Comparação das idéias de Otto Neurath e Moritz Schlick



Sob o ponto de vista solipsista, defendida por Schlick, as proposições protocolares faziam referência a dados sensíveis, enquanto o fisicalismo de Neurath as concebia como proposições referentes a objetos físicos, públicos, exteriores ao sujeito. Nas palavras de Neurath: "a ciência unificada constitui-se de sentenças factuais, que podem ser subdivididas em sentenças protocolares e sentenças não protocolares".
Sentenças protocolares são sentenças factuais como as outras, contendo nomes de pessoas ou nomes de grupos de pessoas ligados de determinada maneira com outros termos, os quais são, do mesmo modo que aqueles, tomados da linguagem comum.
Os fisicalistas consideravam que a referência a dados sensíveis inviabilizava a objetividade e a intersubjetividade, que devem ser características marcantes do discurso científico.
Schlick contra-argumentou mostrando que o dado sensível deveria ser concebido como composto de dois elementos: estrutura e conteúdo.
Assim, quanto ao conteúdo, o dado sensível seria de fato incomunicável.
Entretanto, quanto à estrutura não se poderia dizer o mesmo. É assim que, se não podemos saber se a impressão que uma pessoa associa à palavra "vermelho" é a mesma que outra pessoa associa à mesma palavra, é lícito, por outro lado, sustentar que se estabelecem as mesmas relações entre as impressões associadas à s palavras "vermelho", "verde" e "azul", quaisquer que sejam essas impressões para cada indivíduo: "Todavia, mesmo que todos os seus juízos sobre cores concordassem totalmente com os meus, nunca poderei deduzir daí que ele está experienciando "a mesma qualidade". Poderia ser que, ao olhar o papel verde, ele tenha a experiência de uma cor que eu denominaria "vermelha"; da mesma forma, seria possível, vice-versa, que nos casos em que eu enxergo vermelho, ele experiencie o verde, porém o nomine naturalmente "vermelho", e assim por diante. (...) seria em princípio impossível descobrir essas diferenças entre a sua experiência e a minha. (...)"
Todavia, Schlick conclui afirmando: "A "qualidade" das experiências é inteiramente irrelevante, requerendo-se apenas que possam enquadrar-se da mesma forma em um sistema."
Os solipsistas consideravam que a proposição protocolar, fazendo referência a objetos exteriores ao sujeito, perde seu grau de certeza máxima, deixando de ser um critério conclusivo para a verificação de hipóteses. O que abandonar em caso de conflito, a hipótese ou a própria proposição protocolar? Em Sobre o Fundamento do Conhecimento, Schlick pergunta se não estará, dessa forma, sendo a ciência colocada fora do controle dos fatos: "... proposições fatuais, assim entendidas, em princípio revestem exatamente o mesmo caráter que todas as outras proposições da ciência: são hipóteses, nada mais do que hipóteses."
Essa crítica soma-se à seguinte acusação schlickiana: "A negação da existência de um mundo externo transcendente seria uma proposição tão metafísica quanto a sua afirmação."
Os fisicalistas defendem-se, sustentando que enunciados e fatos são realidades de espécies diferentes, só havendo sentido em falar de correspondência entre enunciados e outros enunciados, que são privilegiados em dado momento por razões de conveniência. Observa-se aqui uma postura convencionalista, que já considera a insuficiência de critérios apenas empíricos na verificação de teorias científicas, fazendo intervir razões de conveniência.
Toda essa discussão acerca da natureza dos entes que devem povoar as proposições protocolares ou basilares reduz-se à questão da estruturação de uma linguagem observacional adequada ao projeto científico. Tal linguagem, supostamente capaz de fazer referência inequívoca aos dados da experiência imediata, serviria de fundamento seguro para as mais ousadas proposições científicas, ou seja, as hipóteses, desde que fosse possível estabelecer uma vinculação consistente entre ela e a linguagem teórica da ciência. Assim, as condições de verificação de uma hipótese científica estariam atreladas às condições de verificação das proposições protocolares a ela vinculadas, ou dela decorrentes.
Autor: Daniel Feix


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