Pais socialistas-capitalistas



Manter sua personalidade num mundo que diz constantemente
que você deve ser outra coisa é o verdadeiro feito.
(Ralph Waldo Emerson)

por Carla Vilardi

Acredito que jovens de classe média criados em um ambiente familiar onde o amor e o respeito ao próximo são a base convivem com problemas peculiares. São criados num mundo socialista dentro de casa que entra em conflito constantemente com o capitalismo selvagem vivido fora. É claro que de acordo com a rentabilidade da família e da criação dos pais, o consumismo vai entrando sem pedir licença.

O socialismo instaura a necessidade de divisão, de pensar no próximo e no bem comum. Dividir roupas com irmã, horas no computador com o irmão. Quando não se tem empregada, entra a divisão de tarefas para que a casa fique em ordem. É decretado que o diálogo é obrigatório e agressões físicas ou simplesmente não se falar mais não soluções para os problemas.

Quanto mais pessoas em casa, mais vontades próprias, mais personalidades, mais particularidades, mais gastos e mais dinheiro como pauta para discussões. São nas "discussões" por causa de dinheiro e o que dele provém é que começam as contradições nos conceitos socialistas. E é com a idade dos filhos que as discussões vão aumentando e os pais se contradizendo.

Os perpetuadores do amor ao próximo e das palavrinhas mágicas começam a ser olhados com outros olhos quando os filhos vão ficando mais velhos. Os pseudo adultos começam a colecionar frustrações, alegrias e tristezas. Começam a sentir na própria pele tudo aquilo que os pais protelaram ao máximo. Os problemas que eram mantidos entre adultos ganham notoriedade entre os pseudo adultos. Começa a contestação de "Você não tem moral pra falar de mim" já que os filhos veem que os pais estão LONGE de serem perfeitos. O pulo do gato é justamente AQUI: a reação dos pais socialistas-capitalistas quanto as atitudes do adulto em formação.

Adultos de menos, crianças demais.

Aos 18 anos ouve-se: "Você tem que saber o que você quer fazer pro resto da sua vida ", "Você tem que ter um diploma pra ser alguém na vida", "Vai estudar", "Não vou bancar mais as suas saídas, você tem que TRABALHAR", "Cala a boca, você é uma criança", "Você nunca vai mudar", "Você não pode ter tudo", "Acha que o mundo gira em torno do SEU UMBIGO ? ", "Acorda pra vida! O vida não é fácil não!", "Que fazer intercâmbio o que?"??

e aí, no dia seguinte ou até mesmo no MESMO dia:

"Se passar pra faculdade te dou um carro", "Quer dinheiro pra sair, você não pode ficar estudando tanto assim, tem que se distrair", "Você não é mais criança", "Que trabalhar o que, você tem é que ESTUDAR!", "Quer o meu carro emprestado? ", "Comprei uma Tv de plasma pra você", "E aí já viu as coisas do intercâmbio!?"?

Ou seja, um morde e assopra do cacete. E aí, o pseudo adulto nunca sabe quando pedir dinheiro ou não, se os pais tem ou não para dar, se vai estar agradando ou desagradando. Começa a se questionar se vai ser bem quisto tomando umas atitudes ou outras, se tem que trabalhar ou estudar, se é criança ou adulto, se sabe da vida ou não. No meio de tanta contradição fica difícil saber que atitudes tomar por conta própria . Até porque se as escolhas não são bem sucedidas, os pais podem ser cruéis.

Dor que vem da consciência ou do meio em que vive?

Um pseudo adulto da minha época ao pedir menos é ingrato. Ingrato com os pais que trabalham pra dar o que não tiveram, por estar próximo a pessoas que não tem a mesma coisa porque não podem pagar. Ingrato com o seu lado capitalista e com toda a base da sua educação acadêmica. Afinal, consegue-se o diploma pra que ? Porque, além dos benefícios intelectuais, é tão importante estudar ? Por que se basear no que gosta se o que importa é profissão que dá dinheiro? Por que querer menos se toda a educação acadêmica te prepara para que você queira sempre mais ? Principalmente mais dinheiro e não mais conhecimento.

O dinheiro vira a causa e o conhecimento consequência. Fico feliz pelos adaptáveis que conseguem aturar muita coisa só pra seguir essa ordem. Muitos até pegam o gostinho pela coisa ( pelo emprego, não pelo dinheiro). Agradam aos pais e talvez a eles mesmos. Para muitas pessoas tanto faz.

A verdade é que muitos desses pais de classe média buscaram tudo que tem. Começaram do zero. O que eles tem a dizer aos filhos deles, que tem tudo SEM TER QUE TER BUSCADO NADA ? Palestrar sobre a época em que era criança? Sobre a época em que casou? Sobre a época em que trabalhava pra pagar a faculdade e conseguia conciliar tudo? Acho que não é por aí e mais, que as relações nas famílias de classe média SÓ VÃO MELHORAR quando os pais pararem para OUVIR. Quando eles entenderem que na vida de um pseudo-adulto da minha época quem deve palestrar é o FILHO e não o pai.

Quando um pseudo adulto fala, o adulto abaixa a orelha

A geração da internet sabe um vocabulário novo, sabe interagir sem causar guerras xenófobas, é obrigada a engolir preconceitos, a aceitar diferentes pontos de vista, a ser diplomática. A geração capitalista de pseudo adultos brasileiros NÃO ESQUECE o lado socialista que por algum momento na vida teve que passar. Seja ele dentro de casa, seja ele entre amigos, no ônibus, no metrô. Na convivência entre diferentes classes sociais, cargos na empresa e outros ambientes coletivos marcados por diferenças de " poder".

Vi um filme sobre a vida em aldeias. Muito legal pra quem NASCE e CRESCE lá. Agora pra quem nasce e cresce na sociedade urbana capitalista e vive das maravilhas do setor terciário não tem como achar uma vida na tribo legal. Tem coisas que só o dinheiro compra e digam o que quiser mas o capitalismo é o que empolga nossa vida. E mais, que hoje em dia, preenche, nos dá razões para viver.

Como li uma vez, um esfomeado não dá o prato de comida ao outro. A não ser que seja seu próprio filho. O do vizinho já não é problema dele. E concordo. Só se rendendo a cultura da endinheiração que se consegue concretizar sonhos até mesmo do mais convicto socialista. Acredito, inclusive, que só pessoas que pensam em si mesmas primeiro é que desencadeiam atos altruístas. Ao planejar a vida, geralmente contam com fatos como casar e ter filhos. Se a felicidade do outro passa a ser sua felicidade, e a recíproca for verdadeira já é um primeiro passo para ser uma pessoa realizada. Além disso, hoje em dia as relações amorosas são menos a 2 e tem cada vez mais a influência da família de ambos os lados, das amizades que não perdem o contato e da necessidade de planejamento para o futuro.

As pessoas hoje em dia planejam MUITO MAIS a vida. No ano tal isso, no outro isso. Espero imensamente que a minha geração faça isso quanto a ter filhos. Se por acaso o filho vier e não for parte do planejado, que se exploda o planejado. MUDE os planos. MAS por favor, PELA sua saúde mental E POR CONSEGUINTE DA HUMANIDADE, não taque sobre ele as suas frustrações. Esse, e não o dinheiro, ou que seu filho vai ser, ou isso ou aquilo, é que é o mal dos pais socialistas-capitalistas hoje em dia.
Autor: Carla Vilardi


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