Carta à escritora Martha Medeiros



Carta à escritora Martha Medeiros

Querida Martha (desculpa a intimidade),

Você conhece bem como analisar a alma do ser humano. Aantes,, eu imaginava a Martha Medeiros como uma "mera" escritora do que eu acho ser uma praga, que são os livros de autoajuda.

Leio, sempre que posso, aos domingos, na Revista do jornal O Globo, suas crônicas. Confesso, eu pulava, antes de conhecer o conteúdo do que você escreve. Ainda faço isso, mas no que se refere ao Senhor Paulo Coelho. Não é preconceito, no caso dele, pois tentei ler algo que ele escreveu, "não rolou", usando de uma gíria.

No seu caso, sim, partiu de um preconceito, que não dignifica a ninguém, eu sei. Pois descobri isso, e vejo que existem cronistas tão bons/boas ainda nesta época em que, infelizmente, não temos mais Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu (este me levou a uma longa viagem com o seu "Onde andará Dulce Veiga" e com seus contos de "Morangos Morfados"), entre outros. Porém, existem você, Arthur Dapieve, J. Ferreira dos Santos (que foram meus professores em uma oficina literária na Flip, em 2007), J. U. Ribeiro, Arnaldo Bloch, Moacy Scliar (são os exemplos mais expressivos, no meu ponto de vista).

E fui ler "você" na crônica, salvo engano, "Amigo de si mesmo". Um amigo me ligou e pediu: "Não deixe de ler a crônica da Martha Medeiros de hoje (daquele dia)". Por saber que ele tem um bom gosto, tem bom senso, não perdi tempo: li sua crônica e a guardo numa coleção que eu faço do que melhor publicam nesse tempo em que a leitura é, para muitos, um tremendo sacrifício. Para mim, e muitos outros, acredito, é um grande e inenarrável prazer quando se ler uma boa crônica, um bom conto ou um bom romance. Bem parecido com a sensação de quando nossa mente fica restrita à atenção a um belo filme, por umas duas horas numa sala de cinema.


Desde o conselho do meu amigo leio sempre suas crônicas. É muito raro não ficar refletindo sobre o que você escreveu. Você não fica usando dos tais clichês e sem nexos usados nos livros de autoajuda; não escreve conselhos estúpidos, medíocres, tão óbvios. Você vai além, faz literatura, pois observa fatos e o ser humano. O que é sublime para poder ser chamado de literatura arte.


Ah, sua última crônica: "A fé de uns e de outros" é uma análise por uma pessoa livre e que respeita a liberdade dos outros, como disse, desde que a liberdade de um não impeça a do outro; desde que não cause mal ao ser humano como um todo. O que só diz à intimidade de uma pessoa ou de duas pessoas, ou mais pessoas, ao seu modo de ser feliz e digno, não é restrito a pessoas de sexos diferentes, mas ao ser humano, sem diferenças.


O interessante que você conseguiu escrever sobre tal assunto de uma forma tão admirável e ponderada, pois não foi proselitista, não levantou bandeira em prol de nada. Apenas disse o que é possível, tanto que existe de "montão". Para que negar os fatos? O que leva a felicidade para muitos, sem impedir a dos outros. Assim eu imagino.


Apoio a união homoafetiva (aliás, ela existe, só falta ser reconhecida juridicamente, mas reconhecida pelo Poder Judiciário, que vem cumprindo seu papel) , mas não imagino uma cerimônia de casamento, para mim o casamento, de forma geral, é uma coisa ultrapassada, diria mais: cafona. Vivam-se juntos e amparados por leis, mas sem cerimônias que não têm mais sentido nem mesmo para o chamado "casal normal". Sim, adotem crianças, dêem a oportunidade de um ser abandonado não perder a chance de ter uma família, de ser amado, por simples preconceito. E mais, assim como o racismo é crime, não existe razão para que a homofobia não passe também a sê-lo. Ninguém: seja o negro, o índio, o judeu, o favelado, o nordestino, o gordo, o feio, o bonito, a loira, a mulata... podem ser motivos de desrespeito, serem motivos de "chacotas". Todos são iguais em dignidade. Todos são pessoas humanas, logo a diginidade humana.


Eu confesso, já fui, de certa forma , preconceituoso. E ainda tenho em relação a alguns atos e atitudes, mas por entender que é prejudicial à própria pessoa. No que se refere ao fanatismo religioso eu vejo como prejudicial ao ser humanopor ficar cego. Entendo que a religião não liberta, prende a nossa mente. É uma forma de prisão. É minha opinião.
Não irei prolongar-me mais, chega, pois quando começo a escrever, sou dominado por uma compulsão (risos). Irei apenas dizer mais umas poucas palavras. Seguem.


Vejamos exemplos do mundo futebolístico. Desde já informo, mas não é preconceito, não valorizo o futebol. Não é um comércio justo. Quando é praticado como esporte é válido. E vejamos a sociedade perplexa com esse ramo esportivo. A perplexidade, infelizmente, não é por grande vitórias, não podemos esquecer o fracasso na seleção na última copa.

Ficamos (estamos) perplexos com as notícias que envolvem atletas milionários envolvidos em crimes: homicídios, com o crime organizado etc. Isso atinge a sociedade. É inaceitável tal comportamento de qualquer ser humano, ainda mais quando parte de pessoas que são ídolos ou modelos para jovens. A entrevista do Zico à revista VEJA diz tudo. Ora, se você foi obrigado a viver em ambiente dominado por bicheiros e traficantes não tem que , após conseguir sair do gueto, voltar lá para dar apoio à crimalidade. Não é pelo fato de que você veio de uma favela que tem que ser amigos dos bandidos. Raízes? Ora, não somos árvores.


No entanto, eu entendo que no caso que envolveu outro atleta em outra situação (não houve crime), o que ele fez não diz respeito à sociedade, apenas a ele, à mulher, à namorada, enfim, quem depender da relativa fidelidade. Impedir os fetiches do ser humano quando não atrapalham, não atingem o outrem, é ridículo. É um ato de atraso mental inacreditável.


Esclareço, que ninguém tem que apoiar tudo o que os outros fazem. Sei que ainda existem certos valores, a meu ver, obsoletos, para alguns, mas bem atuais para outros.. Ainda vai demorar para as pessoas despirem-se de pré/conceitos que estão cimentados em sua visão de mundo, de um mundo que imaginam ser o normal.


Sejamos racionais, os valores bem como o que é normal nunca vão ser absolutos. São, por essência, termos relativos. Ainda entendo que somente o que fazemos para atingir maleficamente o outrem é que é anormal. No mais, deixem os outros serem livres e felizes.


Assis Rodrigueso é escritor ([email protected]). Rio, 04 de agosto de 2010




Autor: Assis Rodrigues


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