade Católica ? Minas Gerais. Mestranda pela UNIPAC ? Juiz de Fora. Professora da Fundação Presidente Antônio Carlos e do Instituto Presidente Tancredo Almeida Neves em São João del-Rei. Advogada em São João del-Rei/MG. E-mail: [email protected]. http://lattes.cnpq.br/9849229658243384.

2 Contra a expressão direitos humanos, assim como contra a terminologia direitos do homem, objeta-se que não há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o ser humano pode ser titular de direitos. Talvez já não mais assim, porque, aos poucos, se vai formando um direito especial de proteção dos animais (SILVA, 1996, p. 180).

3 Segundo Canotilho (1999), ainda outra diferenciação, no que tange aos direitos fundamentais para com os direitos do homem, ao qual versa o eminente constitucionalista português, é que "direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista)" (p. 369).

4 Fato é que ninguém perguntou ao indivíduo se estaria disposto a perder sua vida caso traísse a Pátria em tempos de guerra. Isso he foi imposto.

5 No caso, o direito à vida seria do feto. Embora esse direito seja conferido à pessoa pelo ordenamento jurídico, a Igreja ainda continua a condená-lo, surgindo daí inúmeras discussões sobre o momento em que começa a vida.


REFERÊNCIAS


BARROSO, L. R. O Direito constitucional e a Efetividade de suas Normas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CANOTILHO, J. J. G. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Contributo para Compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

GRAU, E. R. Direitos, Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

HESSE, K. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 1998.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Melhoramentos, 2003. Tomo 1.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; REIS, Carolina dos. A ideologia dos Direitos Humanos. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2009.

MALISKA, M. A. O Direito à Educação e a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 2001.

PEREZ, Luño, Antonio Enrique; CASTRO, José Cascado; CID, Benito de Castro; TORRES, Carmelo Gómez. Los derechos humanos, significación, estatuto jurídico y sistema. Sevilla: Publicaciones de La Universidad de Sevilla, 1979.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

Autor: Sônia Oliveira Santos Baccarini


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