OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLSECENTES A PARTIR DA APROVAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) - Um Novo Olhar.




OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES A PARTIR DA APROVAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA) ? Um Novo Olhar.

Selma Maria Pereira Alves.

Resumo

O presente artigo aborda a questão dos direitos da criança e do adolescente apontando as mudanças ocorridas na política de atenção à esse segmento, a partir da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Tal evento contribuiu significativamente para uma mudança de olhar no que se refere à compreensão da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e seres em formação.

Palavras-Chave: Direitos, Criança, Adolescente, ECA

Summary

This article tackles the issue of the rights of children and adolescents pointing the changes in policy attention to that segment, from the adoption of the Statute of children and adolescents (ECA) in 1990. This event contributed significantly to a change of look for understanding of child and adolescent as subjects of rights and beings in training.

Keywords: Rights, Child, Teenager, ECA.



I- Introdução

As mudanças ocorridas a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988, fruto na mobilização popular no início dos anos 80, evidenciam um novo olhar para os diretos da criança e do adolescente, a partir do conteúdo do artigo 227, onde Família, Sociedade e Estado passam a ser responsáveis pela proteção da crianças e do adolescentes, considerados como seres em formação. Nessa chave, se vislumbra um novo paradigma de atenção à esse segmento, exigindo do poder público políticas de atendimento que contemplem quatro linhas de atenção: política social básica, política de assistência social, política de proteção especial, política de garantias.
O processo de elaboração do ECA, iniciou-se nos anos oitenta. Naquele período, o movimento de resistência democrática ao regime militar começa a conquistar espaço na sociedade brasileira. Era o início de um processo de transição para a democracia que viria a revelar-se de decisiva importância na formulação e positivação do novo direito da infância e juventude no Brasil. Importantes parcerias foram centrais a causa, dentre as quais, destacam-se as realizadas com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Igreja Católica, e entidades não-governamentais identificadas como Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua.
No período de 1984/1986 surgiu um movimento entre educadores e trabalhadores sociais na área da infância e adolescência. Esse movimento pensava a criança como sujeito capaz, e não como um feixe de carências. Tal pensamento tinha inspiração na Declaração Universal dos Direito da Criança, elaborada pela Organização das Nações Unidas em 1959, a qual garante à criança, direitos especiais à vida, à liberdade e à dignidade. Sendo assim, o modelo autoritário adotado pela Fundação Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM), que era fundamentado no Código de Menores (Lei 6.697/79), começou a ser questionado. Nasce então o Projeto Alternativo Comunitário de Atendimento a Meninos e meninas de Rua, projeto liderado por entidades não governamentais e por técnicos da FUNABEM e de outros órgãos. Como parte desse movimento ocorre também em 1984, o 1º Seminário Latino Americano Alternativo Comunitário para atendimento a meninos e meninas de rua. Tal proposta tinha como diretriz o trabalho sócio educativo.

Nessa direção, ocorreu o 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, organizado pelos próprios. Foi esse encontro que pressionou o Congresso Nacional, tendo como desdobramento a criação da Comissão Nacional Criança e Constituinte e o Projeto Criança Prioridade Nacional elaborado entidades não governamentais.

De acordo com Costa (1993), a Comissão Nacional Criança e Constituinte realizou um amplo processo de conscientização e mobilização da opinião pública e dos constituintes: encontros nacionais, debates em diversos Estados, ampla difusão de mensagens nos meios de comunicação, eventos envolvendo milhares de crianças em frente ao Congresso Nacional, entre outros. Um dos resultados dessa mobilização foi a carta de reivindicações contendo mais de 1,4 milhões de assinaturas de crianças e adolescentes, exigindo dos parlamentares constituintes a introdução dos seus direitos na Nova Carta.

Costa assinala ainda que duas emendas de iniciativa popular, perfazendo mais de duzentas mil assinaturas de eleitores, foram apresentadas à Assembléia Nacional Constituinte: Criança Constituinte e Criança ? Prioridade Nacional. Seus textos foram fundidos e acabaram entrando no corpo da Constituição com a expressiva maioria de 435 votos a favor, e de apenas 8 votos contra. O caput do artigo 227 introduz na Constituição brasileira o enfoque e a substância básica da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

1.1 ? O ECA e as mudanças em prol da Criança e do Adolescente.

O ECA regulamentou as conquistas contidas no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, fruto de intensas mobilizações no seio da sociedade, representada por dirigentes de organizações não governamentais, funcionários públicos dos três poderes, agentes pastorais, acadêmicos, militantes em geral.

A proposta era de mudanças de conceito, de doutrina e de paradigma; uma ruptura em relação ao antigo Código de Menores (1927 e 1979) que concentrava o poder nas mãos dos juízes, além do apelo contra a internação em função da constatação da violência institucional nas Fundação Estadual do Menor (FEBEM) e na FUNABEM.(ibid)

O ECA constitui uma legislação específica que regulamenta os preceitos firmados na Constituição Federal de 1988 acerca dos direitos das Crianças e Adolescentes. A principal mudança está na concepção da criança agora entendida como sujeitos de direitos e ser em desenvolvimento. A doutrina da situação irregular preconizada no Código de Menores é substituída pela doutrina da proteção integral da criança e do adolescente e pelo estabelecimento de novas formas de atendê-la. O ECA a reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e merecedoras de absoluta prioridade (FERREIRA, 1996, apud MARTINS, 2001).

Esse novo olhar tem como base a doutrina da proteção integral, que elege a criança e o adolescente como prioridade absoluta, entendendo que a sua proteção é dever da família, do Estado e da sociedade, e que seus direitos devem ser reconhecidos universalmente.

Nesse sentido, Costa (1995), assinala que a doutrina da Proteção integral defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU), com base na Declaração Internacional dos Direitos da Criança, afirma o valor intrínseco da criança como ser humano, tendo a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento, e ao mesmo tempo aponta também para o valor prospectivo da infância e da juventude, portadoras da continuidade do seu povo, de sua família e da espécie humana e o reconhecimento de sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e os adolescentes merecedores de proteção integral, por parte da família, da sociedade e do estado, conforme prevê o artigo 4º do ECA.

O ECA substitui o Código de Menores bem como a antiga política de atendimento que era operacionalizada pela FUNABEM, que tinha como foco menores em situação irregular; menores enquanto objeto de medidas judiciais. Enquanto o ECA reconhece toda a criança e adolescente como sujeitos de direito, que é comum a qualquer cidadão, mas também especiais devido a sua condição de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, acrescenta conteúdos novos ao elenco dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. Essas mudanças abrangem o campo dos direitos individuais (vida, liberdade, e dignidade) e o campo dos direitos coletivos (econômicos, sociais e culturais). Nessa matéria, a Constituição brasileira incorporou integramente as conquistas em favor da criança, contidas no projeto de convenção internacional, antes mesmo de ser aprovada pela Assembléia Geral das nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 (ibid).

No que se refere às mudanças de método, o ECA supera os aspectos assistencialistas e convencionais-repressivos da política de atendimento. As mudanças de gestão referem-se a descentralização (nova divisão do trabalho social entre a União, o Estado e o Município) e a participação da população na formulação e controle das políticas públicas para a infância e a juventude, conforme veremos a seguir.

2.1- A política de atendimento a criança e ao adolescente a partir da aprovação do ECA.

O ECA prevê um conjunto de ações articuladas que formam quatro linhas básicas de políticas públicas e das ações não governamentais. São elas: Políticas sociais básicas; Políticas de assistência social; Políticas de proteção especial; Políticas de garantias.
As políticas sociais básicas são definidas como universais, pois se destina à um universo mais amplo possível de destinatários, sendo portanto de prestação universal. Educação e saúde, por exemplo, são direitos de todas as crianças, independendo de sua condição social. Essa política é dever do Estado, e direito de todos.
As políticas de assistencial social é dever do Estado, mas não é direito de todos. A própria Constituição Federal, no artigo 203, delimita a abrangência das ações do aparelho assistencial do estado àqueles que delas necessitem. Os destinatários dessa política são as pessoas e grupos que se encontrem em estado permanente ou temporário de necessidade, em função de privação econômica ou de outros fatores de vulnerabilidade.

As políticas de proteção especial não abrangem todo o universo de crianças e adolescentes. Sua escala de intervenção são os casos, ou, como é mais conhecido: crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, que se configura com a exposição da criança ou do adolescente a fatores que ameacem ou, efetivamente, transgridam a sua integridade física, psicológica ou moral por ação ou omissão da família, de outros agentes sociais, ou do próprio Estado.

Os abrigos executam a política de proteção especial. Conforme assinala Martins (2001), O ECA apresenta também mudanças em relação às ações institucionais, demandando para as instituições um trabalho personalizado, orientado pelos princípios de brevidade em manutenção/resgate dos vínculos familiares (nos casos de abrigo ou internação em estabelecimento sócio-educativo). Os princípios de brevidade e excepcionalidade não são respeitados na prática. Basta nos remetermos ao levantamento nacional de abrigos para crianças e adolescentes da Rede de Serviços de Ação Continuada - SAC do Ministério do Desenvolvimento Social realizado pelo IPE/CONANDA em 2003. O desenho apresentado naquela pesquisa mostrou que existem cerca de vinte mil crianças e adolescentes atendidos nas 589 instituições de abrigos beneficiados com recursos do governo federal repassados por meio da SAC. Os dados apontaram características típicas de exclusão social, apontando que no Brasil, os abrigos são o lócus da pobreza e da desvalorização social. Ao mesmo tempo se configura como um indicativo de que não há efetividade dos preceitos firmados no Estatuto da Criança e do Adolescente.
No que se refere às políticas de garantias, essas são executadas através do sistema jurídico-social, responsável pela defesa dos direitos individuais e coletivos da população infanto-juvenil. São executores dessa política, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Vara da Infância e Juventude, a Polícia, o Conselho Tutelar, o conselho de direitos da criança e do adolescente. Esses têm a missão de garantir, assegurar e manter o respeito aos direitos da criança e do adolescente.
A partir da aprovação do ECA, tratou-se de institucionalizar mecanismos que pudessem transformar a proteção integral, garantida legalmente em um atendimento de fato. Para que isso se efetive, é necessário haver uma articulação entre as políticas das mais diversas áreas, como saúde, educação, assistência social, trabalho e garantia de direitos para haver um atendimento realmente efetivo para o segmento criança e adolescente (ibid). Por essa razão o ECA prevê algumas diretrizes, no intuito de garantir o atendimento integral e universalizante. As diretrizes se referem à municipalização do atendimento, à criação de conselhos municipais, estaduais e nacionais de direitos, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa, manutenção do fundo nacional, estadual e municipal vinculado aos respectivos conselhos de direitos da criança e do adolescente e integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Assistência Social, mobilização da opinião pública através dos da participação dos diversos segmentos.
Apesar de todas as conquistas no que se refere aos direitos da criança e do adolescente, ainda hoje vemos que o Estado continua atuando de forma insuficiente, inoperante no que tange às políticas de atendimento às crianças e adolescentes, haja vista a precariedade em que se encontram os abrigos, os centros de recuperação de adolescentes infratores, dentre outros (faltam recursos humanos e materiais). Por outro lado, família e sociedade também violam os direitos da criança e do adolescente, pois nesses espaços ocorre o desrespeito, violência contra esse segmento, sobretudo nas classes populares.


Referências Bibliográficas


BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Brasília, DF, 1994.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ministério da Educação, Assessoria de Comunicação Social. Brasília, DF: MEC, ACS, 2005.

COSTA, Antônio Carlos Gomes. É possível mudar. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. (Série direitos da criança 1)

MARTINS, Aline de Carvalho. O Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente do Rio Janeiro: Um novo caminho para elaboração de políticas. Dissertação de Mestrado. UERJ, 2001. pag. 86/92.

PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília. Dezembro de 2006.

Autor: Selma Maria Pereira Aves


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