A velha senhora



É um muro baixo, nada mais que um metro e vinte de altura, não tem o objetivo de proteger a casa, apenas para demarcar território. Nele, um pequeno portão para passagem dos pedestres. Não há automóveis nesta casa. Desnecessário um portão grande. Neste portão pequeno, nas laterais, duas colunas de, aproximadamente, trinta centímetros quadrados, suficientes para acomodar uma pequena almofada que é sempre levada ao final da tarde, quando o sol se dirige ao seu pôr-se, no sentido do final da casa. A casa fica de frente a uma praça em que os bancos são no formato das letras que compõem o nome da cidade. Na casa, existem dois quartos: um onde ela mantém a imagem de Nossa Senhora e um Terço grande dependurado à parede e outro, em que vive o marido. Melhor, o ex-marido, pois há muito a abandonou por outra, só retornando ao adoecer e não poder mais cuidar-se. Agora, vive sob os cuidados da velha senhora, que não reclama, não cobra. Submete-se como se seu ofício fosse: cuidar dele. Na praça, há uma caixa de madeira, fechada com cadeados e grades em que é acomodado um aparelho de tevê. Ela, a tevê, é ligada exatamente às sete da noite e aglomeram-se pessoas desprovidas deste utensílio em casa para assistir a programação do único canal existente. Às dez da noite, será desligada. O controle das luzes da praça está dentro do quintal da velha senhora; ela joga luz sobre os moradores e os escurece a seu bel-prazer. Este é caminho obrigatório a todos os moradores. Ali, de pé e acomodados os cotovelos sobre a pequena almofada ela, a velha senhora, assiste ao ir e vir dos moradores. Todos a cumprimentam como um ato religioso e sempre encontram um tempo para a troca de meia dúzia de palavras. Ela, a velha senhora, sabe muito. Todos a tratam de "vó", mas não é a mulher mais idosa da cidade. Parece ser um símbolo de respeito, mais que uma certidão de nascimento. Professora durante trinta anos conhece a todos e a todos guiou as mãos pelos caminhos da alfabetização. Políticos, empresários, médicos, servidores públicos, noviços, prostitutas, maridos que traem, esposas que traem. Continua ensinando. Só que a viver. Quando a tevê é ligada às sete da noite, ela entra, serve o jantar do ex-marido, verifica se todas as janelas e portas estão fechadas ? coisa sem importância. Nenhum assaltante ousaria incomodá-la. Inclusive, há poucos na cidade. Janta, assiste ao noticiário, vê a novela e, por fim, dirige-se à multidão aglomerada na praça. "Tá na hora!" Sempre há quem diga "só mais um pouco, vó. Tá terminando." Ela, pacientemente, aguarda, até que sua paciência se esgota e desliga as luzes. Lança a escuridão sobre todos, pois o dia começa muito cedo para ela. Apesar da aposentadoria, o trabalho de casa é todo feito por ela mesma, há que descansar. Assim vive a velha senhora, espiando a vida alheia escorada no pequeno muro com os cotovelos sobre a pequena almofada e nem percebe quão pequena é a vida.

Autor: James Fernandes


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