João, a gnose e a filosofia grega



O evangelho de João desenvolve vários temas e um dos aspectos que merece uma atenção particularizada refere-se à dualidade. Podemos dizer que a maioria dos temas desenvolvidos em João são tratados a partir de uma contraposição de idéias: Luz x Treva; mundo x espírito; vida x morte; crer x não crer; etc.
A que se deve isso? Trata-se de um estilo literário ou de uma influência cultural provinda do paganismo e da filosofia grega? Podemos dizer que ambas as perspectivas estão corretas. Em João de fato a contraposição de conceitos faz parte de seu estilo literário. Entretanto isso não é só uma característica literária. Trata-se, também de um tributo à cultura reinante nas comunidades de destino ao mesmo tempo que se trata de um recurso encontrado pelo autor para contrapor os valores da mensagem de Jesus aos valores da cultura envolvente. E quais são os valores da cultura envolvente? A gnose e a filosofia grega, ou o platonismo.
Tanto em Platão como na gnose a dualidade é um dado essencial. A gnose nasceu provavelmente na Pérsia, a partir do desenvolvimento da religião mazdeísta que se baseia na contraposição dos princípios do bem e do mal. Mais tarde, já no mundo cristão, ganhou uma nova feição, o maniqueísmo (de Maniqueu) reforçando a doutrina mazdeísta e incorporando elementos do cristianismo. O maniqueismo aprofundou tanto essa visão que se tornou uma das primeiras heresias. Também aqui se caracterizando pela contraposição dos princípios do bem e do mal. A gnose, por seu turno, afirma que se pode superar o mal (ignorância), a partir do conhecimento. Ressaltando que o conhecimento (gnose) implica em se desvencilhar do mundo, sendo que o conhecimento está como que numa outra esfera, além do nosso mundo.
Essa mesma perspectiva está presente na filosofia platônica. Podemos dizer que em Platão, a contraposição entre o mundo sensível e o mundo das idéias, é uma manifestação da gnose. Na perspectiva platônica devemos nos afastar do mundo sensível para entrar em sintonia ou nos apropriarmos do saber, que é pleno no mundo das idéias. Também a teoria da reminiscência, em Platão, remete à gnose. O homem é como que um ser "decaído", mas traz em si "lampejos", as reminiscências, do mundo das idéias. Cabe a reflexão filosófica ser um dos caminhos para a sabedoria. É o que sugere o filósofo por meio da alegoria da caverna.
O fato é que estes pensamentos ? Gnose/Platonismo ? permeavam a cultura do mundo em que viviam os cristãos, para os quais foi produzido o evangelho (as cartas e o apocalipse) de João. Assim, uma das preocupações do autor do evangelho de João foi dizer que as filosofias contemporâneas insuficientes, comparadas à mensagem cristã. Nelas se busca o saber, entretanto a sabedoria definitiva não está no mundo que condenou Cristo à cruz, mas em se entregar definitivamente ao amor cristão. Procurar o conhecimento fora de Cristo é o mesmo que permanecer com a luz do Batista, sendo que a luz verdadeira vem de Cristo (Jo, 5,33-38). Para João o caminho do cristão deve ser a adesão a Jesus Cristo porque só Ele vem do Pai (sabedoria plena) e para Ele volta (Jo 1,1-18). E o cristão pode ser incorporado nesse processo, desde que creia na mensagem e na proposta de Cristo. A incredulidade de Tomé (20,24-29), também pode ser assim explicada: a crença não se desenvolve a partir de princípios humanos (ver e tocar), mas a partir do testemunho (não ver e crer). Mas isso deve acontecer a partir da mediação humana, e não como na proposta gnóstica e platônica. A perspectiva joanina e cristã é exatamente o contrario, crer pela mediação humana. Por isso Jesus "soprou sobre eles o Espírito Santo" para que continuassem a missão (20,19-23). E para efetivar a presença, no último episódio do evangelho, convida os discípulos para uma refeição (21,12) e envia Pedro para apascentar as ovelhas (21,15-17). Isso implica dizer ? ao contrario da perspectiva espiritualista ? que a dimensão espiritual é importante, mas a humana não é menos importante.

Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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Autor: Neri P. Carneiro


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