Direitos Humanos e violência escolar



A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS COMO ESTRATÉGIA DE COMBATE À VIOLÊNCIA ESCOLAR

Polyana Andreza da Silva Costa

Resumo
A educação em direitos humanos é um processo educativo contínuo e permanente, que pretende contribuir para o exercício da cidadania e desenvolver uma cultura dos direitos cuja finalidade é a defesa da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, solidariedade, justiça, democracia e paz. O objetivo desse artigo é refletir sobre a educação em direitos humanos como estratégia de combate e minimização da violência nas escolas. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura. As discussões dos autores indicam a necessidade de se buscar, mesmo em meio aos conflitos, a implantação de uma cultura dos direitos humanos que penetre as práticas sociais, que seja capaz de favorecer processos de democratização. Concluímos nossa reflexão acreditando que a educação em direitos humanos é um importante instrumento dentro de combate às violações de direitos humanos, de combate à violência nas escolas porque educa na tolerância, na valorização da dignidade e nos princípios democráticos.

Palavras-chave: Direitos humanos. Educação. Violência escolar.

1. Introdução
A educação em direitos humanos é um processo educativo contínuo e permanente, que pretende contribuir para o exercício da cidadania e desenvolver uma cultura dos direitos cuja finalidade é a defesa da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, solidariedade, justiça, democracia e paz. Nessa reflexão esclareceremos o que são os direitos humanos, em que consiste a educação em direitos humanos, as características necessárias ao professor e à metodologia para a efetivação dessa educação. Em seguida, trataremos da questão da violência nas escolas e explicaremos por que a educação em direitos humanos pode ser uma estratégia de prevenção e combate à violência no cotidiano escolar

2. Os Direitos Humanos
Em 18 de junho de 1948, foi concluída pela Comissão de Direitos Humanos, e aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro do mesmo ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Podemos perceber através da leitura do seu preâmbulo que a mesma foi escrita sob o impacto da Segunda Guerra Mundial e que ao retomar os ideais da Revolução Francesa, representou o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens (COMPARATO, 2010).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é resultado de um processo iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão e a Revolução Francesa; o qual levou ao reconhecimento da igualdade de todo ser humano em sua dignidade de pessoa. Representa um marco histórico na humanidade, pois é o primeiro documento a expressar um consenso sobre a validade de um sistema de princípios fundamentais deveriam reger a sociedade.
A Declaração expressa em seu artigo XXV, o reconhecimento dos direitos básicos de todo ser humano:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

Considerada um marco histórico na humanidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos se diferencia de todos os outros documentos na medida em que não defende apenas uma determinada classe de pessoas, um grupo social específico, ela defende os direitos e a dignidade de todos os seres humanos; sejam eles, ateus, cristãos, brancos, negros, índios, ricos, pobres, homens, mulheres, crianças, adultos, hetero ou homossexuais, nacionalistas ou estrangeiros.
Para Benevides, a Declaração ao reconhecer o estatuto de "pessoa" e a dignidade de todos os seres humanos, expressa uma nova compreensão sobre a universalidade dos direitos fundamentais, pois define que o ser humano é a fonte de todo o Direito, e este não deriva mais de um Deus, ou de uma transcendência, mas da própria natureza humana (2007). Os direitos humanos significam os direitos intrínsecos, próprios, comuns, peculiares a cada ser humano, os direitos que todo indivíduo possui pelo simples fato de "ser pessoa", "ser gente", de pertencer ao gênero humano, ou como diz a própria Declaração em seu preâmbulo, de ser "membro da família humana".

Direitos humanos são aqueles comuns a todos, a partir da matriz do direito à vida, sem distinção alguma decorrente de origem geográfica, caracteres do fenótipo (cor da pele, traços do rosto, cabelo, etc), da etnia, nacionalidade, sexo, faixa etária, presença de incapacidade física ou mental, nível sócio-econômico ou classe social, nível de instrução, religião, opinião política, orientação sexual, ou de qualquer forma de julgamento moral. São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca de todo ser humano (BENEVIDES, 2007, p.336 e 337).

O Programa Nacional de Direitos Humanos define os direitos humanos como sendo os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, portadores de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e migrantes, refugiados, portadores de HIV, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza (INTRODUÇÃO, PNDH). De acordo com o programa todos devem ser respeitados e ter sua integridade física protegida e assegurada.
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos - proclamada como um ideal comum a ser atingido por todos os povos - cada indivíduo e cada órgão da sociedade deve se esforçar através do ensino e da educação, para promover o respeito aos direitos e liberdades nela expressos, como também através da adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, que assegurem o seu reconhecimento e a sua observância entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (PREÂMBULO DA DECLARAÇÃO).
Podemos perceber então a grande importância que é atribuída ao ensino e à educação - pela Declaração dos Direitos Humanos - na promoção do respeito aos direitos fundamentais, embora essa responsabilidade também seja atribuída a outros órgãos da sociedade através da adoção de medidas progressivas é principalmente através do ensino e da educação que o respeito aos direitos e liberdades deverá ser promovido. O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (EDH), aprovado no final de 2004, é um dos documentos da ONU que abordam a importância da educação em direitos humanos.

O Programa estabelece que a EDH deve fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; desenvolver plenamente a personalidade humana e o sentido da dignidade do ser humano; promover a compreensão, a tolerância e a igualdade; facilitar a participação efetiva de todos numa sociedade livre e democrática, na qual impere o Estado de Direito; fomentar e manter a paz e promover o desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas e na justiça social (NACIONES UNIDAS, 2007, p.4-5 In TAVARES, 2OO7, p. 489).

3. Educação em Direitos Humanos
A Educação em Direitos Humanos (EDH) é um processo educativo contínuo e permanente, ligado ao desenvolvimento, à paz e à democracia, e que pretende desenvolver uma cultura dos direitos cuja finalidade é a defesa da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, solidariedade, justiça, democracia e paz (JARES, 2007). A promoção dos direitos humanos requer uma consciência clara sobre o papel da educação para a construção de uma sociedade baseada no respeito à dignidade da pessoa humana e na justiça social (BENEVIDES, 2007).
O Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, aprovado no final de 2004, é um dos documentos da ONU que abordam a importância da educação em direitos humanos.

O Programa estabelece que a EDH deve fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; desenvolver plenamente a personalidade humana e o sentido da dignidade do ser humano; promover a compreensão, a tolerância e a igualdade; facilitar a participação efetiva de todos numa sociedade livre e democrática, na qual impere o Estado de Direito; fomentar e manter a paz e promover o desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas e na justiça social (NACIONES UNIDAS, 2007, p.4-5 apud TAVARES, 2OO7, p. 489).

A finalidade maior da educação em direitos humanos é contribuir para a formação da pessoa em todas as suas dimensões e para o desenvolvimento de sua condição de cidadão e cidadã, ativos na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres.

[...] a Educação em Direitos Humanos parte de três pontos: primeiro, é uma educação permanente, continuada e global. Segundo, está voltada para a mudança cultural. Terceiro, é educação em valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, ou seja, não se trata de mera transmissão de conhecimentos. Deve abranger igualmente, educadores e educandos (BENEVIDES, 2007, p. 346).

Segundo Candau (2007), é importante reforçar três dimensões da educação em Direitos Humanos. A primeira diz respeito à formação de sujeitos de direito, pois, a maior parte dos cidadãos latino-americanos tem pouca consciência de que são sujeitos de direito. As pessoas acham que os direitos são dádivas.
A segunda dimensão na educação de Direitos Humanos é o favorecimento do processo de "empoderamento". O "empoderamento" significa liberar a possibilidade, o poder, a potência, que cada pessoa tem para que ela seja sujeito de sua vida e ator social. O "empoderamento" tem, também, uma dimensão coletiva, trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados, marginalizados, etc, favorecendo sua organização e participação ativa na sociedade civil (CANDAU, 2007).
A terceira dimensão diz respeito aos processos de mudança, de transformação, necessários para a construção de sociedades verdadeiramente democráticas e humanas. "A educação em direitos humanos deve levar os sujeitos a reconhecerem e respeitarem os direitos humanos" (ORLANDI, 2007).
A educação em direitos humanos trabalha permanentemente o ver, a sensibilização e a conscientização sobre a realidade. Busca ampliar a visão sobre a vida cotidiana, assim como ajudar a descobrir os determinantes estruturais da realidade (CANDAU, 2000). Esse processo educativo visa à formação do cidadão participante, crítico, responsável e comprometido com a mudança daquelas práticas e condições da sociedade que violam ou negam os direitos humanos. Mais ainda, tem como objetivo formar personalidades autônomas, intelectual e afetivamente, sujeitos de deveres e de direitos, capazes de julgar, escolher, tomar decisões, ser responsáveis e capazes de exigir que, não apenas seus direitos, mas também os direitos dos outros sejam respeitados e cumpridos (BENEVIDES, 2007).
Sendo assim, a educação em direitos humanos é uma oportunidade de conhecer, entender, propagar, discutir e vivenciar os direitos humanos na escola. É uma educação que possibilita aos educadores e educandos um maior entendimento sobre os ideais expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, para que a partir dessa compreensão alguns valores possam ser apreendidos e vivenciados no cotidiano escolar.
Jares (2007) explica que as estratégias didáticas para que a educação em direitos humanos seja efetivada devem ter como base princípios como: vivência dos direitos humanos na escola; educação pela ação e para a ação; participação dos alunos no processo de ensino-aprendizagem; visão mutável de realidade e suscetível de transformação; preferência por enfoques globais e interdisciplinares; coerência entre os fins e os meios empregados; combinação das dimensões cognitivas e afetivas; organização democrática da escola.
A educação em direitos humanos não pode ser vista apenas como uma prática pedagógica que introduz conhecimentos éticos nas diferentes práticas educativas. Precisa ser uma prática que proporcione prazer, alegria e emoção; que denuncie as violações, que proporcione experiências de promoção da vida, da auto-estima das pessoas, que provoque felicidade, ou seja, é necessário que se desenvolva, também, a dimensão afetiva.
Segundo Candau (2000, p.162), "A dimensão afetiva é um componente imprescindível da educação em direitos humanos", pois consiste numa educação que desperte a vontade de viver. Nessa perspectiva, os educadores não são responsáveis unicamente de ensinar conteúdos diferentes. São profissionais mobilizadores de processos pessoais e grupais de cunho cultural e sócio-político. Somente a partir dessa ótica é que poderão ser promotores de uma educação em direitos humanos, segundo Benevides

O educador em direitos humanos na escola sabe que não terá resultados no final do ano, como ao ensinar uma matéria que será completada à medida que o conjunto daquele programa for bem entendido e avaliado pelos alunos. Trata-se de uma educação global, complexa e difícil, mas não impossível. É certamente uma utopia, mas que se realiza na própria tentativa de realizá-la, como afirma o educador Aguirre (1990), enfatizando que os direitos humanos terão sempre, nas sociedades contemporâneas, a dupla função de ser, ao mesmo tempo, crítica e utopia frente à realidade social (BENEVIDES, 2007 p.348).

Um projeto de educação em direitos humanos deve ser capaz de sensibilizar e humanizar; muito mais por sua própria metodologia, que pelo conteúdo que se aborda nas disciplinas. Sensibilizar e humanizar significa desmistificar a opressão transmitida pela própria cultura (ORLANDI, 2007).

Como uma das finalidades da EDH é despertar a responsabilidade com a defesa do respeito ao ser humano, é fundamental sensibilizar e fomentar o compromisso. A formação nessa perspectiva deve propiciar ao educador o conhecimento e a experiência em direitos humanos, mas, sobretudo, oportunizar a socialização dos preceitos e valores relacionados a essa área (TAVARES, 2007, p.500).

Uma educação que comprometa nossos sentimentos, desejos e sonhos, esta é a perspectiva que nos parece importante ter presente na hora de desenvolver qualquer proposta de educação em direitos humanos (CANDAU, 2000).

4. O Professor e a Metodologia em Educação Direitos Humanos
A educação em direitos humanos acontece no dia-a-dia, nas diversas situações e relações cotidianas, por isso é necessário que haja além de um compromisso com os direitos humanos, o desenvolvimento de uma prática pedagógica democrática. Da mesma forma, é necessário que o educador não seja um mero transmissor de conteúdos.
Ele precisa acreditar no que faz, pois sem a convicção de que o respeito aos direitos humanos é fundamental para todos, não é possível despertar o mesmo sentimentos nos demais. Educar com o exemplo, porque de nada adianta ter um discurso contrário a sua prática ou ser incoerente exigindo dos outros, atitudes que a própria pessoa não cumpre. Dessa forma, deve ter uma consciência crítica sobre a realidade e compromisso com as transformações sociais, já que um dos propósitos deste tipo de educação é formar sujeitos ativos que lutam pelo respeito aos direitos de todos (TAVARES, 2007).
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos adverte que a educação em direitos humanos deve ser promovida em três dimensões:

a) Conhecimentos e habilidades: compreender os direitos humanos e os mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de habilidades na vida cotidiana; b) valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos; c) ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação das violações aos direitos humanos (PNEDH, 2006, p.32).

Além de considerar as três dimensões citadas, para que a educação em direitos humanos realmente aconteça, as práticas educacionais utilizadas devem ser dialógicas e participativas, para que a vivência dos direitos humanos penetre no cotidiano escolar. A Educação em Direitos Humanos precisa utilizar-se de metodologias ativas, participativas, que promovam interação entre o saber sistematizado sobre Direitos Humanos e o saber socialmente produzido, conforme destaca Candau (2007) "O enfoque metodológico deve sempre privilegiar estratégias ativas que estimulem processos que articulem teoria e prática, elementos cognitivos, afetivos e envolvimento em práticas sociais concretas".

As técnicas pedagógicas devem se orientar no sentido de uma recuperação da capacidade de sentir e de pensar. Isto implica uma técnica pedagógica capaz de penetrar pelos sentidos, e, que, portanto, deve espelhar a capacidade de tocar os sentidos nas dimensões do ver (uso do filme, da imagem, da foto na prática pedagógica), do fazer (tornar o aluno produtor, capaz de reagir na prática pedagógica), do sentir (vivenciar situações em se imagina o protagonista ou a vítima da história), do falar (interação que aproxima a importância de sua opinião) (ORLANDI, 2000, p. 324).

De acordo com Morgado (2001 apud TAVARES, 2007, p.491), a prática pedagógica da EDH está pautada no saber docente dos direitos humanos ? um conjunto de saberes específicos necessários à prática do educador em direitos humanos. Esse conjunto de saberes envolve: o saber curricular, o saber pedagógico e o saber experiencial. O primeiro aponta a necessidade de que o currículo seja flexível para adequar-se aos conteúdos de direitos humanos. O segundo corresponde às estratégias e recursos utilizados para articular conteúdos curriculares à transversalidade dos direitos humanos. E o último destaca que a vivência desses direitos e a coerência com sua promoção e defesa são essenciais..
Uma proposta de educação em direitos humanos vai além da utilização de técnicas didáticas específicas ou dinâmicas de grupo, não resume a uma série de conhecimentos e atividades isoladas. Nela está implícita uma postura pedagógica que deve penetrar as diversas dimensões da ação educativa. Na educação em Direitos Humanos deve-se optar por metodologias ativas, participativas, de diferentes linguagens, que promovam interação entre o saber sistematizado sobre Direitos Humanos e o saber socialmente produzido (CANDAU, 2007).
Para Tavares (2007), educar dentro de um processo crítico-ativo significa modificar as atitudes, as condutas e as convicções, não pela imposição de valores, mas através de estratégias democráticas que possibilitem a experiência cotidiana desses direitos, que promovam processos autônomos de produção do conhecimento. Uma educação voltada para a disseminação de uma cultura de direitos humanos deve de ser capaz, acima de tudo, contribuir para a construção de uma sociedade preparada para o exercício da autonomia, condição fundamental para o exercício da cidadania (ORLANDI, 2007).
A educação em direitos humanos requer uma metodologia, com a seleção e organização de conteúdos e atividades, materiais e recursos didáticos, que sejam condizentes com a finalidade de um processo educativo em direitos humanos. Esses requisitos são essenciais para que a prática pedagógica facilite a formação de uma consciência crítica e de um compromisso social com as questões relacionadas à problemática dos direitos humanos.
Promover uma educação em direitos humanos supõe enfrentar muitos desafios, repensar a relação educação-sociedade, a dinâmica educativa, as diversas práticas pedagógicas e o papel do educador/dinamizador (CANDAU, 2000). A educação em direitos humanos, de acordo com Tavares, além da formação em seus conteúdos específicos, requer a socialização de valores e princípios fundamentais para consolidar uma cultura de direitos humanos. Nesse caminho, a socialização busca envolver todas as pessoas na vivência e no respeito a tais direitos.

A formação de educadores que estejam aptos a trabalhar a EDH é o primeiro passo para sua implementação. Ela deve passar pelo aprendizado dos conteúdos específicos de direitos humanos, mas deve especialmente estar relacionada à coerência das ações e atitudes tomadas no dia-a-dia. Sem esta coerência, o discurso fica desarticulado da prática e deslegitima o elemento central da EDH: a ética (TAVARES, 2007, p. 487).

A implantação de uma cultura dos direitos humanos deve penetrar todas as práticas sociais e favorecer processos de democratização. Os programas de educação em direitos humanos na escola precisam estar associados a práticas democráticas, pois de nada adiantará esse esforço se a própria escola não for democrática na sua relação de respeito com os alunos, com os pais, com os professores, com a comunidade que a cerca (BENEVIDES, 2007).
Candau (2002) chama atenção para a reflexão de Mosca e Aguirre (1992) os quais após se questionarem sobre a real possibilidade de educar em direitos humanos, concluíram que:

[...] pensamos que não é impossível, mas também não é fácil. Inicialmente é necessário conhecer os direitos e, também, admitir que conhecê-los não se limita a um mero enunciado dos 30 artigos da Declaração Universal, e sim implica na descoberta e prática de certas atitudes complexas e exigentes. E isso ocorre assim porque os direitos humanos não são neutros, não toleram qualquer tipo de comportamento social, político e cultural. Exigem certas atitudes, ao mesmo tempo em que repelem outras (MOSCA E AGUIRRE, 1992 apud CANDAU, 2000, p. 164).


5. Direitos Humanos e Violência Escolar
Para enfrentar uma cultura da violência, consideramos ser necessário promover, em todos os âmbitos da vida, individual, familiar, grupal e social, uma cultura dos direitos humanos. Somente assim acreditamos ser possível uma sociabilidade que tenha seu fundamento na afirmação cotidiana de toda pessoa humana. Trata-se de uma tarefa árdua, de longo alcance, trata-se de promover sistematicamente e em todos os espaços educativos, formais e não-formais, uma educação em direitos humanos (CANDAU, 2000).
A violência na sociedade atual, especialmente nas grandes cidades, é um fenômeno que vem adquirindo cada vez maior visibilidade social, principalmente, a partir dos anos 1980, sendo objeto de preocupação tanto por parte do poder público e dos cientistas sociais, como da sociedade brasileira em geral. Não é um fenômeno social recente, porém ela tem despertado certo pavor nas pessoas porque não só suas manifestações têm se multiplicado, como também, os atores nela envolvidos, como é o caso de jovens que cada vez mais cedo sendo seus protagonistas. Uma das modalidades de violência que tem se destacado na mídia, é a violência escolar

Pouco trabalhada do ponto de vista da pesquisa educacional, a problemática da violência escolar vem provocando perplexidade e grande preocupação entre educadores e pais, não apenas no Brasil, mas em um grande número de países (CANDAU, 2007, p.138).

A problemática da violência escolar é complexa, multidimensional e multicausal, segundo Candau (2000) tem provocado nos educadores e na sociedade em geral, um clima de insegurança, angústia e medo. A educação em direitos humanos surge como uma das alternativas para combater e diminuir a violência nas escolas. Através da construção de uma cultura em direitos humanos torna-se possível trabalhar diariamente na escola o respeito à dignidade inerente a cada ser humano; por meio de práticas que proporcionem a vivência de valores como: responsabilidade, solidariedade, justiça e respeito mútuo.

A educação em direitos humanos é, na atualidade, um dos mais importantes instrumentos dentro das formas de combate às violações de direitos humanos, já que educa na tolerância, na valorização da dignidade e nos princípios democráticos (CARBONARI, 2007, p. 487).

É necessário que a educação em direitos humanos contribua para conscientizar o estudante sobre seus direitos e deveres enquanto cidadãos, que o auxilie a tomar consciência de seu lugar na sociedade enquanto sujeito capaz de modificar a realidade da qual faz parte, e da influência que a estrutura social exerce sobre sua vida. A educação em direitos humanos deve contribuir para que os estudantes vejam seus semelhantes como pessoas merecedoras de respeito e dotadas dos mesmos direitos e obrigações.
Para transformar a realidade se faz necessário trabalhar o cotidiano em toda a sua complexidade. Candau (2002) afirma que para Sime (1999), uma proposta educativa que tenha como eixo central a vida cotidiana e que queira recuperar o valor da vida, no sentido radical, tem que desenvolver de forma criativa três aspectos básicos. O primeiro pode-se definir assim:

Deve ser uma pedagogia de indignação e que diga não à resignação. Não queremos formar seres insensíveis, e sim capazes de indignar-se, de escandalizar-se diante de todas as formas de violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser um espaço onde expressamos e compartilhamos a indignação através dos sentimentos de rebeldia contra o que está acontecendo [...] A educação em Direitos Humanos deve promover essa sensibilidade, essa capacidade de reagir ao que ocorre com os anônimos desse país, com as vítimas sem nome nem sobrenome famoso (SIME, 1999, p, 272 apud CANDAU, 2000, p. 160).

O segundo aspecto que Sime (1999) destaca é a pedagogia da admiração diante de toda da vida, da capacidade de lutar por condições dignas de vida; é uma pedagogia que cria espaços para partilhar a alegria de viver. E o terceiro aspecto de uma proposta educativa que tenha como eixo central a vida cotidiana, segundo esse autor, é a escolha de uma pedagogia que promova convicções firmes e trabalhe a dimensão ética da educação.

A convicção do valor supremo da vida é a coluna vertebral do nosso projeto de sociedade, de homem e de mulher novos. Nossa opção pela vida é o que unifica nossa personalidade individual e nossa identidade coletiva (SIME, 1991, p. 274 apud CANDAU, 2000, p. 161).

Todos devem somar esforços no sentido de contribuir para uma cultura de respeito aos direitos humanos e para a minimização da violência no cotidiano escolar: escola e sociedade civil, órgãos governamentais e instituições não-governamentais. Para Candau (2002), trata-se de algo básico para que a questão da violência escolar possa ser devidamente trabalhada; esta não pode ser compreendida de modo descontextualizado e auto-referido, nem reduzida a uma questão de segurança.

Consideramos que esta articulação é de natureza dialética e que todos e todas, ali onde vivemos e atuamos, podemos trabalhar por uma cultura e educação em e para os direitos humanos. Somente assim poderemos colaborar para minimizar as diferentes manifestações da violência social e escolar e favorecer a afirmação no dia-a-dia da sociedade e da escola, desde a infância e os primeiros anos de escolarização de uma cultura dos direitos humanos (CANDAU, 2000, p.164).

É uma educação que sensibiliza e conscientiza as pessoas da importância do respeito ao próximo, sendo na atualidade uma ferramenta fundamental para a formação cidadã e para a vivência de valores que contribuam para o respeito a dignidade e aos direitos de cada ser humano. Trata-se, portanto, de transformar mentalidades, atitudes, comportamentos, dinâmicas organizacionais e práticas cotidianas dos diversos atores sociais e das instituições educativas (CANDAU, 2007).
Ao se referir às ações programáticas para a Educação Básica, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos expressa que mecanismos devem ser utilizados para assegurar o respeito e a prática dos direitos humanos nas escolas e enfatiza que a educação em direitos humanos deve ser um aspecto importante na vida de alunos e professores levando-os a aplicar os direitos humanos no seu dia-a-dia.

[...] 5. incentivar a utilização de mecanismos que assegurem o respeito aos direitos humanos e sua prática nos sistemas de ensino; [...] 7. tornar a educação em direitos humanos um elemento relevante para a vida dos(as) alunos(as) e dos(as) trabalhadores(as) da educação, envolvendo-os(as) em um diálogo sobre maneiras de aplicar os direitos humanos em sua prática cotidiana (PNEDH, 2006, p.33)

O documento enfatiza, ainda, que os professores devem trabalhar de forma crítica com os alunos, temas geradores de discriminação e de violação dos direitos humanos na sociedade, os quais devem ser inclusos no currículo escolar. Pesquisas sobre a violação dos direitos humanos devem ser incentivadas na escola para que a reflexão sobre o tema possa contribuir para uma cultura de paz e para a promoção da cidadania.

[...] 9. Fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiências, entre outros, bem como todas as formas de discriminação e violações de direitos, assegurando a formação continuada dos(as) trabalhadores(as) da educação para lidar criticamente com esses temas (p.33); [...] 24. Incentivar estudos e pesquisas sobre as violações dos direitos humanos no sistema de ensino e outros temas relevantes para desenvolver uma cultura de paz e cidadania (PNEDH, 2006, p.35).

Desenvolver uma cultura de paz e de respeito aos direitos humanos dentro das escolas é uma opção para minimizar a violência no cotidiano escolar. Os princípios de convivência são fundamentais para se construir uma escola livre de preconceitos, violência, abuso sexual, intimidação e punição corporal, como também ?e que haja importante que haja processos participativos e democráticos na resolução dos conflitos e modos de lidar com a violência e perseguições ou intimidações (PNEDH, 2006). Nesse sentido, o documento destaca que "Em tempos difíceis e conturbados por inúmeros conflitos, nada mais urgente e necessário que educar em direitos humanos, tarefa indispensável para a defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses direitos" (PNEDH, Introdução, p.22).

Propor-se a pensar e a fazer educação em direitos humanos é muito mais do que dar vazão para uma coleção de boas intenções e a mobilização de boas vontades ? por mais que sejam necessárias. É assumir um compromisso ético, social e político traduzido em práticas transformadoras que se consolidem tanto em normas exteriores e institucionais, quanto em convencimento e vivência (CARBONARI, 2007, p. 184).

Assim, a educação em direitos humanos supõe uma pedagogia que favoreça a participação, a compreensão dos conflitos inerentes à convivência humana, a construção de mediações adequadas, a implementação de acordos, alianças e parcerias para que esses conflitos não resultem em violência; e processos educativos que desenvolvam a sensibilidade, a capacidade de leitura da realidade e a inserção responsável na mesma (CARBONARI, 2007).

6. Considerações Finais
Como pode haver o desenvolvimento pleno dos estudantes em escolas onde a violência se manifesta diariamente causando danos à integridade física e psicológica de alunos e professores que convivem com o medo de que algo de ruim lhes aconteça em seu próprio local de estudo e de trabalho? No seu artigo 206, inciso VII, a Constituição Federal de 1988 determina que um dos princípios nos quais a educação deve basear-se é a garantia de padrão de qualidade. Como pode haver qualidade de ensino em salas de aula onde a violência está presente, onde professor não consegue ministrar a aula que havia planejado e os alunos não conseguem prestar atenção nas explicações dos conteúdos ministrados devido à perturbação do clima escolar causada por atitudes de violência e desrespeito ao próximo.
O Estado além de priorizar as necessidades das crianças e adolescentes ao formular as políticas públicas, deve assegurar com prioridade os direitos básicos, inclusive o direito à educação de qualidade e o direito ao respeito. Não é suficiente que haja ensino de qualidade para todos, é necessário que os estudantes e professores sejam respeitados no seu local de estudo e trabalho.
O Estatuto da Criança e da Adolescência (ECA) em seu artigo 5º ressalta que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. E, ainda, destaca no artigo 17 que

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da insanidade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (BRASIL, 1990, p.3).

As crianças e os adolescentes devem ser protegidos de toda violência, ser tratados como seres humanos, nunca expostos a situações de humilhação e constrangimento, principalmente na escola, que deve ser um lugar de aprendizagem, desenvolvimento humano e socialização mútua; não um lugar de medo, insegurança, falta de respeito e depreciação da auto-imagem que são algumas das conseqüências causadas pela violência escolar. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (BRASIL,1990, p.3).
A Educação em Direitos Humanos visa à formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência de valores como liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, cooperação, tolerância e paz. Isso significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos decorrentes de valores que devem se transformar em práticas. Através da educação em direitos humanos podemos desenvolver uma cultura de respeito à dignidade da pessoa humana, trata-se de uma mudança cultural através do processo educativo.

Que efeitos queremos com esse processo educativo? Queremos uma formação que leve em conta algumas premissas. Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado à vivência do valor da igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de sentimentos e atitudes de cooperação e solidariedade. E ao mesmo tempo, a educação para a tolerância se impõe como um valor ativo vinculado à solidariedade e não apenas à tolerância passiva da mera aceitação do outro, com o qual pode-se não estar solidário. Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da capacidade de se perceber as conseqüências pessoais e sociais de cada escolha. Ou seja, levar ao senso de responsabilidade (BENEVIDES, 2007, p. 347).

A EDH busca promover processos educativos que sejam críticos e ativos que despertem a consciência das pessoas para as suas responsabilidades como cidadão/cidadã e para a atuação em consonância com o respeito ao ser humano (TAVARES, 2007).
Nesse sentido, acreditamos que a educação em direitos humanos é capaz de contribuir para a diminuição da violência nas escolas, ao trabalhar com os valores morais na convivência mútua, a ética nos relacionamentos e ao proporcionar a vivência dos direitos humanos no cotidiano escolar; pois a partir dessas praticas, os estudantes podem se conscientizar de sua condição de sujeito que influencia e é influenciado pela sociedade, de cidadão dotado de direitos e deveres, de ser humano que deve respeitar e ser respeitado. A educação para a paz e para os direitos humanos pode ser uma estratégia de combate e minimização da violência no cotidiano escolar. Educar para a paz é uma forma particular de educação a partir de valores como: justiça, cooperação, solidariedade, compromisso, autonomia pessoal e coletiva.

7. Referências Bibliográficas
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Autor: Polyana Andreza


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