UMA REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE NORDESTINA E A VIDA DO HOMEM NESSE CONTEXTO.



UMA REFLEXÃO SOBRE A REALIDADE NORDESTINA E A VIDA DO HOMEM NESSE CONTEXTO.



Cosmo Gean da Silva Monte





Neste trabalho, temos como objetivo apresentar a análise do conto (capítulo) "Mudança" do romance "Vidas Secas" do escritor modernista Graciliano Ramos, obra que está inserida no romance de 30, cujo romance é caracterizado por adotar uma visão crítica das relações sociais, com a marca do regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra e pelas imposições atribuídas pelo meio. A análise é voltada, principalmente para discussões sobre o homem e sua relação com o quadro em que se situa a terra, o meio, conforme afirma Afrânio Coutinho (1997- p. 264), e constitui-se na história da retirada de uma família fugindo da seca. Fazendo parte dela Fabiano, sua esposa Sinhá ? Vitória, dois filhos caracterizados pelo autor como "menino mais novo" e o "menino mais velho" e ainda uma cachorra chamada "baleia". No capítulo em análise é discutida a aridez e rusticidade da terra, o sofrimento da família em meio às condições precárias do ambiente que se traduz na escassez de água, alimentos e na vegetação peculiar de regiões secas, além de terem que enfrentar as pressões psicológicas que afligem seu interior enquanto eles refletem sobre suas condições no mundo.







PALAVRAS-CHAVES: Homem ? Conto ? Graciliano Ramos
















INTRODUÇÃO


Natural de Quebrângulo, Alagoas, Graciliano Ramos estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Foi um ativo participante do movimento de 30, período caracterizado pelos abalos sofridos pelo povo brasileiro com a crise econômica provocada pela queda na bolsa de valores de Nova Yorque, a crise cafeeira o que acelerou cada vez mais o declínio do Nordeste. Graciliano fazia fortes críticas e denuncias com relação ao sistema vigente, onde por este motivo foi considerado como sendo um comunista, chegando há passar dois anos preso.
Através das escritas que vieram a compor muitas de suas obras, verificamos que se trata de romances caracterizados inter-relacionamentos entre as condições sociais e naturais e a psicologia das personagens. Trata-se de romances admiráveis, como é o caso de "Vidas Secas", não só pela caracterização das personagens, mas também pelo aspecto de caráter social que se verifica na problemática. Personagens como estes enfatizados em Vidas Secas, por Graciliano Ramos, são considerados os mais significativos da literatura brasileira do século XX, mais especificamente do Modernismo da ficção de autores pioneiros do ciclo nordestino em que estão situadas as personagens de "vidas secas", como podemos perceber em Afrânio Coutinho (1997, p. 264):

É a corrente regionalista, ou regional, na qual em sua maioria, o homem é visto em conflito ou tragado pela terra em seus elementos, uma terra hostil, violenta superior as suas forças. Esse meio tanto pode ser as áreas rurais e campesinas, como as cidades, grandes centros urbanos, zonas suburbanas ou pequenos aglomerados, as primeiras manifestações manipulando os tipismos locais, as últimas os cenários urbanos, ambas ressaltando a pequenez do homem em relação aos problemas que o ambiente lhe impõe. Nesse sentido, pode-se afiançar que a maior parte da ficção brasileira é de fundo regional.


Feitas tais considerações, nosso objetivo seguinte é analisar "Mudança". Trata-se do primeiro capítulo ou conto da obra "Vidas Secas" de Graciliano Ramos. Trata-se de uma narrativa em terceira pessoa que conta a história de uma família que inicia uma fuga do Nordeste brasileiro vitimadas das condições naturais e sociais impostos pelo sertão nordestino, causando tanto sofrimento a família das personagens Fabiano e Sinhá Vitória que chegaram ao ponto de não terem o que comer e nem se quer o que beber:

A planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredia bem três léguas. Fazia horas que procuravam sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. Graciliano Ramos (1892-1953 p. 09).

A família constitui-se da figura paternal, Fabiano da mãe sinhá Vitória, do menino mais velho e do mais novo e da cachorra Baleia "Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça; Fabiano sombrio; cambaio, a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao contrario, a espingarda de perdenera no obro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás" (Graciliano Ramos 1892-1953, p. 09). O que conseguimos perceber com maior ênfase, nas avaliações acerca desta vida dessa família é o sofrimento a que são submetidos por imposição das condições naturais do ambiente que habitam.
Em meio às precárias condições de vida do sertão agravados pela seca, esta família que se encontra em situação de total flagelo humano, procura em meio a tantas dificuldades, uma saída sustentados pela esperança e movidos pelo sonho de encontrar um lugar que garanta sua sobrevivência. Nas torturas a que eles são submetidos nesse meio cruel da terra sertaneja, tanto são martiriza suas estruturas físicas, como também ficam abaladas e transtornada sua estrutura psicológica é o que percebemos nas atitudes conturbadas e descontroladas de Fabiano:

Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o buço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estava perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardo-a no cinturão, acocorou-se pegaram no pulso do menino que se encolhiam, os joelhos encostados ao estomago, frio como um defunto. Ai a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. (Graciliano Ramos, 1892-1953, p. 10).


Diante daquele semblante de extrema pobreza de vida, de ambiente que não lhes proporcionavam nem ao menos um conforto físico, pois a aridez da terra quente e o sol rachante do sertão agravam mais ainda o seu sofrimento ao ponto de torná-los criaturas secas envolvidas em um sentimento grotesco de solidão, de egoísmo e de resignação. Podemos observar que eles não mantinham diálogo durante a viagem. Sem ter no mínimo o prazer de puxar uma conversa, estavam voltados para dentro de si mesmos, sem nenhuma perspectiva de vida e com pensamentos e objetivos únicos de melhorar aquela situação, de encontrar uma forma de sair do martírio que é está com fome e sede:

A fome apertara de mais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés a cabeça, os ossos do amigo e não guardava lembranças deste. Agora enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares. Graciliano Ramos (1892-1953 p. 11).


Era incessante o desejo da família de encontrar um lugar que pudesse saciar suas necessidades. Principalmente de saciar a fome, e os caminhos que eles percorriam durante a viagem eram sempre dolorosas cheios de obstáculos, de espinhos, de garranchos, uma paisagem típica do sertão nordestino que dificulta ainda mais a vida dos personagens. Eles estavam sempre atentos e sempre tinham uma vaga sombra de visão de juazeiros, a única árvore que mantém um verde em meio à caatinga a toda vegetação seca, eles tinham a esperança de encontrar aqueles juazeiros, uma sombra que lhes proporcionassem um descanso: "deixaram a margem do rio acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra". Graciliano Ramos (1892-1953 p. 12).
Em busca de encontrar um melhor lugar para habitarem. Fabiano e sua família seguiram sua viagem na ansiedade e na esperança de encontrar esse lugar, ou pelo menos que a situação daquele lugar mudasse, eles viam poucas aparições de nuvens um fio de esperança de voltar à chuva e transformar aquela paisagem seca. Até que em certo momento da viagem eles encontraram um lugar que lhes fizeram criar esperanças de melhora, só que logo eles saíram do sonho e voltaram à realidade, quando perceberam que o que eles encontraram era apenas uma antiga fazenda abandonada, talvez pelos mesmos motivos que os tornaram retirantes, ou seja, as péssimas condições da região:

Estava no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tenham fugidos. Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreno do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. Graciliano Ramos (1892-1953 p. 13).


A tristeza e a desilusão que se abatia principalmente em Fabiano e Sinhá Vitória é desoladora, pois eles se sentiam diante de um sentimento cruel e doloroso para o ser humano que é a incapacidade e a impotência de poder salvar a vida de seus filhinhos, apenas matando sua fome. Era grande o remoço e a insegurança dos pais quando olham para seus filhos e vêem tão inocentes, tão decadentes, tão frágeis umas pobres criaturinhas vitimadas pela fome e pela cede e que poderiam a qualquer momento morrerem em meio aquele cenário infernal de morte de calor e de bichos selvagens:

Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se somaram suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá vitória, um abraço cansado aproximou-se os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem animo de afrontar de novo a luz dura receosa de perder a esperança que os alentava. Graciliano Ramos (1892-1953 p. 14).


Apesar de tantas dificuldades que aquele cenário representava, na mais pura solidão do lugar, pois eram mínimos os restos de vida que resistiam as condições do lugar. Fabiano, assim como todo homem do sertão que sofre os efeitos da seca, sempre busca um fio de esperança, com o constante gesto de vigília quanto ao tempo. A todo o momento ele olha para o céu na esperança de ver formar um nevoeiro que possa trazer a chuva, este pobre homem que se sente perdido em meio aquela situação de desespero se volta para si e começa a refletir sobre sua vida, sobre a vida de sua família. Ao mesmo tempo em que se esforça para conseguir recursos para saciar a fome e a sede deles:

Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu grande e branca. Certamente ia chover. E ele Fabiano, era como a bolandeira, não sabia por que, mas era. Uma, duas, três havia mais de cinco no céu. A lua estava cercada de um halo cor de luta. Ia chover. Bem, a caatinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, Fabiano seria vaqueiro daquela fazenda morta. Graciliano Ramos (1892-1953 p. 15).





































CONCLUSÃO


As mazelas de uma terra e de um povo tão sofrido tanto pelos fenômenos naturais quanto sociais. Esse é o cenário característico do nordeste e onde o homem sofre essas conseqüências, que se vêem com seu futuro e suas vidas totalmente comprometidas pela incerteza da sobrevivência, nesse conto verificamos através da trajetória de uma família nordestina que tenta desesperadamente fugir da seca, de uma terra morta onde não brota a vida.
Portanto, podemos concluir que "Mudança" é justamente essa tentativa que essa família de retirantes flagelados, na figura de Fabiano um homem embrutecido pelas condições do sertão nordestino que vive em conflito psicológico com ele mesmo, fazendo uma análise de sua vida e chegando a triste conclusão de ele não passa de um bicho em um cenário selvagem.























REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


COUTINHO, A. A Literatura no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Global, 1997.
RAMOS, G. Vidas Secas. 99ª ed. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2006.

Autor: Cosmo Gean Da Silva Monte


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