O ACASO DO FENÔMENO



Como não bastasse os últimos acontecimentos envolvendo-o com travestis, maculando a sua reputação junto à imprensa mundial, disseminando uma onda tóxica de perplexidade, eis que você, Ronaldo, é flagrado de cueca, bebendo, fumando e deixando exposta, sem qualquer pudor, uma obesidade excessiva para quem pretende voltar a ser o melhor jogador do mundo. Dá pra notar que há muito você nada faz para preservar aquela imagem conquistada com muito esforço e talento, de bom homem e bom profissional, um exemplo a ser seguido pelos jovens. Estranhamente, você luta para vê-la deletada, esquecida e substituída por uma outra de um fracassado, vencido e acovardado.
Dá até para explicar o seu comportamento mercê da decepção e da desilusão, diante de uma fatalidade perversa, que o tirou prematuramente dos campos, quando ainda moço e útil, impedindo-o de continuar a fazer o que mais gosta: jogar futebol. Explica-se, é verdade, mas não se justifica que você procure compensar a intempestiva fragilidade dos seus joelhos, que o fez tombar como um rei em xeque, pela corrosiva fragilidade da mente.
Muitos dirão que ninguém tem nada com a sua vida, mas não é bem assim. É incontestável que você é o único responsável por despontar como uma promessa, surgindo no simpático São Cristóvão, porém, a partir daí, nós, torcedores e a mídia em geral, o admitimos, assumimos essa co-responsabilidade, aplaudindo-o, incentivando-o, reverenciando-o, consagrando-o e o expondo mundialmente como uma jóia rara de imenso valor, um fenômeno.
Não podemos nos permitir ver um patrimônio humano tão valioso, dolorosamente depreciado, desmoralizado, fragmentado, enfraquecido, dilapidado e diluído como lágrimas na chuva. Lembre-se que você é uma referência para o seu filho, para seus pais e seu País. Ninguém imaginava que após Pelé e Garrincha, para citar apenas dois, o Brasil ainda pudesse produzir um atleta tão diferenciado e completo. Não permita que o seu brilho seja ofuscado por uma nuvem passageira.
O mais interessante é que por mais que você queira nos agredir, é flagrante que aquela postura, com aquele cigarro, aquele copo (a cueca nem tanto) não combinam com você, não se encaixam no seu perfil. São notas dissonantes ferindo de morte uma linda canção, são versos de rima pobre procurando guarida num poema de Drummond.
Ronaldo, não deixe de ser modelo para ser mau exemplo. Não se violente, não agrida a legião de esportistas que aprendeu a admirá-lo. Comece a ser agora o que você quer ser no futuro. O que lhe aconteceu foi mero acidente de trabalho, impedindo-o de jogar futebol, mas não fechou as portas para um sem-número de atividades dígnas e à altura de quem já foi unanimidade mundial. Siga o exemplo de Pelé, que manteve imaculada a sua imagem mesmo após anoslonge dos gramados. Evidentemente que você tem todo o direito de escolha, mas a exerça com elegância, com altivez.
Sabemos, caro Ronaldo, que em todos os seus breves retornos, você esperou muito de si, mas infelizmente não conseguiu corresponder as suas próprias expectativas. Não credite a sua má fase ao destino, porque destino é o nome que damos a nossa comodidade. As coisas boas que o dinheiro pode comprar, hoje você as tem, mas aquelas que o dinheiro não pode comprar, você tem de conquistá-las.
Coragem meu ídolo, procure seguir a trilha apontada pela bússola do bem, não caminhe a esmo, pois para quem não sabe para onde vai, todo caminho leva a lugar nenhum. No lúcido pensar da saudosa Zélia Gatai, "mau tempo e bom tempo não duram todo o tempo". O futuro tem milhões de anos. Você ainda tem muito para contribuir para o esporte. A vida pode ter-lhe dado, até agora, menos do que você merecia, mas com certeza deu-lhe muito mais do que você esperava.
Murillo da Villa
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Autor: Sergio Murillo Ferreira


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