Penitenciária Lemos Brito - Relatório De Visita



RELATÓRIO DE VISITA À PENITENCIÁRIA LEMOS DE BRITO .

A Professora Angelita Woltmann, em conjunto com a professora Daiane Zappe, professoras de Direito Constitucional II - 3º semestre - da F.C.J. - Faculdade de Ciências Jurídicas da UNIME, da qual fazemos parte, no dia 08 de novembro de 2007, organizaram uma visita à Penitenciária Lemos de Brito (PLB), que custodia presos condenados para dar cumprimento às penas privativas de liberdade, em regime fechado e com segurança máxima. Trata-se do maior complexo penitenciário do Estado da Bahia.

Saímos da UNIME às 12h30minh em caravana, na frente ia o ônibus da outra turma, a 155, e as professoras que organizaram a excursão, e atrás outros alunos, da turma 139, em carros próprios.

Criamos muita expectativa para esta visita, comentávamos sobre as rebeliões que já tinham acontecido nesta unidade prisional, alguns alunos estavam com muito medo, mas apesar disso, cantarolávamos uma música da trilha sonora do filme "Tropa de Elite", sem imaginarmos que o que veríamos adiante era também uma conseqüência do que tínhamos visto na ficção. Podemos garantir que era muito mais feio do que assistir nas telas.

Por volta das 13h30minh chegamos à Penitenciária Lemos de Brito, fomos separados, desta vez, em dois grupos para aproveitarmos melhor o tempo da visita e para nossa segurança também. Um dos diretores da penitenciária, o Dr. Paulo Roberto Salinas de Oliveira, gentilmente nos acompanhou a esta visita e passou informações importantes sobre o funcionamento da unidade prisional, sobre os presos, sobre o "código de honra" deles, o poder paralelo que se instaurou entre eles, o trabalho que desenvolvem no local, a influência positiva que a fé exerce sobre os detentos quando seguem uma religião, enfim, também histórias que nos assustaram bastante, a ponto de uma colega ter se emocionado e passado mal, chorando de medo. Tem-se medo do homem que se desvia do comportamento social adequado até quando ele está atrás das grades!

O primeiro lugar que visitamos foi às oficinas. Na primeira, o calor era insuportável, foi difícil imaginar como um ser humano suportava aquele lugar. E o pior, nem todos usavam o equipamento de proteção que é exigido pelas normas de segurança para desempenhar a tarefa que eles estavam fazendo. O estado, que restringe a liberdade destes homens quando lhes aplica uma pena, que exige para outros cidadãos tratamento digno no trabalho, este mesmo estado, infringe sua legislação para com aqueles que assumem custódias prometendo ressocialização, negando-lhes direitos fundamentais estabelecidos na nossa Constituição, a saber:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

Onde pode ser constatada a observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana quando presos trabalham numa unidade de segurança máxima sem a proteção adequada, que o estado tem obrigação de fornecer? Que exemplo mais tosco dos responsáveis pela inclusão futura destes homens em sociedade! Não só a Constituição lhes assegura um tratamento digno, como também a legislação infraconstitucional, a CLT assim determina para empresas que estão sob a sua fiscalização, na Lemos Brito seria diferente?

Art. 166 - A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.

Entretanto, o que foi observado, foram condições de trabalho inadequadas neste primeiro espaço visitado, falta de equipamentos de segurança e temperatura extrema. A oficina funciona como uma empresa dentro do presídio,ali são fabricados sacos de plástico para uso doméstico. O Dr. Paulo Oliveira nos informou que nas oficinas o preso tem o direito a receber pelo seu trabalho 70% de um salário mínimo vigente e o restante (30%) fica depositado em uma espécie de poupança para que tenham um auxílio quando deixarem a prisão, aliado a isso, terá aprendidouma profissão que poderão utilizar esses conhecimentos lá fora, caso consigam uma oportunidade de trabalho.

Sabemos, entretanto, das dificuldades que serão enfrentadas, já que os que nunca cometeram nenhum crime estão enfrentando problemas para conseguir uma colocação no mercado de trabalho, para estes homens então o que dizer? Quando este dinheiro acabar, ou tem apoio da sociedade e da família, ou voltam para o crime.

Esclarece o Dr. Paulo que os presos são escolhidos para trabalhar nas oficinas quando apresentam uma boa conduta e que a cada três dias trabalhados, a pena é reduzida em um dia. Apesar das condições de trabalho, é melhor que ficar na cela ou no pátio, ociosos e correndo um risco maior em sofrer uma agressão por parte dos outros presos, também, acumular algum dinheiro e habituar-se ao trabalho. (Alguns trabalhavam antes, outros não).

Após esta primeira oficina, nos dirigimos a outra que nos pareceu mais organizada. Nela são montadas peças com retalhos fornecidos por algumas empresas, formando peças para uso doméstico.

A terceira oficina, a mais interessante, e de acordo com o que foi informado, a mais lucrativa, já exporta os produtos ali confeccionados. São velas ricamente trabalhadas, com perfeição, resultadas de um trabalho impecável dos presos que as produzem. Nesta oficina notamos os primeiros versículos bíblicos decorando as paredes, e no momento da visita tinha um aparelho de som ligado que transmitia um programa evangélico.

Passamos então para a visita aos pavilhões, indo primeiro ao chamado Corpo 1, segundo informações do Dr. Paulo, teríamos que entrar em grupos menores e com muita cautela, não nos aproximando das grades. Ali se encontram os prisioneiros mais perigosos. Ele também nos mostrou o local onde um preso o gritava enquanto estava agonizando antes de morrer, depois de uma rebelião.

Em frente a este pavilhão tinha uma coisa que nos chamou atenção: Uma enorme cruz, no seu lado direito estava escrito "Sodoma" e no seu lado esquerdo "Gomorra", o centro estava vazio.

Os braços daqueles homens, direito e esquerdo, se uniram para praticar o mal, porque o centro, o coração, estava esvaziado de sentimentos que lhes direcionasse para outro caminho. A cruz estava manchada, não tinha lugar para o Senhor que ali dera sua vida por eles. E eles tinham consciência disso.

Passamos depois ao segundo pavilhão, o Dr. Paulo nos informou que aquele era o mais tranqüilo, pois era o "Pavilhão dos Evangélicos". De fato observamos que nas paredes bem coloridas, tinham muitos versículos bíblicos e no centro, em letras grandes estava escrito: DEUS É FIEL.

Neste pavilhão eles vendem artesanato de boa qualidade, jogam bola e conversam. Todos estavam fora das celas, o que nos deu uma idéia de liberdade, de organização, de amizade entre eles. Sabemos, entretanto, que depois das 17 horas, tudo fica mais difícil. A super lotação da unidade é algo terrível, são setenta e oito celas medindo vinte e seis metros quadrados cada uma, e tem uma média de 18 presos onde só caberiam 8,então eles fazem revezamento para dormir. Perguntamos sobre fugas e o guarda que fica no alto do pavilhão nos respondeu que eles sabem que a maioria não consegue escapar dos tiros quando tentam fugir da penitenciária e morrem.

Lá, no topo do pavilhão dá para ter uma idéia, mesmo que superficial, da organização, dos costumes, dos detentos. Dali pode ter uma visão melhor. Neste espaço, com quatro guaritas e cercado por arame farpado, soldados armados, fazem a guarda do presídio. Caminhamos tendo o cuidado de não nos comportarmos como humanos olhando para "animais selvagens". Não foi uma experiência boa contemplar pessoas com sua liberdade restringida, num local medonho, em péssimas condições.

Olhando de cima nos pareceu com instalações da Cruz Vermelha em locais de conflito, onde alguns até brincam em meio ao caos.  Observamos o direito, independe da imposição de regras estabelecidas, indiferente ao meio social a que é aplicado. Ale, é o meio que o cria que o regula, e que o extingue. Eles pareciam nitidamente seguir um chefe, e a ele eram feitas perguntas, como se fosse um tipo de autorização a quem solicitavam... O Comando Paralelo, um "Código de "Honra", próprio, um "Estado" cujas fronteiras eram delimitadas por muros". Como se ali o Estado apenas tivesse mudado seu tamanho geográfico e reduzido seus valores éticos, mas não deixado de existir sob a forma política, administrativa e punitiva. Neste sistema "normativo" quando a honra é ferida por parte de algum dos detentos a sentença é de morte. Ali não precisa ter a pena de morte positivada em tempo de paz, porque é vivida uma guerra diária. E nisto, existe completa omissão por parte do estado, que entende que naquele lugar é impossível impor durante todo o tempo as suas regras de convivência social. Penitenciária para os policiais é o local onde a "escória" se esconde e para onde os "restolhos" vão, para eles não existe recuperação permanente.

O mais triste foi ver jovens serem a grande maioria dos detentos. Uma juventude escorrendo por aqueles "ralos" imundos.

    A maioria é de negros, pobres e sem escolaridade, alguns vítimas da omissão do estado que lhes nega condições mínimas de sobrevivência, empurrando-os para o crime. Vítimas de um sistema econômico perverso que lhes tira tudo enquanto a outros é dado o desfrute do supérfluo e o exagero do consumismo exacerbado.

Este mesmo estado que nega direitos humanos, sociais, paga caro para manter estes homens em unidades prisionais. Outro problema grave que atinge os detentos são as DST's. A tuberculose também tem um alto índice entre eles, graças às condições insalubres que vivem. Para controlar melhor a AIDS existe uma cela para os homossexuais declarados, a H-8.  .

Alguns advogados se apresentam como representantes de certos presos, mas depois, por não receberem os honorários, os abandonam deixando o preso como quem está sendo representado, quando na verdade, por constar nos autos, nem ele (o preso) está representado por advogado algum, nem a defensoria pública pode agir, pois para o Estado o preso consta como representado. O pior é que os processos se amontoam e não temos defensores públicos suficientes para lidar com tantas solicitações, a justiça então prima pela morosidade e omissão, e alguns presos que poderiam deixar o presídio ali permanecem.  .

    Para findar a nossa visita, passamos pela área externa dos pavilhões, onde ainda encontramos alguns presos comercializando artesanato, diga-se de passagem, de excelente qualidade, e a nossa colega que mais fez perguntas aos detentos durante a visita, a Alice, adquiriu uma peça.

Respiramos mais aliviados após a saída dos pavilhões, apesar do horror que tivemos oportunidade de conhecer. Este fato fez com que a grande maioria dos participantes, pudesse valorizar melhor a liberdade, a ordem, as oportunidades que desfrutamos ao estudar, trabalhar, ter moradia, lazer, direito à saúde, dentre outros privilégios, e ao mesmo tempo, constatar que o estado que privilegia classes dominantes, que incentiva um capitalismo selvagem, cujos representantes nos envergonham com sucessivos escândalos, tem muita culpa também para que aquele resultado que assistimos seja uma realidade.

Em todo momento o que nos veio à mente foi: E os princípios que estudamos exaustivamente na faculdade, positivados em nossa Constituição, e em tratados internacionais? São frutos de um estado demagogo, meramente utópico? Quando é que este sistema vai funcionar a contento? Quando os negros e pobres vão ter oportunidades iguais aos outros? Quando este país vai ter uma legislação que seja respeitada por todos, não dando lugar a "legislações paralelas", a "micro estados", cujas fronteiras são muros de concreto?

São indagações que não temos respostas. Então o que fazer, nós que estamos predispostos a sermos profissionais do direito? Em primeiro lugar, devemos ser éticos. Em segundo, devemos buscar nos fundamentos da Carta Magna, nossos ideais maiores. Ideais de Justiça, dignidade e respeito ao semelhante.

Que o direito seja visto como algo, vivo que lida com gente, com uma sociedade dinâmica, com culturas diversas, onde não cabe o preconceito e a discriminação.

Que a busca por um ideal não nos torne adeptos de um consumismo que esmaga quem dele não pode dispor mais que procuremos, não somente criticar o estado nas suas inúmeras deficiências, mas fazer também o nosso papel de bom cidadão, honrados nas suas ações.

Esta visita serviu para que, quem pode encarar este ideal de vida, permaneça neste caminho. Crimes serão encontrados nos diversos segmentos da sociedade, dos mais diversos tipos e nuances inclusive os que nem tem uma feição tão feia. E os criminosos bem distintos dos que vimos na Penitenciária Lemos de Brito, porém, não menos merecedores que aqueles em cumprir pena pelos seus atos.

Que possamos enxergar, mesmo os que erraram, praticando atos condenáveis, como seres humanos, que por vezes precisam apenas de uma oportunidade para ressocialização, e por outras necessitam separar-se da sociedade em unidades prisionais por mais tempo, mais devem ser tratados como pessoas, para que os "sociáveis" não sejam a eles nivelados na sua conduta.

Que estas pessoas devam ser por nós assistidas com respeito, a elas seja dado o direito a ampla defesa, cumprindo o que nos dispomos quando optamos pela carreira jurídica, não apenas como simples operadores do direito.

E que a lei fria não congele nossas emoções, nem a poeira dos códigos nos escureça os olhos (Rosany Souza).


Autor: Rosany Mary Souza


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