Pensando um Novo Divórcio



Proposta de emenda constitucional sobre obtenção de divórcio sem ter que passar pela ação de separação judicial (ou aguardar dois anos de separação fática) foi recentemente aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de forma simbólica, por não estar na pauta. Aprovação unânime. Na Câmara, a aprovação foi de 375 votos sim, para 15 não e uma abstenção. No dia 8 de julho, apreciada oficialmente a PEC no Senado, foi aprovada por 49 votos - placar mínimo necessário para as emendas constitucionais.
A Emenda Constitucional n. 66 , por provocar conseqüências consideráveis no Direito de Família Brasileiro, vem desde logo atraindo discussões jurídicas, cuja maioria inclina-se por sua efetividade direta, com efeito revogatório sobre a lei infraconstitucional.
Portanto e desde logo, é preciso ponderar a respeito das conseqüências dessa aprovação e da alteração constitucional, diante das atuais normas reguladoras contidas no Código Civil, quanto ao Direito de Família, até porque o texto tem eficácia constitucional direta, segundo a ESM/AJURIS, revogando o direito infraconstitucional que não mais condiz com o "novo" divórcio a qualquer tempo e, por conseguinte, também a separação judicial. Mas existe também quem defenda que as regras da separação continuariam em vigor, seguindo o Código Civil. O divórcio direto, contudo, teria incidência imediata, podendo ser requerido. Ou que a separação, ainda existente, não mais teria limite temporal.
Dispõe a Constituição Federal (art. 226, parágrafo sexto) em vigor que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, havendo prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Em conseqüência, segundo o Código Civil Brasileiro, o casal que pretende divorciar-se precisa necessariamente escolher entre algumas situações: aguardar ao menos um ano decorrido desde o casamento (art.1.574) e propor ação de separação, em caso de ambos estarem de acordo (mas, se o julgador apurar que há prejuízo aos filhos, pode recusar a homologação e deixar de decretar a separação requerida); obter a decretação de separação judicial e aguardar um ano após o trânsito em julgado da sentença para requerer sua conversão em divórcio (art.1580, caput); aguardar dois anos após uma comprovada separação de fato e requerer o divórcio (parágrafo segundo do art. 1.580).
Ainda há que se observar que (a) para propor a ação de separação, o cônjuge que a pretende tem que provar a grave violação, pelo outro, de deveres do casamento e que isso tenha tornado insuportável a vida em comum (art. 1.572), ou (b) quando o outro estiver acometido de doença mental grave manifestada após o casamento, de cura improvável, e que torne igualmente insuportável a vida conjugal, após dois anos de sua descoberta (parágrafo segundo do art. 1.572).
Dispõe o art. 1.566, do Código Civil, que são deveres de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca, a vida em comum, no domicílio conjugal, a mútua assistência, o sustento, guarda e educação dos filhos e o respeito e consideração mútuos. Por outro lado, nos termos do art. 1.573, CC, são motivos que caracterizam a impossibilidade da manutenção da vida em comum, o adultério, a tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono do lar conjugal por mais de um ano contínuo, condenação por crime infamante e conduta desonrosa, além de outros que o julgador possa considerar causadores da impossibilidade de manutenção da vida em comum.
Acerca do fundamento oposto à ação de separação, no entanto, tem-se atualmente acompanhado decisões repetidas no sentido de que não se há de considerar culpa com relação ao rompimento da relação. Surgiu com força a "teoria da não culpa", ladeada pelo princípio da afetividade, entre outros argumentos defendendo que, em se buscando a decretação da separação por culpa, viola-se o princípio da dignidade por assim exigir que sejam levados ao Poder Judiciário a vida íntima do casal e os fatos que os envergonham para, só assim, obterem a separação. A morte da afeição, ou a questão de não se poder saber se uma afronta de um a outro cônjuge pode ter sido provocada pelo agredido são igualmente argumentos levantados. Ou que, outras vezes, um dos cônjuges não querer prosseguir com o casamento apenas porque terminou o amor, e não por alguma afronta aos deveres do casamento. Mas, não podendo ajuizar ação de separação sob esse fundamento e não querendo separar-se somente de fato, acaba ajuizando a ação litigiosa, obrigando-se a imputar ao outro uma conduta desonrosa ou algum ato que importe em grave violação de um dos deveres conjugais.
As decisões abaixo exemplificam esta tendência:
"Separação judicial. O exame da culpa deve ser evitado sempre que possível. Quando termina o amor, é dramático o exame da relação havida pois, em regra, cuida-se apenas da causa imediata da ruptura, desconsiderando-se que o rompimento é resultado de uma sucessão de acontecimentos e desencontros próprios do convívio diuturno, em meio também às próprias dificuldades pessoais de cada um. Se o varão alega abandono do lar pela mulher e esta disse que foi expulsa do lar, além de ser ofendida pelo marido, descabe questionar a culpa, mormente porque existem indícios de adultério pela mulher e também de que ela foi forçada a sair do lar (TJ-RS, 7ª Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Chaves, julgado em 6/03/2002)."
Conclusão nº 27 do Centro de Estudos do TJRGS ? "Desde que completado o lapso temporal de separação fática exigido para o pedido de separação judicial litigiosa com causa objetiva ou para o pedido de divórcio descabe postular separação com causa culposa, por falta de legítimo interesse. (Maioria)". No mesmo sentido, o enunciado da III Jornada de Direito Civil, Brasília, 1º e 2 de dezembro de 2004: "Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (art. 1.511) ? que caracteriza hipótese de "outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum" ? sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges".
De fato, são possíveis as situações apontadas na jurisprudência e na doutrina acerca da não-culpa, tanto quanto também são possíveis ? se não a maioria - as originadas da infração dos deveres do casamento e da união estável, além daquelas previstas no artigo 1.573, do Código Civil, sem ignorar as dispostas na chamada "Lei Maria da Penha", de número 11.340, do recente ano de 2006, criada para "resguardar a mulher de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", no ambiente familiar. Com relação à união estável, existe a prescrição do art. 1.724, sobre que terão os companheiros de obedecer aos deveres da lealdade, do respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Sabendo-se que o Direito é de existência milenar nas sociedades humanas, tendo estreita relação com a civilização - tanto que é costumeiro dizer que "onde está a sociedade, ali está o direito" ? é lógico que seja essencial à vida em sociedade, ao definir direitos e obrigações entre as pessoas e ao resolver os conflitos de interesse. Assim sendo, ordenamentos jurídicos não se ocupariam de fatos que não tenham efetiva importância para as relações interindividuais e intergrupais.
Além disso, a doutrina analisa que o direito de família disciplina as relações sociais entre os membros da família, ou entre eles e terceiros, dando origem à relação jurídica familiar, objeto de normas especiais de ordem pública e de natureza cogente, imperativa, limitando ou anulando a autonomia privada.
A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4657/42), em seu artigo terceiro, prescreve inclusive que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece. Os dois artigos seguintes, da LICC, dispõem que, sendo omissa a lei, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito e que, ao aplicar a lei, deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e `as exigências do bem comum.
Embora a falta de consenso na doutrina acerca dos princípios gerais de direito, não há como discordar que constituem normas, bem como categoria mais ampla de princípios dos quais fazem parte os princípios jurídicos, os princípios constitucionais e os princípios de direito de família. A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, norteador de todo o ordenamento jurídico. É ele que fundamenta a existência de direitos da personalidade. Como o desenvolvimento da personalidade da pessoa ocorre no seio familiar, há uma conexão entre os princípios do direito de família e os direitos da personalidade.

O princípio da monogamia contribui para o respeito ao princípio da igualdade, porque a poligamia, além de ser ilícita, implica discriminação, inferioridade e subjugação para o gênero feminino nos países onde é praticada. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, como o princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser utilizado não só no direito de família, mas em todo ordenamento jurídico. E é indispensável o respeito ao princípio da igualdade, tanto em relação à igualdade de gêneros quanto à igualdade entre filhos. Portanto, pelo fato de os princípios ditarem o que "deve ser", tanto eles como as regras estão abarcados pelo macroconceito de norma e ambos são influenciados axiologicamente.

Enfim, no momento em que ocorre um matrimônio, relação jurídica instituída na condição de contrato sui generis, sendo as regras de direito familiar cogentes e de ordem pública, os cônjuges obrigam-se ao cumprimento das normas legais especiais que regulam o instituto. E, sendo a união estável uma entidade familiar, garantida constitucionalmente e regrada igualmente pelo Código Civil, dá-se o mesmo com os companheiros. Sem poder sequer alegar desconhecimento da lei, como se vê.

Vale lembrar, sobre relação jurídica, o entendimento de Miguel Reale, de que é o elemento mais importante do ponto de vista do direito subjetivo, enquanto a norma jurídica o é do ponto de vista objetivo. Portanto, a relação humana ou de vida é aquela que, ao ser reconhecida e integrada no suposto de fato de uma ou várias normas, produz consequências jurídicas. Então, é uma relação que se estabelece entre pessoas (sujeito jurídico), a que uma norma legal atribui determinadas consequências. As diferentes relações sociais de que podem ser partícipes os indivíduos estão contempladas juridicamente, ou seja, existe uma regulação para as mesmas. Dessas relações derivam direitos e deveres que vinculam as partes e cuja materialização se manifesta em posições de poder e de dever, respectivamente. Tal como ora ainda é, quanto ao casamento civil e à união estável.

Por outro lado, o juiz dispõe, para julgar os pedidos de separação judicial litigiosa (com atribuição de culpa) ou as ações desconstitutivas de união estável, da obrigatoriedade de fazê-lo secundum legem. E não lhe é possível deixar de julgar segundo o pedido que lhe é feito pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, que será extra petita por solucionar pedido diverso do que foi proposto através da ação.

Ou seja, sendo o pedido de decretação de separação por culpa, não pode o julgador decretá-la desconsiderando ou julgando fora do que foi pedido. Mesmo porque há conseqüências jurídicas advindas da culpa na separação. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, nos termos dos artigos 128 e 460, do CPC. Proibido está, assim, o julgamento fundado em causa petendi diversa daquela delimitada na petição inicial. Tanto isto é certo que o art. 264, parágrafo único, ao proibir a mutatio actionis depois do saneamento do processo, faz referência ao pedido e à causa de pedir.
Outrossim, é pacífica a jurisprudência no sentido de que, em ações de divórcio, não se discute culpa, mas apenas decurso de prazo legal hábil à decretação da extinção do vínculo matrimonial. Portanto, existente previsão legal de que se tem de comprovar a infração dos artigos 1.572 e/ou 1.573, CC, para obter a separação judicial, em não sendo proposta esta ação, optando-se pela separação fática e o pedido posterior de divórcio direto, abre-se mão da discussão de culpa e, por conseguinte, havendo necessidade de um ex-cônjuge pedir alimentos ao outro, serão eles os previstos pelo artigo 1.694, CC, ou seja, alimentos civis, plenos.
Assim é por conta do disposto nos artigos 1.694, parágrafo segundo, 1.702 e 1.704, CC: na separação litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no artigo 1.694 (no tanto que precisarem para viver de modo compatível com sua condição social); e, se um dos cônjuges separados judicialmente, vier a necessitar de alimentos, o outro terá de prestá-los, caso o necessitado não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Observe-se o que diz o parágrafo segundo do artigo 1.694: Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando a necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Explica a doutrina, a respeito:
Ao cônjuge inocente bastará provar sua necessidade e a possibilidade do potencial prestador para habilitar-se a receber pensão alimentícia, não estando obrigado "a demonstrar que não possui parentes em condições de prestá-los", sendo que o valor da prestação deverá corresponder "ao que for necessário à preservação da condição social (art. 1.964) que o inocente desfrutava durante o casamento, não ficando adstrito ao mínimo indispensável à sobrevivência, como ocorre com o culpado" .

Nos casos em que o cônjuge for considerado culpado na separação judicial litigiosa, os alimentos serão fixados pelo juiz no montante estritamente indispensável à sobrevivência (art. 1.704, parágrafo único, CC), ficando a verba "restrita aos alimentos ditos naturais (necessarium vitae), integrados pelo estritamente necessário à preservação da vida, com o atendimento das necessidades básicas relativas à alimentação, moradia, vestuário e tratamento por ocasião de moléstia". Assim, mesmo que o alimentante tenha condições para contribuir com valor superior, "a tanto não será obrigado, tendo em vista que a necessidade do culpado deverá ser avaliada de modo restritivo" . Tratando-se de cônjuge culpado, a necessidade de alimentos não é a mesma do cônjuge inocente, pois o culpado "somente terá alimentos naturais e não civis". Possuindo o culpado "o mínimo de renda, como um salário mínimo mensal ou, ainda, bens para serem alienados, salvo a sua residência, não estará em estado de necessidade alimentar". Não se poderá, neste caso, "fazer analogia com a capacidade econômica da pessoa obrigada (art. 1.694, parágrafo primeiro, do CC), limite estabelecido aos alimentos civis do inocente, já que, ao cônjuge ou convivente inocente, serão conferidos alimentos para viver de modo compatível com sua condição social, mas, ao culpado, apenas os indispensáveis à subsistência" .

Assinala Belmiro Welter que, com isso, "o Código Civil introduziu no país a responsabilidade objetiva condicional da obrigação alimentar, pelo que duas serão as responsabilidades alimentares: a primeira, a subjetiva, destinada ao cônjuge ou convivente inocente, com recebimento dos alimentos civis, mantendo, assim, incólume o disposto no artigo 19 da Lei do Divórcio; a segunda, a objetiva, conferida ao cônjuge ou convivente culpado, com a percepção dos alimentos estritamente necessários à sua sobrevivência, isto é, os naturais: alimentação, saúde, vestuário e habitação .
E a jurisprudência, sobre divórcio direto:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO. SEPARAÇÃO DE FATO. LAPSO TEMPORAL DE DOIS ANOS COMPROVADO. RECONHECIMENTO PELA DIVORCIANDA/APELANTE ATRAVÉS DE DEPOIMENTO EM AUDIÊNCIA. O requisito para a procedência do pedido de Divórcio Direto é o implemento do tempo, conforme termos do art. 1.580, §2º do Código Civil e art. 226, §6º da Constituição Federal. Comprovada a separação de fato do casal por mais de dois anos, não só pela prova testemunhal produzida, mas também pela declaração da própria apelante em audiência. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 3160/2009, 1ª Vara de Assistência Judiciária de Socorro, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DESA. SUZANA MARIA CARVALHO OLIVEIRA, Julgado em 22/06/2009)
DIVÓRCIO LITIGIOSO DIRETO - ANÁLISE DA CULPA - DISPOSIÇÕES ACERCA DE ALIMENTOS E PARTILHA DOS BENS.Com a adoção da Lei 7841/89, que modificou o art. 40, da Lei 6515/77, para que seja o divórcio direto decretado impõe-se tão-somente a comprovação do decurso do tempo (de dois anos) da separação de fato, descartada qualquer perquirição a respeito da causa da separação. (TJDFT - 20000150031060APC, Relator EDSON ALFREDO SMANIOTTO, 2ª Turma Cível, julgado em 19/02/2001, DJ 02/05/2001 p. 43)
Assim, tendo em vista as prescrições legais em comento, caso não seja discutida a culpa nas ações de separação judicial litigiosas, quaisquer um dos separados, posteriormente, poderá ter de prestar alimentos civis, plenos (art. 1.694, caput) ao outro, ainda que este outro seja quem tenha dado de fato (justa) causa ao pedido de separação. Pode-se, assim, entender que o cônjuge cujos direitos tenham sido violados pelo outro, venha ainda a ter de sustentá-lo no futuro, de forma plena e vantajosa. Prêmio ao ato ilícito? Desconsideração aos preceitos legais? Ao ordenamento jurídico? Dupla sanção ao inocente, em vez de àquele que infringiu a lei? Ruptura da função pedagógica da lei? Aplicação desigual do princípio da dignidade humana e da igualdade de direitos?
Pertinente ao assunto, ainda, é o comentário sobre ato ilícito que, segundo Maria Helena Diniz, é "(...) o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão." Ou, para Marcus Cláudio Acquaviva: "Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à lei, da qual resultam danos a outrem."
O conceito de ato ilícito é de suma importância para a responsabilidade civil, vez que este faz nascer a obrigação de reparar o dano. O ilícito repercute na esfera do Direito produzindo efeitos jurídicos não pretendidos pelo agente, mas impostos pelo ordenamento jurídico. Em vez de direitos, cria deveres. O Direito surge no seio social em razão da busca pela instauração e preservação da ordem, principio fundamental da natureza e idéia primária do homem, sem o que a vida social fica inviabilizada. Assim, regra fundamental à vida grupal é aquela que vem informada no dístico romano neminem laedere.
Segundo Orlando Gomes, o ato é de ser considerado antijurídico sempre que, como decorrência de uma infração da regra que disciplina a atuação estritamente jurídica de alguém, se manifeste uma desconformidade, ainda que não venha esta lesar direito subjetivo de quem quer que seja. Pois, nos termos do artigo 927, CC, quem, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. E, constitucionalmente, os danos reparáveis podem ser morais ou materiais.
Portanto, aprovada a Emenda Constitucional e, com isso, podendo os casais divorciar-se diretamente, sem passar pela separação judicial ? através da qual se pode discutir a culpa pela infração dos deveres conjugais, mas não em divórcio - terá de ocorrer alteração profunda e significante do Código Civil em vigor, quanto ao Direito de Família, inclusive com relação aos deveres do casamento, uma vez que são dispositivos legais, de natureza cogente e de ordem pública. Ou as infrações terão de passar a ser objeto de ação autônoma, indenizatória por dano moral e/ou material. A menos que também sejam erradicados os deveres legais do casamento e da união estável, para que sua infração deixe de constituir o conseqüente ato ilícito.
Enfim, o que se pode supor é que, aprovada a já apelidada PEC do Amor, ocorrendo uma provável e profunda alteração no Direito de Família, sua interpretação, seu caráter, natureza e função, tratar-se-á de uma confusa mudança de paradigmas, exatamente em um momento histórico em que leis especiais foram e estão sendo geradas para a proteção dos membros do grupo familiar, como a Lei Maria da Penha, a Lei da Guarda Compartilhada, a Lei dos Alimentos Gravídicos, a nova Lei da Adoção, a Lei da Alienação Parental, a da Presunção de Paternidade ante a recusa ao exame de DNA, a que permite que o enteado averbe o apelido de família do padrasto em seu registro de nascimento, entre outras.
Lucidamente argumenta Gilberto Schäfer que, aceitar a tese da eficácia direta da dissolução do casamento, sem nenhum requisito, "não significa aceitar que a separação ? judicial ou extrajudicial ? foi abolida. A separação, enquanto não abolida pelo legislador, pode ser utilizada por todas as pessoas que não queiram se divorciar por motivos religiosos, por esperança de voltar a conviver juntos, porque ela admite restabelecimento da sociedade conjugal". No entanto, continua o magistrado, a aplicabilidade direta do divórcio também "apresenta problemas, pois, aceita a tese da aplicabilidade direta do divórcio, sem prazo, não haveria a necessidade de prazo para a separação."
Aguardem-se, então, nossa respeitável doutrina a respeito deste tema, como também outras leis que transitam no Congresso Nacional em relação ao Direito de Família, para atender à dinâmica das novas relações familiares, como a que trata do ESTATUTO DAS FAMÍLIAS, visando tratar autonomamente as previsões desta especial e importante área do Direito.
Florianópolis, 30 de julho de 2010.
Magda Beatriz De Marchi
Advogada, professora de Direito de Família, Sucessões e Direito Processual Civil (Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina)
Autor: Magda Beatriz De Marchi


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