ESTUDO COMPARATIVO SOBRE AS OBRAS: De Almeida Garrett ''Teatro de Frei Luís de Souza'' e De Eça de Queirós ''O Primo Basílio''



ESTUDO COMPARATIVO SOBRE AS OBRAS:
De Almeida Garrett "Teatro de Frei Luís de Souza" e De Eça de Queirós "O Primo Basílio"

DANIELLA HORA GOUVÊA

Este ensaio literário foi parte de um trabalho acadêmico apresentado à disciplina Literatura Portuguesa, como parte de avaliação.

Professora graduada em Letras Português-Inglês pela Faculdade Atlântico. Aracaju/SE e pós-graduada em Educação Inclusiva pelo CINTEP.

Aracaju - SE
2007

Introdução

O presente trabalho possui o objetivo de realizar o estudo comparativo entre uma obra do romantismo e uma obra do realismo, tendências importantes da literatura portuguesa.
A obra romântica escolhida foi o teatro Frei Luís de Sousa, cujo autor é Almeida Garrett, e a obra realista escolhida foi O Primo Basílio de Eça de Queirós.
Foi adotada a estratégia de analisar, de forma comparativa, os aspectos da linguagem, da temática e da estrutura narrativa, visando o conhecimento da natureza e da funcionalidade da literatura portuguesa para o desenvolvimento de um trabalho acadêmico, de cunho científico, a partir de senso crítico, contribuindo também para a prática de leitura literária, bem como colaborando com uma mudança social e intelectual.
O que nos levou a este estudo foi o compromisso com a disciplina literatura portuguesa inicialmente, mas a certeza de que os resultados deste trabalho poderão contribuir também com o melhoramento do ensino de literatura, nos convenceu da importância desta pesquisa.
Para fundamentação serão utilizadas obras da literatura comparada, sendo realizada uma leitura geral para análise, privilegiando as diferenças e elencando as semelhanças, e pesquisa de suas estruturas, organizada sistematicamente em um documento.


Análise Comparativa


O Romantismo e o Realismo são estilos literários que floresceram em Portugal no século XIX. O Romantismo apresenta dois momentos significativos; o primeiro é marcado pelos esforços de introduzir e solidificar o movimento na literatura, apoiado no nacionalismo, o segundo, representando a maturidade e, ao mesmo tempo, a transição para a tendência realista, que começa a partir da década de 50 do século XIX.
A primeira tendência foi introduzida com o poema romântico Camões, de Almeida Garrett, enquanto que a seguinte foi um movimento ligado a ciência, fundada por Augusto Contro, positivista, e teve como marco a obra O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós.
O primeiro dos ideais românticos é o culto do eu; associado ao individualismo surge a livre expressão da sensibilidade, condimentados com a necessidade de evasão e exotismo no espaço e no tempo, fórmula com tradução artística no gosto pelas paisagens medievais e pela fuga para espaços inexplorados. Possui como principais características o narrador em primeira pessoa, idealização ao ser amado, crítica indireta, subjetivismo, fantasia, amor platônico, separação, pessimismo, busca do absoluto. Foi dividido em três gerações a nacionalista, defensores da nação devido aos conflitos políticos, cultuavam a terra e eram conhecidos também como idianistas, a byroniana, obras melancólicas e pessimistas, e a libertária, saindo do mergulho da subjetividade, início da preparação para o realismo.
O Realismo em Portugal não significou apenas uma renovação da própria literatura, nas suas formas de expressão, representou uma tentativa de tirar todo o país da visão romântico-cristã e levá-lo à modernidade, por meio de novas idéias ligadas a ciência e a filosofia. Este movimento, ao contrário do romantismo, possui o distanciamento do narrador, valoriza o que se é, faz crítica direta, é uma mistura de épico e lírico, traz a objetividade nas obras, apresentando imagens sem fantasias, enfatizando o cientificismo e o materialismo.
Frei Luís de Sousa foi um drama inspirado na tradição de um complicado e doloroso episódio matrimonial vivido, no fim do século XVI, por Madalena de Vilhena, esposa de D. João de Portugal, mulher recatada, virtuosa, cristã, que foi impedida de desfrutar plenamente a felicidade de estar casada com D. Manuel, seu verdadeiro amor. D. Manuel Coutinho de Sousa, protagonista, foi o herói romântico, que abandonou o nome de batismo e ao ser convertido em frei, passou a se chamar Frei Luís de Sousa.
As personagens são descritas ao longo da peça e através dos diálogos, não há referências aos atributos físicos, exceto em raríssimos casos como o de Maria que sabemos ser uma menina franzina. Os criados não são descritos de forma alguma, somente seus nomes e suas ocupações são mencionados e a classe fidalga é privilegiada neste sentido. As personagens Telmo Paes e Frei Jorge crescem no terceiro ato, tornando-se fundamentais para o desfecho trágico da peça. Almeida Garrett trata D. Sebastião e Luís Vaz de Camões de forma tão atenciosa, que podemos considerá-los personagens secundários. A trajetória das personagens limita-se às cidades Lisboa e Almada. No teatro não há um narrador, porém o contexto apresenta um narrador oculto, entre linhas, defensor, que de alguma forma se envolve com as personagens e o enredo.
O Primo Basílio é um romance de Eça de Queirós, publicado em 1878, narrado em terceira pessoa, apresentando um narrador onisciente que não consegue distanciar-se por completo de suas personagens, sendo empregado no enredo a futilidade, a ociosidade da sociedade, constituindo uma análise da família burguesa urbana no século XIX. O autor faz uma crítica à província, voltando-se para a cidade, a fim de sondar e analisar as mazelas na capital, para tanto, enfoca um lar burguês aparentemente feliz e perfeito, mas com bases falsas. A criação das personagens denuncia o compromisso com o tempo, a obra funciona como arma de combate social. O espaço é Lisboa, a casa de Luísa e Jorge, o Paraíso, o Alentejo, embora esses dois últimos lugares não sejam mostrados pelo narrador, apenas referidos. Lisboa é o cenário de crítica, é o espaço da sociedade por onde transitam as personagens e onde expõem suas condições sócio-econômicas. O romance realista traz a história de Luísa, uma mulher casada, frustrada, que comete adultério, como saída do cotidiano do casamento, e é chantageada pela criada Juliana. No romance não está em questão a psicologia das personagens, mas os mecanismos sociais que determinam suas ações, ou seja, faz reflexão crítica sobre a organização da sociedade burguesa em Portugal. Outros tipos sociais poderiam ser mencionados, como Jorge, o marido medíocre de Luísa, entretanto, os detalhes ficam por conta do próprio escritor, pois é uma das características de seu estilo. Filiado à estética naturalista, a obra apresenta uma problemática individual como forma de representar questões de uma coletividade. O narrador realista ele apresenta um conflito social, enfocando a razão apresentada em crises, fazendo crítica aos ideais românticos.
As características românticas em Frei Luís de Sousa é o nacionalismo, em que as personagens falam e agem demonstrando um patriotismo ufanista: "-O meu nobre pai! Oh, meu querido pai! Sim, sim, mostrai-lhe quem sois e o que vale um português dos verdadeiros!" (GARRETT, ato primeiro, cena VII, fala de Maria, p. 78, 1996). A idealização da personagem feminina; Maria, D. Madalena e D. Joana de Castro são exemplos das diversas virtudes, como Maria é citada na obra como um anjo de bondade. O pessimismo que é facilmente detectado no diálogo das personagens:

"-Hoje... hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça... É um dia fatal para mim: faz hoje anos que... que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião, e faz anos também que... vi pela primeira vez a Manuel de Souza." (GARRETT, ato segundo, cena X, fala de Madalena, p. 106, 1996)

Notamos que esse pessimismo explícito abre portas ao metafísico, sob forma de presságios, que disputam igualmente com os dogmas do catolicismo, a fé popular. As personagens acreditam em Deus, mas acreditam que seus medos e que suas sensações de avisos ruins realmente acontecerão. Os sentimentos e emoções conturbados, ou seja, não há paz e harmonia nos relacionamentos das personagens, uma vez que o amor e o medo caminham juntos, acabando em reações impulsivas e precipitadas, movidas pelo desespero: "-Meus irmãos, Deus aflige neste mundo aqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no Céu." (GARRETT, ato terceiro, cena XII, fala de Prior, p. 138, 1996).
O Primo Basílio é uma obra realista que possui uma heroína romântica, onde Eça de Queirós faz Luísa sofrer o martírio por sua característica, assim como as características estão evidenciadas nas personagens; o objetivismo, a negação do subjetivismo romântico, o uso abusivo de descrições e de adjetivos:

"Ficara sentada à mesa, a ler o Diário de Notícias, no seu roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco de calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dous anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates." (QUEIRÓS, p.21, 2004)

A crítica direta, a idealização da razão, a narrativa preocupada com análises psicológicas dos personagens e fazendo críticas à sociedade a partir do comportamento desses personagens:

"Mas Luísa chorava sem responder. Leopoldina olhava-a, petrificada. - A Juliana apanhou-me umas cartas! ? disse enfim por entre soluços... - Quer seiscentos mil-réis! Estou pçerdida... Tem-me martirizado... Quero que me digas, vê se te lembras... Estou como douda. Sou eu que faço tudo em casa... Morro, não posso! ? E as lágrimas redobravam. (..) - Que expiação esta, Santos Deus, que expiação!" (QUEIRÓS, p.274, 2004)

Diante da análise comparativa das obras mencionadas, pode-se observar principalmente as diversidades das tendências literárias, romantismo e realismo. Porém, as semelhanças estão expostas na estrutura narrativa e na montagem das obras, as quais apresentam personagens, temas polemizados e, na maioria das vezes, um narrador.


Considerações


A análise comparativa de obras do romantismo e do realismo contribuiu para uma mudança intelectual, cultural e social a partir de uma pesquisa organizada e fundamentada na teoria literária.
Não se trata apenas de um simples trabalho acadêmico, uma vez que proporcionou experiências importantes, não somente para a vida científica, mas principalmente para a vida cultural e social, além de subsidiar outros trabalhos.
Conclui-se que o realismo foi um movimento ligado a ciência e filosofia, defensor da razão, enquanto que o romantismo foi um modelo ideal de vida, amor, arte e literatura.
É necessário ratificar que o drama romântico e a crítica realista não disponibilizam simples informações aos leitores e pesquisadores, mas sim considerações, desenvolvendo o senso crítico e a argumentação.

Referências

CEREJA, William Roberto, e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Panorama da Literatura Portuguesa. 2ª edição, Revista e Ampliada. São Paulo, Atual Editora, 1997.

MASSAUD, Moisés. A Literatura Portuguesa. 32ª edição, Editora Cultrix, São Paulo, 2002.

GARRETT, Almeida. Frei Luís de Sousa. Edição dirigida e apresentada pó Antônio Soares Amora. 19ª edição, Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio, texto integral. Editora Martin Claret, São Paulo, 2004.
Autor: Daniella Hora Gouvêa


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