Propriedades da Língua



1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo explicar as propriedades que caracterizam a linguagem humana em oposição à comunicação animal. A base do trabalho é o estudo do capítulo 1.5 - O Ponto de Vista Semiótico, do livro Linguagem e Linguística: uma introdução, de John Lyons. Serão tratadas a seguir, portanto, a Arbitrariedade, a Dualidade, a Descontinuidade e a Produtividade.

2 PROPRIEDADES QUE CARACTERIZAM A LINGUAGEM HUMANA EM OPOSIÇÃO À COMUNICAÇÃO ANIMAL

A língua tem como características fortes e mais significativas, diante de outros códigos ou sistemas de comunicação - como o sistema de comunicação animal - a sua flexibilidade e versatilidade. Ou seja, a língua pode ser usada como meio de persuasão e de sugestão. Somos capazes de pensar no futuro, fazer planejamentos, opinar sobre diversos assuntos, influir nas decisões de outras pessoas, tudo através da utilização da língua. E, existem quatro propriedades que contribuem para caracterizar mais precisamente a língua como versátil e flexível. São elas: a arbitrariedade, a dualidade, a descontinuidade e a produtividade.
Vamos analisar, primeiramente, a arbitrariedade da língua. Por esta propriedade, entendemos que a conexão entre a forma de uma palavra e seu significado é "arbitrária visto que, dada a forma, é impossível prever o significado, e dado o significado, é impossível prever a forma." (LYONS,1987, p.31) . Ou seja, não existe uma relação de necessidade entre, por exemplo, a palavra mesa: sua grafia, sua sequência de sons - /m/ /e/ /z/ /a/ - e o conceito que a define. E, como é de nosso conhecimento, nas diversas línguas podem ser utilizadas para designar o mesmo objeto palavras inteiramente diferentes, como table (em inglês) diferenciando de mesa (em português).
A arbitrariedade também atua em grande parte na estrutura gramatical das línguas. O que possibilita que cada língua possua uma gramática diferente. A imotivação entre forma e significado e as estruturas gramaticais diferenciadas aumentam consideravelmente a flexibilidade e a versatilidade da língua. No entanto, tornam o aprendizado, o processo de aquisição da linguagem, mais complexo.
As características da arbitrariedade, apresentadas acima, tornam o sistema de comunicação utilizado pelos homens diferente do sistema de comunicação animal porque neste sistema "há uma relação não-arbitrária entre a forma de um sinal e o seu significado." (LYONS, 1987, p. 31). Essa relação equivale a onomatopéia que nos sistemas humanos é, geralmente, não-arbitrária.
A dualidade é a propriedade de "possuir dois níveis de estrutura, de tal forma que as unidades do primeiro são compostas de elementos do segundo e cada um dos dois níveis tem seus próprios princípios de organização." (LYONS, 1987, p. 32).
O primeiro nível é determinado pelas chamadas unidades primárias, unidades que são providas de significado (unidades significativas: frases, sintagmas, vocábulos, morfemas). Essas unidades podem ser decompostas em unidades discretas não dotadas de significado, também chamadas elementos e/ou unidades secundárias: os fonemas, constituintes do segundo nível de estrutura.
Para exemplificar, vamos analisar o seguinte: quando dizemos tu cantavas, no primeiro nível de estrutura, houve a articulação de cinco unidades mínimas "tu - cant - a - va - s", observando a existência de um lexema (cant) e também de morfemas (a, va, s). E, no segundo nível podemos analisar cada uma dessas unidades decompondo-as em fonemas, por exemplo o morfema -va constituído por dois fonemas, /v/ e /a/, que tomados isoladamente não designam nenhum significado.
Lyons ressalta como vantagem da dualidade, a possibilidade de formação de um grande número de unidades a partir de um número reduzido de elementos.
O contraste com o sistema de comunicação animal se esclarece, considerando-se que um sistema de comunicação só possui a propriedade da dualidade se dispuser de unidades e de elementos, e a maioria dos sistemas animais não dispõem.
A terceira propriedade, a descontinuidade, é a propriedade dos elementos secundários. John Lyons a exemplifica com as palavras inglesas "bit" e "bet", afirmando que ambas diferem quanto à forma tanto na língua escrita como na falada. A propósito disso, ele ressalta: "A identidade da forma na língua, geralmente, é uma questão de tudo ou nada, não de mais ou menos." (LYONS, 1987). A descontinuidade dos elementos se reproduz de maneira discreta. Um exemplo em âmbito fonético é o das consoantes descontínuas, para cuja articulação o escoamento do ar sofre total interrupção. As consoantes oclusivas [p], [t], as africadas [ts], [dz], e a vibrante [r] são descontínuas por oposição às fricativas, às laterais, às nasais, às soantes, que comportam, durante toda a duração de sua realização, um escoamento pelo menos parcial do ar. (Dicionário de Linguística, verbete "Descontínuo", p.175/176).
A descontinuidade interage com a arbitrariedade propiciando o aumento da flexibilidade e eficiência dos sistemas linguísticos. Duas palavras, mesmo possuindo diferenças mínimas em sua forma, por exemplo, em português, mata e mala, diferem totalmente em seu significado. Essa arbitrariedade possibilita o aperfeiçoamento do caráter descontínuo da diferença formal entre as palavras. Torna-se menos complexo, observando o contexto, distingui-las.
Nos sistemas de comunicação animal a relação entre os sons é de variação contínua. Portanto é oposto ao sistema de comunicação humano.
A produtividade, última propriedade a ser analisada, é "a propriedade que possibilita a construção e interpretação de novos sinais" (LYONS, 1987, p. 33). Qualquer usuário de um sistema linguístico, em qualquer momento e lugar, pode produzir a mensagem que quiser, independentemente de já tê-la escutado antes ou não, e pode também identificar e entender novas informações. Contudo, é importante frisar, com Lyons, que a produtividade é constituída por princípios de extrema complexidade e heterogeneidade que são regidos por regras. "Os falantes nativos de uma língua têm a liberdade de agir criativamente ? de uma maneira que Chomsky classifica de distintivamente humana ? construindo um número indefinido de enunciados" (LYONS, 1987), sempre dentro dos limites designados pelas regras gramaticais.
Aproveitando a classificação de Chomsky, "maneira distintivamente humana", podemos contrastar o sistema de comunicação humano com o animal, já que a comunicação animal é restrita quanto ao número de sinais que os usuários enviam e recebem. E, talvez isso seja determinado pelo caráter instintivo e não racional desse sistema.

3 CONCLUSÃO

Para podermos distinguir um sistema de comunicação humano do sistema de comunicação animal, devemos levar em conta as quatro propriedades citadas, como um todo. Ou seja, essas propriedades trabalham juntas para aumentar a flexibilidade e versatilidade da língua humana, que são, como já foi dito no trabalho, as suas características mais marcantes diante de outros sistemas linguísticos.
Finalizando, convém ressaltar, como John Lyons nos esclarece, que as quatro propriedades totalmente independentes de canal e de meio ? arbitrariedade, dualidade, descontinuidade e produtividade ? são características predominantemente da parte verbal e menos características da parte não-verbal dos sinais linguísticos.

BIBLIOGRAFIA

BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos Estudos Linguísticos. 9 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1986.
CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à Linguistica. Porto Alegre. Rio de Janeiro: Globo, 1985.
Dicionário de Linguística. São Paulo: Editora Cultrix.
LYONS, John. Linguagem e Linguística : uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. 322p.

Autor: Andrea Bueno


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