O Trabalhor Infantil



Palavras chave: Criança, dignidade, direito, infância, menor, trabalhadores.

1.Introdução

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise da situação dos trabalhadores infantis localizados no território brasileiro, procurando mostrar quais os prejuízos que tal ato traz ou possa trazer, a essas crianças. A preocupação com esta temática surgiu desde o momento em que há, em nosso território, grande número de crianças e adolescentes que trabalham ilegalmente, principalmente na zona rural do país. Segundo dados do IBGE, no período de 1999 a 2001 1,8% das crianças de cinco a nove anos e 11,6% de dez a catorze anos trabalham. Apesar do número de crianças trabalhadoras terem sofrido uma significante redução, ainda existem bastantes trabalhadores infantis, no território brasileiro.É importante destacar que mesmo com a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde são explicitados todos os direitos fundamentais da criança, o trabalho infantil, que é considerado ilegal, ocorre cotidianamente, transformando assim, esses "trabalhadores mirins" em seres excluídos da sociedade, na medida que os seus direitos a estudo, esporte, saúde, cultura, lazer dentre outros, estão sendo violados.

2.Concepção de Infância

Kramer (1992), estudando o conceito de infância, procura entender a criança de acordo com suas condições sócio econômicas concretas. Isso ocorre porque a infância não pode ser tratada como um aspecto abstrato, livre de influências do contexto social.

A autora se apoia em estudos feitos pelo historiador francês Philippe Aries, o qual se lastreou em fotografias e pinturas para mostrar a transformação do sentimento de infância, que não permanece atrelado à um momento, mas se modifica, acompanhando as alterações sociais.

A exploração da mão de obra infantil, que surge principalmente com o mercantilismo e se acentua no século XVIII, com a implantação das indústrias, tornou-se algo permanente nas sociedades passadas e ainda persistem nas atuais. Com a ascensão da classe burguesa, que se fortalece ao longo do século XVIII, surge a preocupação de proteger a criança e também de mascarar sua verdadeira situação diante da realidade.

Emerge então, o conceito de infância considerando que "todas as crianças são iguais (conceito único) correspondendo a um ideal de criança abstrato"(1992, p.18), que são ingênuas e necessitam da proteção do adulto. Enfim, tratam-nas como se todas pertencessem ao mundo da criança burguesa, o qual é luxuoso, com muitas fantasias, fartura de guloseimas, com tempo para estudar e com divertidas brincadeiras.

Apesar desta posição ser difundida por toda Europa, ela não estava conivente com a realidade. As crianças menos favorecidas mal aprendiam a falar e andar e já eram inseridas no mercado de trabalho desonesto e explorador. Trabalhavam todo o dia, sem horas determinadas, recebendo um ínfimo salário, como se adulto fossem.

Ocorre, entretanto, que o exercício de atividades degradantes, como as que as crianças eram submetidas nesse contexto,gera a supressão do seu período de desenvolvimento (abrangendo todos os aspectos), que é substituído por um sentimento de responsabilidade, o que acaba caracterizando este indivíduo como adulto. Diante desta situação, tornou-se necessário proteger a criança, cuidando-a e escolarizando-a, surgindo métodos pedagógicos, que de acordo com Kramer, tratam este ser como incompleto e inocente.

No Brasil este sentimento de infância, juntamente com seu conceito, também surgiu. Mas ele emergiu, segundo a autora, "mecanicamente transposto" através da classe dominante. Mais uma vez ele não se identificou com a realidade e isso ocorreu devido a pluralidade de classes com diferentes condições sócio-econômicas presente no território nacional.

Nesse contexto, é válido destacar que as crianças escravas e aristocratas não mantinham relações diretas, como também não possuíam direitos iguais. Conseqüentemente, não se desenvolviam igualmente, não possuíam mesmas oportunidades, ou seja, não tinham o mesmo tipo de educação, entretenimento e responsabilidades, visto que as escravas eram constantemente exploradas, assim como as européias de classe econômica inferior.

Dentro deste ângulo, pode-se observar que a concepção atual de infância equivoca-se quando trata a criança desvinculada de sua condição sócio-econômica, pois o aparecimento e a permanência deste sentimento é condicionado pelas condições em que ela enfrenta no decorrer da sua vida, assim como problemas, responsabilidades e dificuldades financeiras. Consequentemente, este indivíduo não possui, de acordo com Kramer, um valor único e não deve ser tratado como uma natureza universal, porque cada um sendo rico, pobre, branco ou negro

"têm modos de vida e de inserção social completamente diferentes uma das outras, o que correspondem a diferentes graus de valorização da infância pelo adulto, a partir de suas condições econômicas, sociais e culturais, e o papel efetivo que exercem em sua comunidade" (1992, p.20) .

3.Legislações referentes ao trabalho infantil

Um dos séculos mais importantes para a humanidade, no seu desenvolvimento técnico, foi o século XVIII. Este ofereceu várias conquistas para a área industrial, devido a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra.

Com a vinda deste processo no mencionado século, novos modos de produção foram criados, visando facilitar a vinda do lucro, reduzindo, assim, principalmente gastos com mão de obra. Segundo Gomes e Gottschalk, é neste exato momento que o menor é inserido no mercado de trabalho europeu, exercendo atividades repetitivas (trabalho árduo), sem tempo de descanso, sem um salário digno e principalmente sem o acesso a educação necessária. Inexistiam legislações que se referissem a tais aspectos o que favorecia, e muito, a constante exploração infantil.

Aos poucos uma consciência de responsabilidade por estas crianças surge na sociedade liberal burguesa. A partir deste momento iniciam-se protestos exigindo atuação Estatal para regular as condições, carga horária de trabalho e salário destes indivíduos. A primeira lei a tratar deste assunto foi criada, consoante os citados autores, em 1802 por Roberto Peel, e denominava-se "Moral and Health Act", proibindo "o trabalho de menores por mais de dez horas por dia, bem como o trabalho noturno"(2001, p. 404).

A partir daí a preocupação com os trabalhadores "mirins" se alastra por todo o continente europeu, surgindo na França, Alemanha e Suíça legislações referentes a esta causa. Uma lei francesa, por exemplo, criada em 1841, vetava o trabalho de crianças menores de oito anos nas fábricas.

Se os ingleses foram pioneiros na formulação de leis para a proteção infantil referente ao trabalho, os suíços foram os primeiros a inserir em sua Constituição (1874), medidas de proteção ao trabalho do menor nas fábricas.

A regulação efetiva da duração do trabalho, idade apropriada, condições de periculosidade do serviço e proibição do exercício de determinadas profissões ou atividades não condizentes com a moralidade, surge a partir do início do século, mais precisamente a partir de 1919, com o tratado de Versalhes e as conferências executadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Legislação esta que não ficava restrita apenas as condições de um determinado país, mas procurava abranger toda a comunidade internacional.

No Brasil , a devida atenção a ser dada sobre o trabalho dos menores, surgiu a partir da Constituição de 1891, regulamentando a situação destes, que posteriormente foi consolidada num Código de Proteção e Assistência a Menores. Hoje esta lei faz parte do livro das Consolidações das Leis do Trabalho (CLT).

Atualmente, os direitos da criança estão resguardados na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 227 do primeiro diploma, assegura à criança direito a saúde, educação, lazer, cultura, dentre outros. Torna-se presente também a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, para aqueles que estão aptos a trabalhar, ou seja, segundo a CF os maiores de dezesseis edezoito anos.

4.O trabalho infantil fere a dignidade humana

Abbagnano (1999, p. 276-277) define dignidade como aquele valor que está intrinsecamente ligado a condição do ser humano. Ele é um valor especial não podendo ser comprado, pois está acima de qualquer preço. Segundo Kant (apud Abbagnano) "a dignidade de um ser racional consiste no fato de ele não obedecer a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo". Ou seja, não é a mera imposição de um lei que faz esse valor surgir, mas a aceitação dessa de acordo com os interesses do indivíduo. Como condição para essa autonomia tem-se a mortalidade e como valores impenhoráveis a moralidade e humanidade.

Diante deste conceito, pode-se averiguar que valor da dignidade deixa de ser respeitado, a partir do século XVI, com as práticas mercantilistas atuantes na América Latina. Conceitos e valores eram impostos nestas sociedades e a população era obrigada a aceitar, sob pena de punição e retaliação.

O continente Latino Americanodepois desse "marco" foi constantemente explorado e "desaculturado", dando origem a processo de inferioridade desta nação que, apesar das resistências, são sacrificadas fica e mentalmente. Muitos sujeitos foram, explorados, dentre eles a criança. Como modo de justificar tal ato, cria-se um falso mito de dignificação da criança, que se dá através do trabalho.

Durante todo processo colonial esta mão de obra foi utilizada como meio de enriquecimento dos grandes latifundiários (os favorecidos), possibilitando a exclusão destes indivíduos daquela sociedade. Esta situação permaneceu com a implantação das indústrias, pois o trabalho infantil permitia indeterminado tempo de exploração, maior produtividade, com um menor custo.

Apesar destas práticas possuírem suas raízes no passado, elas continuam com uma forte presença a realidade atual. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2004, afirmam que há no Brasil 1,9milhão de crianças trabalhadoras. É comprovado também que elas se concentram na zona rural, onde desempenham funções em diversas áreas como no trabalho doméstico, cultivo e colheita de cana-de-açúcar, fumo, sisal, algodão e frutas; atividade na indústria cerâmica e em casa de farinhas.

Não muito diferente dessa situação, a zona urbana reúne grande número de trabalhadores infantis que atuam em diversas formas no ramo da tecelagem, na produção de artesanato, na indústria de calçados e alimentos, atividades no espaço público (engraxates, vendedores ambulantes) e também na área do turismo com a exploração sexual.

A criança por não ter consciência do prejuízo que sofre ao realizar qualquer tipo de trabalho (que muitas vezes é imposto), se submete muitas vezes a funções designadas à adultos, com precárias condições de segurança e, principalmente, com prejuízos a sua saúde e desenvolvimento físico, moral e psíquico. Decorrente deste fato se torna comum notícias relatando mutilações de variadas partes do corpo, levando a lesões irreversíveis ou até fatais. Como é possível de acordo com imposição de trabalho e mutilações se falar na dignidade humana? Nota-se um desrespeito com este direito fundamental. A criança não tendo certa autonomia para formular e aceitar leis que vigorem para si, acaba consentindo determinadas condições de trabalho que podem gerar danos irreversíveis para si mesma.

Outro problema apontado é aquele referente a baixa capacidade intelectual destes indivíduos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) comprovam que estas crianças têm pouco desenvolvimento de sua capacidade criativa, crítica e preceptiva da realidade. Isso ocorre porque as atividades desempenhadas por estas não estimulam tais características.

É conhecido que o desenvolvimento das potencialidades da criança é excitada na escola. Neste ambiente ocorre a aplicação de variados métodos que favorecem a aprendizagem, desenvolvendo sua capacidade crítica, intelectual e de cidadania, pois é ali que ela aprende, mais do que nunca a ser cidadã.

Apesar da existência dessa dura realidade, o Brasil possui instrumentos formais para a proteção dos direitos infantis, principalmente aqueles relacionados as práticas de atividades exploradoras. Dentre elas temos a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No seu artigo 7º, inciso XXXIII, a Constituição Federal proíbe o trabalho para menores de 16 anos, salvo nas condições de aprendizes, que é permitido a partir dos 14 anos. Já no ECA, encontramos no artigo 67, uma proposição referente e essas práticas, onde expressa que as crianças só poderão trabalhar como aprendizes a partir dos 16 anos completos e para o exercício de atividades que não tragam prejuízos para sua integridade física, moral e social.

Entretanto, pode-se perceber a presença, além de uma discrepância quanto à idade apropriada para o exercício da atividade de aprendiz, de uma divergência quanto a posição que os compromissos formais se apresentam diante da realidade. Desse modo, verifica-se a existência de um desrespeito assumido pelo Estado com relação dos direitos fundamentais que a criança possui - educação, saúde, entretenimento - quando não garante eficácia destas normas. Este comportamento de abdicação assumido favorece, e muito, ao ferimento da dignidade de todas as crianças trabalhadoras deste país.

5.Considerações finais

Diante de todo o quadro de exploração sofrido pela maioria das crianças desfavorecidas de vários países, e principalmente no Brasil, pode-se notar que a cultura douso da mão de obra infantil não tem suas raízes prezas ao presente, mas sim a um passado remoto, mais precisamente no século XVI, nos países hoje chamados de "emergentes", e no século XVIII nos europeus.

Com o uso de sua da mão de obra o menor foi paulatinamente excluído das sociedades em geral. Não possuíam direitos, apesar de serem tratados como adultos. Aos poucos legislações, de forma esparsa, começam a surgir, dando-lhe a proteção necessária, pelo menos referentes a carga horária de trabalho. Dá-se início neste momento, as conquistas de direito efetuados por defensores destes indivíduos.

Apesar da existência de legislações que resguardam os direitos assegurados pelo menor,tanto no âmbito nacional, quanto internacional, estes estão longe de serem respeitados, devido a uma ineficácia referente ao sistema que dá proteção a esses indivíduos.

6.Referências Bibliográficas

ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário de Filosofia. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 276 - 277.

BRASIL. Constituição (1988). 21ed. Dos direitos sociais, art. 7º, inciso XXXIII. Atlas: Manuais de Legislação, São Paulo, p. 38. 2003

BRASIL. Constituição (1988). 21ed. Da família, da criança, do adolescente e do idoso, art. 227º. Atlas: Manuais de Legislação, São Paulo, SP, p. 214. 2003.

BRASIL. Decreto lei n.º 8069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 67. Egba, Salvador, BA, p.17. 1999.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 16 ed. Rios de Janeiro: Forense, 2001, p. 403-405.

KRAMER, Sonia. A Política do Pré - Escolar no Brasil:a arte do disfarce. 5 ed. São Paulo: Cortez, 1992, 15 - 20.

MORAES, Rita. Infância é para Brincar. Isto é, São Paulo, SP, n.º 1827, p. 48-50, 13 out. 2004.

NETO, Xisto Tiago de Medeiros. A crueldade do trabalho infantil. Ministério Público do Trabalho, Brasília, DF, out. 2000. Disponível em: <http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub54.htm >.Acesso em 14 out. 2004.


Autor: Fernanda Bahia


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