DA POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE RENÚNCIA À INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS



DA POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE RENÚNCIA À INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS E AO DIREITO DE RETENÇÃO EM CONTRATOS DE LOCAÇÃO CELEBRADOS COM ADMINISTRADORAS DE IMÓVEIS.

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão.

Sumário: Introdução; 1 Do conceito de locação; 2 Do enquadramento do contrato de locação nas categorias de classificação dos contratos; 3 Do tempo do contrato de locação; 4 Dos direitos e deveres do locador e do locatário; Conclusão; Referencial Bibliográfico.

Resumo
O presente trabalho visa analisar a possibilidade de renúncia por parte do locatário de indenização por benfeitorias realizadas em um imóvel em um contrato com uma administradora imobiliária, analisando também a possibilidade de renúncia ao direito de retenção do imóvel em tais casos. Para tanto, far-se-á uma breve análise do próprio contrato de locação em si, que é dentre os mais relevantes, já que se faz presente constantemente no cotidiano dos indivíduos, tecendo alguns comentários sobre se enquadramento em algumas categorias de classificação dos contratos, e sobre a questão do tempo de locação, para então proceder à temática principal à qual se dedica este desenvolvimento.

Palavras ? chave
Contrato de locação; Indenização; Benfeitorias; Direito de retenção.

Introdução.

No presente desenvolvimento se dedicará algumas linhas à análise da possibilidade de renúncia ao direito de indenização pelas benfeitorias realizadas em um imóvel quando em um contrato de locação com uma empresa imobiliária, além da possibilidade de renúncia ao direito de retenção da coisa, por meio de cláusula contratual que disponha sobre esta renúncia.
O contrato de locação é de grande relevância, já que é uma das espécies mais presentes no cotidiano das relações sociais, desde quando decide-se alugar um imóvel qualquer para suprir a sempre presente necessidade de moradia, até mesmo quando aluga-se uma bicicleta para um breve passeio pela praça do bairro, ou mesmo no aluguel de um terno para uma ocasião especial. Em todos estes casos, se faz presente o contrato de locação, que basicamente consiste na possibilidade de usar e gozar de determinada coisa mediante pagamento acertado.
Em assim sendo, primeiramente se fará uma tentativa de delimitar mais profundamente o contrato de locação em si, lançando mão de boa doutrina para tal. Em um segundo momento, se procederá ao enquadramento do contrato de locação em algumas categorias de classificação, o que de certo contribuirá para elucidar algumas de suas principais características, analisando ainda posteriormente questão de relevância para a temática, a saber, o tempo no contrato de locação, que consiste em uma de suas principais características, o diferenciando, a título de exemplificação, do contrato de compra e venda, e por fim, se procederá ao estudo dos direitos e deveres das partes em um contrato de locação, tópico no qual se dedicará algumas linhas à temática principal aqui proposta.

1 Do conceito de locação.

Podemos conceituar a locação de coisas como um negócio jurídico por meio do qual uma das partes, o locador, se obriga a ceder à outra parte, conhecida como locatário, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa infungível, mediante remuneração.
Como podemos verificar nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, no direito romano, conhecia-se;
[...] três modalidades de locação. A Locatio Conductio Rerum, locação de coisas, pela qual o locador cedia ao locatário o uso de um bem mediante soma em dinheiro; A locatio conductio operarum , locação de serviços, pela qual um sujeito se comprometia a prestar serviços a um outro, mediante certo pagamento, e a locatio conductio operis, locação de obra ou empreitada, pela qual um sujeito encomendava a outro a execução de uma obra mediante pagamento de um preço.

Como podemos perceber, a depender da conotação da palavra "locação", o campo de abrangência pode ser maior ainda. Explica esse fato o eminente autor Pablo Stolze Gagliano, quando coloca que:
[...] a idéia original do instituto, na sua concepção romanista, abrangia não somente o uso e o gozo de uma coisa infungível, mas também, a prestação de um serviço apreciável economicamente ou a execução de alguma obra determinada.

Para elucidar o conceito de locação de forma definitiva, recorre-se às palavras do culto Antônio José de Sousa Levenhagen, quando este doutrinador coloca que:
Locação, de modo geral, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a fornecer à outra, durante certo tempo determinado ou indeterminado e mediante remuneração, o uso e gozo de uma coisa infungível [...]. Serpa Lopes a define como contrato pelo qual duas partes de obrigam reciprocamente uma a conceder uso e gozo de uma coisa [...] e a outra a pagar por este uso, gozo [...] um preço determinado em dinheiro.

Tendo delimitado já o conceito mesmo de contrato de locação, como aquele no qual cede-se o uso ou gozo de coisa infungível mediante remuneração, cabe agora, proceder à sua classificação, de forma que se tenha um entendimento melhor de sua natureza.

2 Do enquadramento do contrato de locação nas categorias de classificação dos contratos.

Procede-se neste tópico à classificação do contrato de locação. Bons comentários acerca do assunto foram tecidos pelo professor José Náufel, em seu Dicionário de Direito Civil Positivo, onde coloca sobre os contratos:
Contrato. É o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos (Clóvis Beviláqua). Diz-se também do instrumento que faz a prova do contrato. Em sentido lato, é sinônimo de convenção. Os contratos podem ser: I. Públicos ou privados [...] II. unilaterais ou bilaterais [...]; III. Comutativos e aleatórios [...]; IV Nominados e inominados [...]; V. Consensuais, formais e reais [...]; VI. Principais e acessórios [...] VII. Individuais ou coletivos [...].

Primeiramente, pode-se afirmar tratar-se de um contrato bilateral e individual, como coloca Pablo Stolze Gagliano:
Toda relação contratual pressupõe a existência de duas ou mais manifestações de vontade [...]. Assim, na medida em que o contrato implique em direitos e obrigações para ambos os contratantes ou para apensas um deles, será bilateral (ex.: compra e venda), ou unilateral (ex.: depósito).

Já que o contrato de locação de coisas implica em direitos e obrigações para ambas as partes, deve ser enquadrado da categoria de contratos bilaterais. Também pode ser considerado como um contrato oneroso, já que o benefício recebido por uma das partes implica em um sacrifício patrimonial a esta, qual seja, o pagamento do valor acertado na locação da coisa. Como as obrigações se equivalem e são conhecidas desde o início pelas partes (ab initio), fala-se em contrato comutativo, também enquadrando-se o contrato de locação nesta categoria. O contrato de locação pode ser pactuado de duas formas, tanto pela forma paritária, quanto por adesão. Esta diferenciação se dá:
Na hipótese de as partes estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um contrato paritário, diferentemente de um contrato de adesão, que pode ser conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes predetermina (ou seja, impõe) as cláusulas do negócio jurídico.

Cabe, por fim, ressaltar que trata-se de um contrato principal e definitivo, já que não depende de qualquer outra avença, assim como também não é fase preparatória a nenhum outro negócio jurídico.

3 Do tempo no contrato de locação.

Antes de nos dedicarmos ao ponto principal deste trabalho, verificou-se a necessidade de abordar ligeiramente ainda outro aspecto relevante nos contratos de locação de coisa, a saber, o tempo de duração do contrato. O contrato de locação consiste em um típico de duração, que pode ser determinada ou indeterminada.
Será determinada a duração do contrato de locação quando houver disposição contratual que a determine, e, não havendo disposição alguma, será indeterminada a duração. Por motivos lógicos, o que seria inadmissível seria a duração vitalícia em um contrato de locação. Por mais que se estenda o período de locação da coisa, sua principal característica é a de ser passível de ser encerrada.
Boas observações sobre o assunto encontramos na doutrina de Orlando Gomes, quando o autor coloca:
A locação, por natureza e essência, è contrato temporário. Do contrário, equivaleria a venda. A coisa dada em locação deve regressar ao poder do locatário. O uso e o gozo dessa coisa hão de ser, por algum tempo, que pode ser determinado ou indeterminado.

Acredita-se, já neste momento, estar bastante lúcida a idéia da natureza do contrato de locação, e, em razão disto, proceder-se-á à análise dos direitos e deveres do locador e do locatário, onde analisaremos a possibilidade de renúncia à indenização pelas benfeitorias realizadas em um imóvel alugado, assim como a possibilidade de renúncia ao direito de retenção.

4 Dos direitos e deveres do locador e do locatário.

Os direitos e deveres do locador e do locatário são amplamente tratados no Novo Código Civil de 2002. Sobre as obrigações do locador, temos no artigo 566 que este se encontra obrigado a; a) entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso ao qual se destina, mantendo-a neste estado, pelo tempo que perdure o aluguel, e; b) garantir, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa. Não entregando o locador a coisa ao locatário em estado de servir ao uso ao qual ela é destinada, poderá haver a resolução do contrato, com a possibilidade de exigência de perdas e danos.
Quanto às obrigações do locatário, se encontram previstas no artigo 569 do Código Civil. Dentre suas obrigações ele deve servir-se da coisa alugada para os usos contratados, e não outros, conforme a natureza mesma da coisa e as circunstâncias, além de tratar da coisa alugada como se sua fosse, ou seja, com o zelo que se deve ter, pagando o aluguel pontualmente, na data acertada.
Como já foi dito, o contrato de locação tem uma determinada duração, e, neste período, é natural que sejam feitas benfeitorias pelo locatário. Neste caso, há que se analisar o artigo 578 do Código Civil Brasileiro de 2002, que dispõe sobre o assunto.
O mencionado dispositivo coloca que, salvo se houver disposição contratual em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com o consentimento do locador. O possuidor de boa fé tem o direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, valendo-se inclusive do direito de retenção nestes casos, mantendo sob sua posse o bem do devedor, ou seja, o imóvel, no caso de aluguel de tal bem contratado com uma administradora de imóveis. Ainda que o locador não tenha autorizado as benfeitorias necessárias, o locatário deverá ser indenizado por estas.
No entanto, quando analisamos o artigo 35 da Lei de locação, lei de número 8.245/91, verificamos que, salvo se houver disposição em contrário, as benfeitorias necessárias deverão ser indenizadas, ainda que não autorizadas pelo locador. No entanto, como percebemos do texto da própria lei, há que se verificar se não há disposição contratual em contrário, que poderá dispor acerca da inexigibilidade de indenização nos casos de qualquer espécie de benfeitorias, podendo também dispor sobre a inexistência de direito de retenção.
Desta forma, podemos verificar que o direito à indenização e à retenção é renunciável, já que há viabilidade de existência de cláusula contratual que verse sobre a renúncia do direito às benfeitorias realizadas. Sobre a renúncia, discorre o brilhante doutrinador Caio Mário da Silva Pereira, quando coloca que:
Autores há que aproximam da modificação a figura especial da renúncia. Outros porém, dentre os quais nos alinhamos, entendem que se caracteriza ela como modalidade particularizada de extinção subjetiva. Dá-se a renúncia com a abdicação que o titular faz do seu direito, sem transferi-lo a quem quer se seja. É o abandono voluntário do direito. É o ato unilateral, independente de duas conseqüências.

Como é perceptível pela análise do artigo 35 da lei de locação, pode sim o locatário abdicar de seus direitos à indenização e retenção do imóvel, se acordar com cláusula contratual neste sentido. A respeito do teor deste dispositivo legal, foi editada súmula do STJ de número 335, que possui a seguinte redação; "Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção".
A mencionada súmula foi recebida com certo júbilo por parte da doutrina, como uma inovação, contudo a matéria já era pacífica na jurisprudência e retratava uma interpretação consolidada decorrente do artigo 35 da Lei do Inquilinato

Conclusão.

Chega-se ao fim deste desenvolvimento acreditando ter chegado à resposta satisfatória para a questão lançada a análise, após a reflexão aqui desenvolvida. De fato, o direito à indenização e à retenção da coisa é passível de ser abdicado. Pode sim haver cláusula contratual de renúncia a tais direitos, e a tal conclusão chegou-se pela análise do artigo 35 da lei de locação, 8.245/91, e, nestes casos, poderão haver cláusulas contratuais que versem sobre a inexigibilidade de indenização por qualquer espécie de benfeitoria realizada no imóvel alugado, ainda que necessárias ou úteis.
Como também já colocou-se, o Superior Tribunal de Justiça inclusive editou sumula em 2007 que consolidou a interpretação em favor da possibilidade de existência de cláusula de renúncia aos direitos aqui tratados.

Referencial Bibliográfico.

GAGLIANO. Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume IV. Contratos Tomo II. 2ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2009.
GAGLIANO. Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. Contratos. Teoria Geral. 5ª Edição. Saraiva. São Paulo. 2009.
GAGLIANO. Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil .Contratos. Teoria Geral. São Paulo. Saraiva. 2005.
GOMES. Orlando. Contratos. Rio de Janeiro. Forense. 2002.
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6ª Edição. Rio de Janeiro. Forense 1982.
LEVENHAGEN. Antônio José de Sousa. Código Civil. Comentários Didáticos. São Paulo. Editora Atlas.
NÁUFEL. José. Dicionário de Direito Civil Positivo. 1ª Edição. São Paulo. Ícone. 2005.
VENOSA. Sílvio e Salvo. Direito Civil III Contratos em Espécie e Responsabilidade Civil. São Paulo. Atlas. 2001.




Autor: José Enéas Barreto De Vilhena Frazão


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