A Maldição da Lenda - Em Caráter de Urgência







CAPÍTULO SETE
Em Caráter de Urgência

Com o relatório de Boni na mão, Carlos Morales chamou a secretária, mandou fazer ligação para a Assessoria Jurídica e foi direto ao assunto:
_ Alo?! Sérgio?!... É, companheiro, Carlos Morales! Escuta, amigo, nosso problema se agravou. Acabo de receber relatório de Serra Dourada informando que os trabalhos se encontram em fase de acabamento no aterro, faltando o concreto. Sabe o que significa?... Pois é, ou deixamos o maquinário parado ou recolhemos pra mandar de volta, quando vocês derrubarem o tombamento. O que diz?... Não, eu não vou autorizar uma invasão, pode ficar tranqüilo. Isso é briga pra cem anos. Se a prefeitura não quer assumir, imagine eu, que sou apenas empreiteiro... Pois é, amigo, no último caso, vou recolher o maquinário e acabar com essa fofoca de uma vez por todas. Antes, porém, vou ligar pra o prefeito e ver o que ele tem pra dizer. Até mais. ? Desligou e chamou a secretária.
_ Dona Marilza, por favor, ligue pra o prefeito de Serra Dourada.
Feita a ligação, iniciam a conversa:
_ Sr. Prefeito?!... É Carlos Morales, da ENGETEC, como está o senhor?
_ Dr. Carlos! É um prazer muito grande falar com o senhor depois de tanto tempo. As obras que o seu pessoal está fazendo, posso garantir que é da melhor qualidade. O Sr. Bonifácio vai levar uma menção honrosa assinada diretamente pelo prefeito, com a sua...
_ Muito obrigado, Sr. Prefeito! Fico satisfeito em saber que a minha equipe tem se mostrado digna de elogios. É o fruto dos vinte anos de trabalho árduo pra conquistar esta posição. A propósito, acabo de receber um relatório do Sr. Bonifácio informando que as obras de aterro da barragem do Córrego do Ouro estão no final, prestes a entrar na fase do concreto. Acontece que os nossos advogados não conseguiram derrubar o tombamento e nem vão conseguir porque a castanheira, está provado, é uma árvore secular e faz parte da história, inclusive de caráter épico. O que o senhor tem a dizer?
_ Sinto muito, Dr. Carlos, não poder dar informações detalhadas porque o caso está com o Dr. Charles Burnier que é o Secretário de Obras, mas vou conversar seriamente com ele e logo que tivermos uma posição definida, entraremos em contato com o Senhor.
_ Acho que não me fiz entender. Estou dizendo que logo o aterro fique pronto, as máquinas serão recolhidas. Não podemos esperar uma solução que falta apenas comprovar que não haverá recurso capaz de reverter o processo.
Grossas gotas de suor rolaram pela face do executivo que enxugou, e disse:
_ Fique tranqüilo, Dr. Carlos. Hoje ou amanhã, teremos uma posição!...
_ Assim espero, Sr. Prefeito, assim espero!...
Livre do telefone, o chefe do executivo chamou a secretária e ordenou:
_ Dona Lúcia, por favor, marque uma reunião com todos os secretários para daqui a uma hora, impreterivelmente!
_ Sim, Sr. Prefeito, com licença!... ? E a moça saiu estranhando nunca ter visto o prefeito tão nervoso e agitado antes.
* * * * *
Pigarreou, mais para acalmar-se do que para chamar a atenção de ninguém, pois estavam muito curiosos com a urgência da convocação, e começou:
_ Senhores, esta reunião é para colher opiniões ou sugestões dos senhores. Desde a nossa campanha, não podendo esquecer o nosso querido Euclides que, como poderoso mártir, ergueu o mais alto que pôde a nossa bandeira, conquistando voto após voto com a promessa de que teríamos uma horta comunitária, um pomar e um curral de cabras para fornecer alimento para a população carente e leite para as nossas criancinhas desnutridas. Para coroar o nosso projeto, no entanto, seria necessária a canalização do Córrego do Ouro para as terras que ficam ao lado do Sítio do Piquenique, que é o palco onde há trezentos anos se desenrolou a tragédia revivida ano após ano, mês após mês, dia após dia, na memória de cada um dos nossos concidadãos. Um problema, porém, veio de encontro aos nossos mais caros anseios no sentido de realizar o nosso projeto. ? Fez uma pausa, tomou um gole de água e continuou ? Há vários anos, sabedor que era da Lenda, com o intuito de preservar as nossas tradições, um dos nossos mais queridos conterrâneos ? fez outra pausa, olhou as fisionomias como a colher impressões e prosseguiu ? o Dr. Lourinaldo Marques de Abreu, digníssimo engenheiro agrônomo, registrou, ainda no Rio de Janeiro, quando Capital Federal, a castanheira no Ministério da Agricultura, requerendo subsolo da área num raio de cem metros em qualquer direção e vinte metros para baixo, deixando o caso ou em segredo ou rolar no esquecimento. Desconhecedores do fato, contratamos a ENGETEC para represar o Córrego do Ouro, abastecer a cidade, irrigar a horta e o pomar e desenvolver a pesca, quando ele, supondo que pretendíamos depredar a área ou mesmo por zelo das mais caras tradições, decidiu comunicar ao Ministério, pois a canalização deveria ser por onde se encontra a árvore, o qual não se fez esperar no desempenho da defesa ecológica, e notificou a ENGETEC que ficaria sujeita a duras sanções no caso de insistir nas escavações. Em contato conosco, a empresa informou o ocorrido e solicitamos que fossem tomadas as providências cabíveis, transferindo-lhes plenos poderes na solução do caso. Depois de muita análise, concluíram não ser possível canalizar a água por outro local, a menos que tenhamos de onerar os cofres com monumentais obras de concreto para suavizar as curvas de nível do terreno ou a água se perderia morro abaixo sem atingir os objetivos previstos. A empresa decidiu por impetrar um Mandado de Segurança com o propósito de invalidar a ação do Dr. Lourinaldo enquanto aguardávamos o aterro. Hoje de manhã recebi uma ligação do Dr. Carlos Morales, proprietário da ENGETEC, informando que o aterro está em fase final e deseja saber em caráter de urgência o que fazer com as máquinas. Recolher aos galpões, investir nas monumentais obras de concreto ou canalizar por outro ponto, fazendo um curso bem mais longo, detalhes que o Dr. Charles Burnier, caso queira, poderá explanar. Se necessitar de alguns dados poderemos marcar o reinício para daqui a meia ou uma hora. Dr. Charles, por favor!...
O Dr. Charles pediu alguns instantes e a reunião se desfez.
* * * * *
Alguns minutos depois o prefeito reiniciou os trabalhos e imediatamente passou a palavra ao Dr. Charles que sem rodeios foi direto ao assunto.
_ Senhores, sem mais delongas, devo informar que o relato do Sr. Prefeito embora sucinto carece de poucos esclarecimentos, visto que ele se encontra perfeitamente a par das obras, restando apenas detalhes técnicos que pela sua própria complexidade não lhe seria possível reter de memória, pois se trata de obra da mais alta envergadura e exige complicadíssimos recursos da Engenharia. Temos notado em algumas cidades que via de regra quando as chuvas são muito frequentes, a água chega às casas com uma coloração leitosa, demonstrando que o processo de filtração não passa de um deficiente critério de tratamento, sendo a nossa maior preocupação e instalamos no leito do córrego uma caixa feita totalmente de chapas de ferro de meia polegada que exigiu muitos dias de duro serviço, aqui relatado para justificar o altíssimo nível do projeto. Desnecessário dizer do zelo que tivemos com a imersão em produtos anti-corrosivos, relatamos sem exagero os detalhes internos da caixa que é uma verdadeira casa debaixo do rio, dotada de válvulas, comportas, filtros, entradas para escafandristas e outras adaptações. Em tempo normal, elas podem ser abertas sem problemas para a cloração da água, mas em tempo chuvoso, a água entra no primeiro salão e passa para o segundo por um filtro que côa a lama mas a cor permanece, de forma que ao passar de um salão para outro vai clareando até tornar-se natural, eliminando os germes e bactérias. A barragem é necessária para elevar o nível da água no local da caixa, desenvolver a piscicultura e aumentar o volume para canalizar na direção da horta e do pomar. Os problemas podem ser considerados resolvidos, restando a tubulação, porque o valado deverá passar exatamente por onde está a castanheira. Mesmo que tenhamos o bom senso de contornar a árvore, o raio é de cem metros e seria o mesmo que passar por onde ela se encontra. Tangenciar, seria como construir um leito artificial. O declive não suportaria qualquer enchente e transbordaria inundando tudo ao redor. Conforme foi dito pelo Sr. Prefeito, temos apenas três alternativas, que são, parar as máquinas até a solução judicial o que não é do agrado da ENGETEC, retornar para o Rio de Janeiro até a decisão final ou investir no concreto, onerando excessivamente os cofres. Eis aí, senhores, em linhas gerais, o caso em questão.
O prefeito retomou a palavra e perguntou:
_ Algum dos senhores gostaria de fazer uso da palavra?
_ Uma pequena dúvida em relação ao problema da caixa. ? Disse Agnelo, que era o tesoureiro ? Qual é a utilidade do escafandro, se é que entendi bem?
_ Muito bem entendido! ? Disse prontamente o Dr. Charles. ? Em tempo seco não será necessário, mas em tempo chuvoso os trabalhos serão excessivos na limpeza dos filtros totalmente impregnados de lama. Mais alguma dúvida?
_ Não, Senhor, muito obrigado!
_ E se canalizar a água por baixo do solo, no raio dos cem metros? Área ecológica exige o verde e não importam as marcas do progresso dentro dela!...
_ Muito bem pensado! ? Disse o prefeito, entusiasmado.
_ Com um pequeno problema, no caso de ampliar a rede ou em épocas de reparos teremos de cavar o gramado, o que não será muito agradável.
_ A ampliação não será necessária, se colocarmos uma tubulação condigna!
_ Acho que esta solução nos trará grandes complicações com a opinião pública, pois área tombada torna-se invulnerável.
_ Doutor Charles, qual é mesmo a sua posição?
_ Anular o tombamento, preservando a árvore! ? Respondeu, convicto.
_ E se tentássemos a concessão para passar por baixo, não seria um bom começo? Não seria necessário destruir a árvore, se é este o problema!...
_ Sim! Seria uma vitória e creio que este seja o melhor caminho.
O prefeito retomou a palavra e perguntou:
_ Mais alguma sugestão, senhores?
Os homens se consultaram e decidiram que a solução seria tentar a tubulação por baixo do gramado. O prefeito dissolveu a reunião e correu ao telefone.
_ Alo, Dr. Carlos?!... Sim, é o prefeito de Serra Dourada!... Creio que chegamos a uma solução parcial. Seria possível canalizar a água por baixo da área tombada?... Sei!... Sei!... Muito bem, Dr. Carlos, enquanto o Sr. faz contatos com Brasília, vamos tentar argumentar com o Dr. Lourinaldo para ver se ele está disposto a abrir mão!... Está bem! Até breve! Passar bem, Doutor!
Desligou o telefone e disse à secretária:
_ Dona Lúcia, temos de redigir um documento!...


Autor: Raul Santos


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