Política social e democracia: Sobre a Política de Assistência Social no Brasil



MONNERATT, Ana Maria DE Franciscode. Política social e democracia: Sobre a Política de Assistência Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007.

A assistência social ainda sofre preconceitos mesmo sendo uma matéria tão antiga quanta a humanidade e relacionada com os contextos socioculturais, poucas são as contribuições teóricas para a abordagem do assunto. O assunto tem sofrido desmazelo de cunho científico e social pública entre Estado e sociedade.
A assistência social nem sempre é vista como fenômeno social dotado de propriedades fundamentais, nexos internos, determinações histórico-estruturais, relações de causa e efeito, vínculos orgânicos com outros fenômenos e processos, mas pelo que apresenta ser, pela sua imagem distorcida pelo senso comum ou pelo mau uso político que fazem dela, por falta de referências conceituais, teóricas e normativas consistentes.
A assistência social não é uma política social ela só existe porque as políticas sócias e econômicas (saúde, educação, previdência, habitação, trabalho, renda, etc.) deveriam impedi-la de existir, não funcionam devidamente. A assistência social não passa de uma estratégia da política das elites no poder que usam para encobrir as falhas políticas socioeconômicas. A assistência social não é considerada um direito de cidadania, mas um antidireito que condena e humilha quem dele necessita.
No que se refere ao trabalho assalariado como o mercado não é perfeito havendo trabalho para todos; a assistência social é tolerável desde que não interfira na ética do trabalho e não reforce a propensão do pobre ao comodismo. A assistência social torna-se alvo de prenoções como: é avaliada pelo critério da mercadorização e é também encarada como um recurso desprezível.
Há muita resistência do Brasil contra esforços recentes, amparados pela Constituição Federal de 1988, de transformar a assistência social em área valorizada de política pública, devido a essa mudança ser uma revolução no indicio da proteção social exigindo a alteração de paradigmas, concepções, legislação e diretrizes operacionais, mas o rompimento com a antiga cultura conservadora.
A assistência social como política é um processo complexo que se define como racional ético e cívico.
Racional porque toda política de intervenção assumida pelos poderes públicos, com o controle da sociedade, deve resultar de um conjunto articulado e discernido de decisões coletivas que se baseia em indicadores científicos. A racionalidade desse tipo de política está no fato dela ser informada por estudos, pesquisas, diagnósticos e estar sujeita a permanente avaliação, principalmente no que se refere aos seus resultados e impactos. Trata-se de um processo que implica não só gestão e aplicação de programas, serviços e recursos, mas, definição de prioridades de programas, estratégias e metas, se comprometendo principalmente com a possível satisfação de necessidades sociais.
Ético, porque o combate às iniquidades sociais, mais do que um ato de eficácia administrativa, constitui uma responsabilidade moral que nenhum governo sério deve renunciar. A justiça social é a principal referência da política brasileira de assistência social.
A política de assistência social é também processo cívico, porque deve ter vinculação com os direitos de cidadania social, prestando à população, como dever do Estado, benefícios e serviços de acordo com as necessidades sociais.
O caráter de prestação e de crédito dos direitos sociais os diferencia dos direitos civis e políticos que se coloca contra o Estado, para impedir que este interfira nos setores individuais protegidos. Esses direitos são chamados de direitos de liberdade negativa, porque negam a intervenção do Estado nos assuntos privados. Enquanto os direitos sociais referem aos princípios de igualdade e da justiça social, pressupõem uma postura ativa e positiva do Estado, que consiste em prover e fazer o que for devido ao cidadão.
É com base no referencial racional, ético e cívico que, desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, afirma-se que a assistência social no Brasil constitui uma política pública, um direito de cidadania e um componente da seguridade social.
A assistência social de acordo com a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que regulamenta os artigos 203 e 204 da referida Constituição e mais recentemente, a PNAS é uma política social pública. Política pública não é sinônima de política estatal. A palavra "pública" em latim se expressa como res publica, coisa de todos algo eu compreende o Estado e a sociedade. A ação pública na qual além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representividade, poder de decisão e condições de exercer o controle sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões do governo e do mercado. A palavra "política" refere-se a planos, estratégias ou medidas de ação coletiva, formuladas e executadas com vista ao atendimento de legítimas demandas e necessidades sociais.
Política pública significa ação coletiva com função de concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis. Os direitos declarados e garantidos nas leis só têm aplicabilidade por meio de políticas públicas correspondentes, as quais se operacionalizam mediante programas, projetos e serviços.
Por meio de políticas públicas são formulados, desenvolvidos e postos em práticas programas de distribuição de bens e serviços, regulados e providos pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade. A relação da sociedade com o Estado nessa política nem sempre é de reciprocidade, aliança e parceria, mas principalmente de competição e conflito.
Os direitos com os quais a assistência social se identifica são os direitos sociais e não os individuais, civis e políticos. A assistência social se identifica com os direitos sociais porque são esses direitos que têm como perspectiva a equidade, a justiça social e exigem atitudes positivas, ativas ou intervencionistas do Estado para, junto com a sociedade transformar esses valores em realidade. Com o direito social, a assistência social não deve estar voltada apenas para a satisfação de necessidades naturais. A política de assistência social tem que contribuir para a concretização do direito do ser humano à autonomia, à informação, à convivência familiar e comunitária saudável, ao desenvolvimento intelectual, às oportunidades de participação e progresso.
A política de assistência social como a política de seguridade social que visa, de forma gratuita e desmercadorizada, contribuir para a melhoria das condições de vida e de cidadania da população pobre mediante: o provimento público de benefícios e serviços básicos como direito de todos; inclusão no circuito de bens, serviços e direitos de segmentos sociais situados à margem do progresso; manutenção da inclusão supracitada e estímulo ao acesso a patamares mais elevados de vida e de cidadania.
A política de assistência social brasileira deve funcionar como uma espécie de alavanca para incluir no circuito dos bens, serviços e direitos existentes na sociedade grupos sociais injustamente impedidos dessa participação. Ela não está voltada para a pobreza absoluta, mas, também para a pobreza relativa ou para desigualdade social. Ela funcionaria para fortalecer as condições de eficácia das demais políticas sociais e econômicas combatendo a pobreza e a continuidade desta.
O direito ao básico social perante o qual todo cidadão deve ser garantido independentemente da capacidade do indivíduo de contribuir para o financiamento dos benefícios e serviços que recebe.
As funções da assistência social, considerando a realidade brasileira: resgatadora e concretizadora de direitos criando esquemas de participação da população nas oportunidades, bens, serviços e direitos existentes na sociedade; mantedora dessa participação, mediante a qual poderão ser criados esquemas preventivos contra o seu impedimento.
Ao exercer essas funções realiza-se tarefa universalizadora; o Estado e a sociedade se farão presentes colocando-se a serviço de interesses coletivos. A política de assistência deve se impor, como: no princípio da incerteza na distribuição de benefícios e serviços da proliferação de ações voluntaristas e improvisadas, sem a devida regulação estatal e sem controle democrático; ausência de garantias legais e de amparo jurídico no seu processamento; desperdício de recursos e superposição de provisões; focalização na pobreza extrema; ausência de vínculos orgânicos entre a assistência social e as demais políticas públicas; a suspeição, em lugar da empatia na relação entre as Instituições de assistência social e seus destinatários.
Há dois tipos de destinatários da política de assistência social, compatíveis com as funções: o destinatário da ação resgatadora de direitos é todo cidadão que, por razões pessoais, sociais ou de calamidade pública encontra-se, temporária ou permanentemente, com condições de vida e de cidadania inferiores ao padrão básico julgado socialmente satisfatório; o destinatário da ação preventiva, mantedora da participação social, é todo cidadão que, embora usufrua do padrão básico julgado socialmente satisfatório, apresenta vulnerabilidade e enfrenta riscos que o impedem de permanecer, pelo seu próprio esforço.
Quanto à família, apontada pela PNAS como o destinatário e parceiro privilegiado de Estado, têm em vista: a família tradicional, constituída de pai, mãe e três ou quatro filhos não é mais uma realidade. A principal mudança é a participação das mulheres no mercado de trabalho reduzindo o tempo no lar; outra mudança na estrutura familiar é o crescimento do número de famílias uniparentais e divórcios. Precisando ser analisada para uma melhor desenvoltura da política de assistência social; devido às novas estruturas familiares tem sido difícil a concepção de uma política de assistência que supra as diferentes necessidades; o resgate da antiga família tem como objetivo a proteção social, aonde vem sido considerado conservador e como privatização dos serviços de bem-estar social.
É possível pensar numa política de assistência social em que: o seu objeto de atenção deixe de ser uma anomalia social para ser um fenômeno dotado de regularidade histórica e passível de explicação e tratamento científicos; o seu destinatário deixe de ser o miserável para ser uma coletividade definida a partir dos conceitos de pobreza relativa ou desigualdade social se contrapondo com a pobreza absoluta, fazendo com que a assistência social se organize.
Providências para a experiência brasileira: o enfrentamento da questão da redistribuição de renda e de riqueza. Fazendo com que a assistência social se volte para as necessidades sociais; a reorganização da assistência social numa estrutura descentralizada e participativa, como preconiza a Constituição Federal brasileira, de 1988. Não obrigando o Estado a responsabilidades sociais e não comprometa a sociedade com tarefas e encargos que não lhe competem, visando à recuperação da economia e à diminuição do gasto público na área social.
Só assim teremos uma política de assistência social mais compatível com as necessidades da pobreza brasileira, que afeta cerca de 50 milhões de pessoas. Demonstrando que o Brasil é um dos países mais injustos do mundo, apesar de não ser propriamente pobre, ocupando um lugar relevante no ranking das economias internacionais.
Para a política de assistência social brasileira, desafios ingentes que estão a requerer maior comprometimento do Estado e controle democrático por parte da sociedade, para que a desigualdade de torne uma preocupação de governos locais, uma vontade da política nacional.


Autor: Gilnara Guedes Dos Santos


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