DESAFIOS, LIMITES E PERSPECTIVA DA LEI 10.639/2003



Erineide dos Santos Lima¹

RESUMO

A lei 10.639/2003 que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-descendente e africana nos currículos da educação básica nasceu das reivindicações do Movimento Negro e exige a colaboração e o esforço de Universidades governo e educadores no sentido de garantir sua ampla efetivação. Durante a realização deste trabalho na escola estadual Sílvia Coutinho em Simões-PI, ficou claro que o racismo hoje é o senhor de engenho de ontem e precisa ser combatido, e isto só acontecerá através do diálogo e do conhecimento da história como ela realmente aconteceu.

Palavras chave: África, Afro-descendente, escola, educadores e igualdade racial.

CHALLENGE LIMITS ARE PERSPECTIVE OF THE LAW 10.639/2003

ABSTRACT

The law 10.639/2003 that turns obligatory the history teaching and afro-descending and African culture in the curricula of the basic education were born of the revindications of the Black Movement and it demands the collaboration and Universities government's effort and educators in the sense from guaranteeing its wide efetvação. During the accomplishment of this work in the state school Sílvia Coutinho in Simões-pi, of course the racism today is you of yesterday mill and he/she needs to be combated, and this will only happen through the dialogue and of the knowledge of the history like her happened really.

Words key: Africa, Afro-descending, school, educators and racial equality.

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Aluna do curso de especialização em pedagogia escolar da SOET em Simões-PI trabalho apresentado sob requisito para obtenção do título de especialista
1. INTRODUÇÃO

Todo Amanhã se cria num ontem,através de hoje de modo que
O nosso futuro baseia-seno passado e corporifica no presente.
Temos que saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos.
(Freire, 1997)

O presente estudo foi desenvolvido com objetivo de investigar a Lei 10.639/2003 que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África e dos afro-descendentes seus desafios, limites e perspectiva, lei esta que tem provocado debates tanto no âmbito judicial quanto educacional, pois traz consigo dificuldades contradições e possibilidades.
Primeiramente, será relatado o significado desta lei para o ensino no Brasil que resultado trará para educação, assim como a necessidade da efetivação da Lei para que a educação seja de fato um instrumento para abolição dos preconceitos e discriminações contra o segmento negro da sociedade e para a emancipação do ser humano, pois nenhum indivíduo cresce desconhecendo ou desvalorizando sua história.
Será abordado neste trabalho a presença dos africanos no Brasil, pois estes estiveram presente em todas as regiões brasileiras garantindo o desenvolvimento de cada uma destas regiões, só que essa história a escola não datou.
Por último, serão analisadas as dificuldades de material pedagógico e a formação do professor que são dois pontos que aguçam os debates em termo da Lei 10.639/2003, já que o material pedagógico ? muitas vezes este é apenas o livro didático ? é europeizado e discriminatório, quanto ao professor, este não foi preparado para trabalhar esta temática e muitos ainda trazem a visão de que formar o cidadão é formar para concorrência e quanto mais conhecimento dos conteúdos mais preparados estarão.
A pesquisa irá mostrar verdades e mitos a respeito da Lei em estudo traçando um paralelo entre o que já tivemos em matéria de educação, o que temos e o que poderemos ter com a ampla efetivação da Lei.

2- LEI 10.639/2003, O QUE É E O QUE REPRESENTA?

"Nenhuma lei é capaz por si só, de operar transformações profundas, por mais avançada que seja." (ROMANELLI, 1999 p. 35)
A lei 10.639/2003 vem alterar a atual LDB que passa a vigorar acrescida dos artigos 26-A, 79-A e 79-B. Esta lei resulta de reivindicações dos negros acolhidas pelos deputados Bem Hur (MTS) e Esther Gross (RS) ambos, então, parlamentares do PT e traz novas bases para o ensino colocando a obrigatoriedade do ensino da temática "História e cultura Afro-Brasileira"nos currículos das escolas públicas e particulares de ensino Fundamental e Médio.
Os conteúdos referentes a história e Cultura Afro-Brasileira serão ministrado no âmbito de todo currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística, de Literatura e História brasileira (INCISO2º 26-A),ou seja, a Lei vem incorporar nas escolas brasileiras valores e culturas afro-descendentes e africanos, segundo o professor Carlos Moore Wedderbun "A Lei é uma porta aberta para se escrever uma história nova". Uma História nova, livre do eurocentrismo, uma história que valorize aqueles(as) que muito contribuíram para formação do nosso país.
É urgente que se reconheça a participação do povo africano na construção da sociedade brasileira e esse reconhecimento só acontecerá a partir do momento que conhecermos a história destes homens e mulheres. E só conhecemos Estudando a África na perspectiva de entendermos a história do e Brasil da África, isso mudará a visão que temos de ambos.
Poucos são os brasileiros que conhecem o continente africano, berço da humanidade, como ele é, poucos sabem, por exemplo, que ele corresponde a 22% da superfície sólida do planeta que possui mais de dois mil povos, diversas formas de organização social e que foi responsável pelo desenvolvimento do Brasil, que foram os povos desse continente que vieram construir o Brasil através de técnicas empregadas na África e desconhecida aqui no Brasil.
A história tradicional desvaloriza o fato da humanidade ter nascido na África, e ter passado lá toda dificuldade para sobreviver e ser o que é hoje:

Há 2 milhões de anos, esses seres humanos, conhecidos como hominídeos,viviam principalmente nas regiões dos atuais Quênia,Tanzânia e Etiópia.(...). No leste da África, os primeiros humanos costumavam acampar às margens dos leitos arenosos de rios ou em campinas:nesses locais,foram encontrados alguns restos de animais deixados por eles. Conseguiam adaptar-se a climas mais frios e, na Etiópia, preferiam os planaltos abertos, a uma altitude de 1.600 ou 2.0000 metros acima do nível do mar.Nas florestas sempre verdes das regiões montanhosas, também se sentiam em casa:sua adaptabilidade era impressionante(...). De modo geral, na impiedosa competição por sobreviver e multiplicar-se,os humanos tiveram sucesso.Nas regiões da África que habitavam,era em número bem menores que as espécies de grandes animais,alguns deles agressiva; ainda assim,os humanos prosperaram(...)Os leopardos e os leões devem ter sido temido pelos humanos.Obviamente,cada pequeno avanço na capacidade de organização foi uma ajuda vital para a autodefesa, principalmente à noite.Sem a habilidade de cooperação contra o inimigo,é possível que os primeiros humanos a se arriscarem em novas áreas tropicais tenham sido facilmente eliminados por predadores.
(BLAYNEY, 2007, p. 06)

Abandona-se o fato de que da humanidade sempre "recorreu" a ÁFRICA nos momentos de crise como, por exemplo, na época das grandes navegações quando Portugal em busca de lucros desembarca na costa africanas com seus barcos munidos de armas gente e saqueiam os centros comerciais, roubando e matando africanos em nome do lucro, ou quando, ainda no século XVI, no momento de crise a Europa decide correr para África buscar mão-de-obra, surgindo daí o mercado negro que enriqueceu a muitos e devastou a África.
Segundo o autor Carlos Eduardo Novaes e Vilmar Rodrigues em seu livro "Capitalismo" para principiantes foram mais de 100 milhões de pessoas convertidos em escravos, segundo os mesmos autores a devastação era tanta que o Rei Afonso do Congo proibiu os mercadores negros de negociar escravos com europeus. Conclui-se que não há como conhecer história do mundo sem antes conhecer a história da África.
Conhecer discutir e valorizar este continente é a proposta da Lei 10.639/2003, pois como bem salienta a professora Helena Theodoro "O Brasil só vai ser Brasil quando se orgulhar de todas as partes que a forma". Lembrando que no Brasil cada região sofreu influência de um determinado povo africano, porém, a história oficial se encarregou de ocultar esta verdade, a Lei então se apresenta como oportunidade de reparar a dívida histórica e social que temos com a África.
A África nunca foi indenizada pelas invasões, pelos saqueamentos, pelo colonialismo, pelas estruturas escravagistas que tirou milhões de seus filhos e suas riquezas. O Sudão em 1591 tinha estados fortes, Songai cidade do Sudão foi invadido e teve suas escolas, mesquitas e bibliotecas destruídas e diferente dos judeus que por exigência da justiça internacional foram "indenizados" por tudo que perderam na perseguição nazista a África nunca foi indenizada e padece no desconhecimento da maioria.
Esta dívida foi reconhecida pelo atual presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, que em discurso em comemorações ao Dia da Consciência Negra, afirmou está de "alma lavada por ter sido o presidente da Republica que no primeiro ano de mandato decidiu saldar uma dívida antiga do Brasil", o mesmo percorreu parte da África e deixou claro seu sonho de caminhar juntos assim como a dificuldade de " superar em quatro anos o que foi estabelecidos em quatro séculos".
Como bem salienta o presidente Luís Inácio Lula da Silva não é fácil, "temos muitas barreiras à transpor, temos um racismo arraigado, pois a história do racismo e da discriminação contra o negro tem longa data", o francês Napoleão Bonaparte perseguiu Thomas Alexandre Dumas, o primeiro negro a alcançar um alta patente no exercito francês, obrigando-o a se aposentar mais cedo. Napoleão também afirmou ser a favor da raça branca porque também era branco, Hitler, grande exemplo de racismo, 150 anos depois da perseguição de Napoleão mandaria derrubar a estátua do general Dumas como prova de reverência ao seu precursor e prova de que o racismo continuava vivo e que muito prejudicaria a população negra em todo o mundo e assim são muitos exemplos dessas atrocidades conta o segmento negro no Brasil e no mundo.
No Brasil, já temos passos dados na direção da exterminação da discriminação, já temos a possibilidade de vermos um presidente falar na mídia em igualdade racial, em caminharmos juntos, em reconhecermos que somos irmãos, temos negros trabalhando nos ministérios, nas cadeiras da câmara que defende as idéias e organização do povo negro - apesar de ser mínimas essas participações - enquanto que no ano de 1909-1910 tínhamos um negro como presidente da república -Nilo Peçanha- e seus retratos eram retocados para não transparecer suas feições marcadamente negra.
O Estado Novo promovia O Desfile Do Dia das Raças e a raça brasileira era apresentada como a raça branca, Bela e Vigorosa esquecendo-se da nossa formação étnica e atendendo aos preceitos da raça pura pregada por Adolf Hitler. Esse desfile hoje é criticado por àqueles que finalmente conheceram o processo de formação do Brasil.
A escola como espaço de formação do cidadão deve ter esta incumbência de ver e mostrar o que a história muitas vezes esconde, é preciso deixar que os negros falem, é preciso dar voz aos explorados e aos vencidos, é preciso adentrar-se na história para se conhecer o que muitas vezes é disfarçado por interesses maiores, é preciso compreender a visão de João Cabral de Mello Neto:
"Os alpendres das casas-grandes
De par em par, aberto, anchos
Cordiais como hora do almoço
Apesar disso não são francos

O aberto alpendre acolhedor
No casarão sem acolhimento
Tira a expressão amiga, amável
Do que é de fora e não de dentro

Dos lenções de cana, tendidos
Posto ao sol até onde a vista
E que lhe dão o sorriso aberto
Que disfarça o que dentro é urtiga"
(João Cabral de Mello Neto in educação pelas pedras e depois)
.
É através da Lei 10.639/2003 que vamos adentrar nas casas-grandes, nos engenhos, nas senzalas e em todos os lugares onde os africanos estiveram impulsionando o desenvolvimento do país, só assim a sociedade tomará consciência da dívida social que tem em relação ao segmento negro da população, reconhecendo que o negro foi a segunda mão de obra - a primeira foram os índios ? utilizada para o desenvolvimento da sociedade, isto possibilitará uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial.
Há que se acreditar que se que se a Constituição Federal de 1988 com seu artigo 3º INCISO IV que garante a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e o Art 5º INCISO 42 que trata da prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível, assim como o Art 215 INCISO 1º que trata da proteção das manifestações culturais, não tem conseguido reparar os danos causados à história da África a Lei 10.639/2003 se colocada em prática traz esta oportunidade, pois ela é um dispositivo importante para que a escola, de uma vez por todas, internalize a idéia de que somos resultado da combinação de três matrizes principais: A indígena, a européia e a africana, livrando nossa história das amarras de uma tradição elitista e europeizada, a historia do conquistador europeu, povo forte que veio trazer a civilização.
A Lei é também uma oportunidade de reparar os impactos causados pelos decretos que permitiam a discriminação e o racismo contra o povo africano, exemplo é o Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, este estabelecia que nas escolas públicas do país não seria admitidos escravos e a previsão de instrução para adultos negros dependiam da disponibilidade de professor, assim como o Decreto de nº 7.031-A de 6 de setembro de 1878 que estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares e mais recente ainda o Projeto de Emenda constitucional patrocinado por Miguel Couto em 1933 que proibia a entrada no país de pessoas da raça negra.


3- AFRICANOS NO BRASIL

É melhor ser escravo no Brasil e salvar sua alma
que viver livre na África e perde-lá
( Sermão do padre Antonino Vieira aos escravos)

O Brasil durante muito tempo teve relação íntima com a África. Gilberto Freire em seu livro, Casa Grande e Senzala, já falava sobre a proximidade da Bahia e do Pernambuco da costa da África que dava um caráter de intimidade da África com o Brasil que recebeu segundo estimativas, em torno de quatro milhões de africanos entre homens, mulheres e crianças.
Esta relação vai ser distanciada após a abolição, quando as elites brasileiras buscam a qualquer custo afastar-se de um "continente inferior", acreditava, por exemplo, no branqueamento da população através da miscigenação, por isso após a abolição foi incentivado a imigração de pessoas brancas para o Brasil, acreditava que o negro seria extinto também pelos altos índices de mortalidade que atingiam a população mais pobre o que felizmente não aconteceu, porém, a população negra vem sofrendo discriminação, num país que ajudou a construir.
A construção da sociedade brasileira se deu graças a contribuição deste povo, que hoje é discriminado, os africanos que deixaram seu continente para sobreviverem em outro desconhecido por eles, transmitiu elementos valioso de cultura e técnicas africanas, como bem colocou Gilberto Freire:
O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente preta que lhe fecundou os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca; que lhe completou as riquezas das manchas de massapê. Vieram lhe da África "donos de casa" para seus colonos sem mulher branca, técnicos para as minas, artífices em ferro, negro entendidos na criação de gado e na industrial pastoril, comerciantes de pano e sabão, mestre, sacerdote e tiradores de reza maometana. (FREIRE , 2004, p. 391)

Só que esta história não é contada nas escolas até hoje. A escola conta a história sempre na perspectiva do homem branco, "esqueceu" de contar que os negros foram arrancados de seu continente, que lutou no Brasil, por interesse brasileiro, como na Guerra do Paraguai, lutou para defender as Casas-Grandes do ataque dos índios, lutaram por causas suas, como por exemplo na revolta dos malês e as lutas de resistência nos quilombos.
Os livros didáticos esquecem que o negro sofreu com a escravidão e com o fim dela, pois a abolição não deu ao negro possibilidades de vida.
O negro foi empurrado para as ruas sem condição alguma e teve que procurar trabalho, competindo com os imigrantes que além de branco como a sociedade brasileira valorizava, oferecia mão de obra especializada. Neste momento o negro que "movimentara a engrenagem da economia brasileira" é jogado para os "cortiços, porões e anomia social." Neste sentido, Carlos de Oliveira (2007) afirma que a escravatura não foi abolida, foi distribuída entre os pobres.
Para provar tal afirmação basta darmos uma olhada na situação do Brasil hoje. Quais são os espaço que o segmento negro ocupa na sociedade? Quem são os pobres? Quem é massacrado pela polícia todos os dias nas ruas das grandes cidades? E na educação quem leva a melhor? Quem é que enfrenta a maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho? São essas perguntas sem resposta que deve dar suporte para que a Lei seja efetivada de fato.
A Comissão de Justiça e Paz ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Comissão da Assembléia Legislativa da Bahia registraram em 1995, 32 chacinas resultando em 104 mortes -na sua maioria negros e desempregados com idade entre 17e 25 anos -cujo responsáveis eram policiais. Isso é e não podemos mascarar nem fingir que não vimos, herança da escravatura no Brasil, mas também é resultado de um sistema de ensino elitista, sexista e racista e de uma sociedade acomodada.
O Brasil é o segundo país de maior população negra do mundo, perdendo apenas para Nigéria, não há porque não ouvirmos gritos por justiça social e racial, gritos por um país democrático de fato e não apenas na teoria, é preciso pôr em práticas as idéias de Martin Luther King Júnior, quando ele diz que:
Agora é tempo para transformar em realidade as promessas de democracia... é tempo para subir dos vales das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é_tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça para a pedra sólida da fraternidade. Agora é tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus (BRANDÃO; DUARTE, 2004 p. 97).

É preciso lutarmos para que o sonho de Martin Luther King- líder da luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos nas décadas de 1950 e 1960, defendia a liberdade em uma sociedade dominada pela intolerância racial e pregava a "não violência- de que seus filhos vivam em paz e que não seja julgados pela cor de sua pele, mas pelas virtudes de seu caráter se realize entre nós.
É urgente que se implante políticas voltadas para reparação de danos causados ao segmento negro da sociedade. Sonho esse que só será realizado através da educação, pois como já afirmou Nelson Mandela a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo, e é nossa responsabilidade lutar para que esta educação aconteça para todos, sem a valorização de um determinado grupo em detrimento do outro
Algumas escolas pública ainda não estão preparadas para oferecer uma educação transformadora. Nota-se no interior do país, escola sem o mínimo respeito pela diversidade social, cultural e racial existe escola que apresenta já na sua entrada a "imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro" sendo que a nossa Constituição diz que somos um país laico, não temos uma religião oficial. A escola então esquece os alunos evangélicos e de outras religiões.
As religiões de raízes africanas são as mais prejudicadas neste momento, pois ainda há pessoas que ligam suas religiões a rituais satânicos e por isso a escola não pode falar no assunto, ou melhor, as pessoas não estão preparadas para enfrentar a caminhada rumo a extinção dos preconceitos porque elas próprias, o material utilizado em sala de aula, a escola, já estão carregados de preconceitos.
A Lei 10.639/2003 irá combater estas heranças do período colonial onde a religião africana era vista como a arte do diabo e pós-colonial que era vista como desordem pública e atentado contra a civilização, pois isso é mais um equívoco da nossa história que deve ser resolvido a partir do momento que todos tomarem consciência da sua história.

4- MATERIAIS PEDAGÓGICOS

Existe uma história que só os negros sabem contar... que poucos podem entender." (OLIVEIRA, 2005 p. 19).
Uma das maiores dificuldades apresentadas pelos professores e pela escola quando se trata do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana é a falta de material. Discurso até compreensível quando percebemos a trajetória da Educação brasileira até nossos dias.
Os nossos livros didáticos vêm carregados da ideologia do homem branco. A África simplesmente foi arrancada dos livros didático, o próprio Egito é estudado fora da África. Grande nomes da literatura genuinamente negra não estão nos livro didáticos nem é comentado na mídia, como por exemplo o escritor Solano Lopes que é sem dúvida, um dos maiores poetas brasileiro, publicou poemas de uma vida simples em 1944, seis tempos de poesia, 1958 e cantares ao meu povo, 1961 entre outros.
A obra de Solano Lopes, que comemora neste ano de 2008 seu centenário, enriquece o estudo da história negra africana e negra brasileira, mas infelizmente essa é mais uma história que não chega ao universo do aluno. Poucos são os alunos que já ouviram falar de Wole Soyinka que ganhou o nobel da literatura em 1986, de Domingos Caldas Barbosa, grande poeta filho de mãe africana e pai português, Manuel Inácio da Silva Alvarenga que publicou o desertor das letras entre outras poemas, Lino Guedes e sua poesia marcadamente irônica, com alguma dose de autocomplacência e apelos de afirmação racial bem comportada. A literatura negra precisa ser estudada/ valorizada.
Ainda há os que nunca ouviram falar do Grande Nelson Mandela, primeiro presidente negro da África do sul, exemplo da força e da perseverança africana, mais famoso preso político do mundo que durante seus quase 30 anos de prisão não esqueceu suas convicções políticas, saindo da prisão em 1990 e tornando-se presidente da África do sul pós-segregacionista em 1994 e tantos outros negros que deram grande contribuição na literatura na história e em outros campos e que não são lembrados hoje, isso torna claro a deficiência do material pedagógico.
O livro didático que, infelizmente ainda é usado em muitas escolas como único material didático/pedagógico, precisa ser utilizado com uma visão crítica sobre os estigmas que recai sobre os negros. O profissional da educação precisa detectar a ideologia que está por trás do material que ele está utilizando e questionar-se.
Os paradidáticos que podia e deve servir de apoio, ainda encontra-se afastado do universo dos muitos profissionais da educação. A professora de História da África da Universidade de São Paulo, Marina de Melo e Sousa, publicou o livro África e Brasil Africano que segundo a autora tem "a intenção de mostrar o que existe de africano no Brasil e contar coisas da África que ainda são pouco conhecida entre nós... levar à reflexão sobre a discriminação racial,valorizar a diversidade étnica, gerar debate, estimular valores"é com este livro e com outros tantos que virão que a Lei vai tomar forma.
Este livro deveria está nas mãos de cada um brasileiro e brasileira, mas infelizmente muitos desconhecem. E ainda há aqueles profissionais que joga a culpa na mal remuneração, segundo depoimentos de alguns profissionais não há como investir em livros e/ou outras formas de aperfeiçoamento porque o salário é mínimo. Assim a história vai se caminhando com seus equívocos e suas amarras.
Uma professora da escola estadual Sílvia Coutinho em Simões-PI escola próxima à duas comunidades quilombolas e que recebe alunos de uma delas, conta do espanto de uma aluna do primeiro ano do Ensino Médio ao saber que os povos egípcios são africanos. Que o povo que foi capaz de construir as pirâmides, que deram grande contribuição para o surgimento da tecnologia, da matemática e outras tantas maravilha são de um continente tão prejudicado pela ação do capitalismo.
Pois como sabemos "o capital se desenvolve destruindo suas fontes originárias", prova disso é que o jornal o Estado de São Paulo divulgou em 2001 uma listas dos dez países do mundo que apresentam os piores indicadores sociais e a maioria deles se encontrava no continente africano, países esses vítimas do imperialismo/capitalismo.
É um desafio para os educadores, não deixar que as dificuldades sirvam como empecilho para que a lei 10.639/2003 não seja efetivada. As dificuldades existem, porém, existem possibilidades.Uma delas é ouvir o aluno, a própria história do aluno pode ser o início da discussão sobre esta temática, "o que os livros escondem,as palavras ditas libertam", é preciso deixar que o negro fale, pois como já escreveu o poeta Ele Semog: "Existe uma história que só os negros sabem contar...que poucos podem entender", ademais já existem autores que se dedica ao tema, Universidades que oferecem curso de formação na área, resta ai que o professor se sensibilize pois a Lei existe mas, o mais importante é a sensibilidade do professor.
Se o professor não abraçar a causa e reconhecer que a história precisa desapegar das amarras das tradições elitista de nada vai adiantar a criação de leis, pois permanecerá no papel como tantas outras leis no Brasil, teoricamente elas são ideal mas na prática elas deixam de acontecer.
Os referencias curriculares do Ensino Médio da rede estadual do Piauí prega como competências à ser desenvolvida nos três anos do ensino médio, na disciplina de História a "construção da identidade social com uma educação cidadã que assegure a pluralidade cultural e pluriétnica, assim como, a compreensão das relações étnico-raciais por meio de afirmação e valorização das raízes afro-brasileiras" e como habilidade que o aluno "conheça e valorize a identidade, história e cultura afro-brasileira e africana, para assim garantir a igualdade de valorização das raízes africanas da nação ao lado das indígenas, européia e asiática", porém, isto dependerá em muito do professor, do núcleo gestor e de toda a escola.
Se Lei 10.639/2003 já traz em si limitações quando coloca a temática do ensino da história e cultura África e afro-descendentes apenas nas disciplinas de Arte, Literatura e História, os referenciais para o ensino Médio no Piauí é ainda mais limitado pois coloca a temática apenas na disciplina de História. E o educador ainda se mostra muita apegada ao livro didático que infelizmente não trata da temática, afirmando não trabalhar esta temática por "não dar tempo, pois a carga horária de História é pequena e o número de conteúdos que o aluno precisa dominar no Ensino Médio é grande" , infelizmente essa não é uma visão isolada, temos muitos educadores conteudistas alheio ao que está acontecendo à sua volta, por isso não formadores de cidadãos conscientes, mas máquinas capazes de concorrerem a vagas em vestibulares e concursos.

5-FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Em todo homem existe um ímpeto criador.O ímpeto
de criar nasce da inconclusão do homem.
A educação é mais autentica quanto mais desenvolve
este ímpeto ontológico de criar.
Freire 1997

O ensino de história e cultura Afro-Brasileira e africana esbarra na preocupação de que o professor não está preparado para trabalhar esta temática, muitos ainda se perguntam quem são os professores que irão trabalhar com esta temática, esta é a prova maior de que a educação brasileira tem sido falha com sua população negra. Nem mesmos os cursos de graduação ofereciam esta temática. Felizmente isto está mudando, os cursos de graduação que durante muitos anos esteve muito ligado ao mundo europeu está voltando suas vistas para formação da identidade nacional, apesar de todo descaso sofrido pela educação ao longo da história, hoje já temos o que comemorar,
O descaso com a educação é tradicional, no Brasil, vamos ter a primeira faculdade com a chegada de D. João VI, são 200 anos de Ensino Superior e nestes 200 anos o desenvolvimento foi lento, atendendo em primeiro lugar a elite e só a partir de 1990 um número grande de faculdades e universidades surge para atender os excluídos dos vestibulares concorridos demais que atendia àqueles de melhor condição econômica para estudar e o negro no Brasil não estava entre esses "favoritos".
A história da África e dos africanos apenas como continente selvagem e ex-escravos é resultado, também, da formação dos nossos professores que não teve embasamento na sua formação para trabalhar esta temática de forma que se possa corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem em desrespeito e discriminação, falta também à alguns a informação de que apenas 10% do continente africano corresponde à área selvagem da África e de que as capitais africanas são tão desenvolvidas quanto os grandes centros urbanos da Europa ou dos Estados Unidos, portanto falta aos nossos educadores formação e informação, .
Faltando a formação e informação muitos educadores preferem passar adiante o discurso da democracia racial pregado pelo sociólogo Gilberto Freire, discurso este que é esbarrado muitas vezes quando o próprio aluno coloca situação de discriminação que já vivenciou, como é o caso de uma aluna da escola pública Estadual Silvia Coutinho que fez a seguinte pergunta à professora: "se o racismo não existe porque então que quando saio com minhas primas que também são negras, algumas pessoas perguntam se abriram as portas do inferno"? Nota-se, portanto, que o discurso da democracia racial é falácia, já não surte mais efeito e que precisamos seguirmos a idéia da especialista em Educação e relações raciais Rachel de Oliveira quando ela afirma que:
É possível abrir espaços para práticas pedagógicas que mostrem o mundo além do imaginário europeu. Corrigir os equívocos históricos que reforçam preconceitos no sistema educacional pela generalizada falta de informação sobre a questão racial e sobre o que é discriminação.Corrigir os erros que produzem baixas na auto-estima da criança negra, reforçada por atividades educacionais como a utilização de músicas, ditados pejorativos considerados "folclóricos" e, principalmente discutir o mito da democracia racial brasileira, que trouxe muitos prejuízos à população não branca do país (DVD ESCOLA - VOL II).

É urgente que se pense em fóruns estaduais - O que já aconteceu em alguns estados - para contemplar o planejamento de formulação de currículos, formação de professores, organização de material didático e sensibilização dos professores, gestores no que tange ao cumprimento da lei. Pois esta apesar dos anos de promulgação ainda é desconhecida por alguns profissionais da educação, neste sentido há que se concordar com Humberto Adami do Instituto de Advocacia racial e ambiental do Rio de Janeiro quando diz que:
A principal medida para que a Lei seja realmente cumprida é o monitoramente da sociedade e principalmente do Movimento Negro. Devemos entrar com uma representação junto ao ministério público em todos os municípios onde a Lei não esteja sendo cumprida e fazer com a escola vá explicar porque não cumpriu o que está determinado.Assim o ministério Público vai investigar e fazer que seja encaminhado uma punição pelo descumprimento da Lei (DVD ESCOLA ? VOL II).

É triste perceber que para se corrigir equívocos históricos o ser humano precise ser obrigado por lei, pois isto deveria ser uma atitude de todos nós como cidadãos conscientes da nossa história, mas infelizmente são muitos conceitos, ou preconceitos enraizados, que se apresentam como barreiras para ampla efetivação da Lei, e assim perpetua-se a discriminação sem medida que sofre o negro no Brasil. Discriminação essa que só será abolida no momento em que as pessoas se derem conta de tamanha ignorância, a partir do momento que for reconhecido a participação do segmento negro para formação da sociedade brasileira, e que for tirado o véu que mascara a história do negro no Brasil e porque não dizer no mundo.
Pois até hoje a África sofre com a falta de informação verdadeira à seu respeito, porque que difundiu-se no mundo inteiro a história de que o negro é preguiçoso? quem disse que o negro não luta por seus direitos? Que a África hoje é um pais em extinção? O negro lutou e luta até hoje por liberdade, isso a mídia, os livros e outros meios de formação/comunicação faz questão de esconder assim como esconde o caso da guerra enfrentado pelo Sudão, país africano que já perdeu mais gente do que Iraque no mesmo período de guerra. Resta saber por quê a mídia tão interessada na guerra do Iraque não contabiliza e noticia a guerra no Sudão.
Esta é a grande dificuldade para efetivação da Lei em estudo, há interesses maiores para que a história da África e dos afro-descendentes seja ignorada e desrespeitada.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao centrar a pesquisa nas mudanças que a Lei 10.639/2003 pode trazer para uma educação verdadeiramente democrática, seus empasses e seus limites conclui-se que a escola não deve ser apenas o local onde as ideologias dominantes são produzidas, mas o espaço onde elas podem e deve ser contestadas. Por isso a escola tem papel preponderante para a efetivação da lei em estudo.
A pesquisa veio confirmar que precisamos de escolas/programa de formação contínua para docentes que os oriente para o trabalho na educação como instrumento democrático, emancipatório e acima de tudo formador de cidadãos críticos e consciente de sua formação histórica.
A pesquisa veio comprovar também que a educação no Brasil nunca foi prioridade dos nossos governantes e o segmento negro esteve excluído do sistema educacional quando esse existiu no Brasil, porém, hoje sentimos uma preocupação maior do governo com o segmento negro, o governo de Luís Inácio Lula da Silva- é um governo interessado na questão racial, na questão quilombola, tendo criado inclusive um ministério para isso ? SEPPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial).
O descaso com a educação brasileira é percebido desde o momento que Portugal coloca-a à cargo dos jesuítas, e esses educava com discriminação pois educava os brancos para mandar e os índios e negros para conhecerem e obedecerem a fé e os costumes dos dominadores.
Em relação as leis de ensino vamos ter nossa primeira lei no Brasil império-1827- e essa era baseada nos moldes europeus, sem nada dispor sobre as condições materiais para sua implantação.
A Lei 10.639/2003 se apresenta como possibilidade de corrigir as falhas que ficaram na história, porém há muitos fatores que precisam ser levados em conta para ampla efetivação da lei, há muitas dificuldades, mas não é impossível.
As universidades, as editoras, os historiadores, o governo já tem dado alguns passos para que a Lei aconteça e surta efeito entre nós. Resta agora que educadores e gestores percebam esses passos e multiplique-os dentro da escola, pois a escola é um dos espaços onde essa história nova deve ser contada.


7. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA

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Autor: Erineide Dos Santos Lima


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