Conto "Questão de família" de Dalton Trevisan: uma subtração aditiva



Subtração aditiva

Certa vez, Oswald de Andrade afirmou que a literatura era um sinal de menos e lendo o conto de Dalton Trevisan - "Questão de família" -podemos constatar a veracidade disso, porque de uma edição para outra, ele modificou vários trechos do conto, nas primeiras edições ele era mais direto, objetivo. Notemos algumas diferenças:

"(...) Elvira ficava com raiva da sogra".
"(...) Elvira se mordia de raiva".

"(...) tendo a mulher carregado tudo o que era dela. Elvira chegou a casa do velho Felipe chorando muito, com manchas azuis no corpo, Miguel havia batido nela por causa da sogra".
"(...) tendo a mulher carregado o que era dela."

Sendo as segundas frases da edição atual, percebemos que ele não nos dá a informação completa como na primeira, nesta edição (atual) só há a sugestão, e somente quando relemos o texto é que percebemos seu sentido, ele mexeu nas palavras, quando foi reeditado houve uma mudança em nível lexical, na qual as novas palavras vinham carregadas de sentido.
Lendo a segunda sentença da nova edição chegamos mais rápido em um significado errôneo, pois quando lemos que ele havia batido na mulher e ela partiu para casa do pai por causa deste fato, e logo na seqüência vem a informação que ele bebia no botequim para encarar a realidade, então imaginamos que o esposo que bebe, bate em sua mulher, trazendo à tona um velho clichê, e isso não é verdade neste texto, pois o que estava a causar problemas ao casal era a interferência de um terceiro na vida deles (a sogra), assim como primeiramente ele nos mostrou: o objeto da raiva de Elvira era que ela não gostava que a sogra se metesse em sua vida.
No entanto, como ele estruturou tão bem a narrativa, a conclusão acima acaba por se desfazer, pois em cada parágrafo, o narrador mostra que o casal nunca tem tempo para conversar ou resolver seus problemas sozinhos, o espaço é pequeno e há muita gente, e é isso que o leva a bebida e a morte, e assim como Elvira é vitima, Miguel também o é, ele morre no colo de sua mulher e no entanto não a conhece. Ele usa essa palavra, "conhecer", com um duplo sentido, pois ele não pode ver no momento por estar zonzo, e também não a conhece porque não havia um diálogo entre eles, não tinha a privacidade do casal, todo o espaço era pequeno e sempre tinha alguém para formar um triângulo, intrometendo-se na vida deles. Toda essa informação fica disposta a nós em pouquíssimas palavras, o que ele nos diz é: "Pela manhã, conduzido ao hospital, morria sem conhecer a mulher que lhe sustentava a cabeça no colo", chegamos ao sentido que o autor pretendeu dar, pelas escolhas de palavras que ele fez; Trevisan silencia, porém estas poucas palavras que formam este trecho dizem muitas coisas.
Na nova edição ele retirou bastantes informações, mas as deixou sugestionadas, e só então percebemos que quanto mais o autor tirou do seu conto, mais literário ele se tornou, como Oswald de Andrade já havia dito, que a Literatura não deixa tudo explícito, ela é um sinal de menos; Trevisan escreveu menos e sugeriu mais. A nova versão tem a mesma significação que a antiga, porém com menos palavras, só que o sentido que cada uma dessas novas palavras têm é amplo, por isso com menos frases o texto parece ainda não ter sido modificado, ele mantêm a mensagem intacta em ambas as versões e estas novas palavras trazem tudo aquilo que fora excluído do texto.

Bibliografia

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes. Rio de Janeiro: Record, 1998
________________ Cemitério de elefantes. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,1964

Autor: Ana Cláudia Ferreira De Queiroz


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