Situação da mulher nordestina no contexto do curta Vida Maria.



Situação da mulher nordestina no contexto do curta Vida Maria.

Professora orientadora:Joselita Ferreira de Lima, Faculdade de Tecnologia e Ciências/BA
Por: Ueliton Santos de Andrade, Faculdade de Tecnologia e Ciências/BA
Co -autora: Luciana Oliveira silva, Faculdade de Tecnologia e Ciências/BA
Co -autor: Taleyrand Silva dos Santos, Faculdade de Tecnologia e Ciências/BA

Resumo:
O presente artigo tem como finalidade analisar e discutir a realidade em que está inserida a mulher nordestina e de que forma o contexto político, econômico, social e histórico converge para estigmatizar esse tipo de mulher, criando uma marca identitária de submissão. Discute-se ainda conceitos como alienação, representação social, identidade e exclusão social. Para tanto, foi utilizado, como objeto de análise o curta "Vida Maria" que retrata as condições alarmantes pelas quais passam as mulheres nordestinas. Diante da complexidade que envolve o tema, foi necessário recorrer a dados históricos da sociedade brasileira a fim de se ter uma visão holística do assunto em questão e, por conseguinte, acionar análises que, possivelmente, promoverão outras reflexões e contribuições para um novo olhar da condição da mulher nordestina.

Palavras-chave:
Identidade social, representação social.

Abstract:
This article aims to analyze and discuss the reality in which the woman is part of the Northeast and how the political, economic, social and historical converges to stigmatize this type of woman, creating a brand identity for submission. It also discusses concepts such as alienation, social representation, identity and social exclusion. Thus, it was used as an object of analysis the short film "Life Mary" which portrays the alarming conditions in which women are the Northeast. Given the complexity surrounding the issue, it was necessary to use historical data of Brazilian society in order to have a holistic view of the matter and, therefore, trigger analysis to possibly promote further reflections and contributions to a new look status of women in Northeast Brazil.

Keywords:
Social identity, social representation

REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Adas e Adas (1998. p. 499) "Historicamente a mulher tem sido [...] tratada ou vista como um ser inferior ao homem. Sofre preconceitos, restrições, discriminações e é colocada numa posição subalterna ao homem". Esta visão sócio-histórica é também política e cultural, haja vista que toda construção da sociedade é pautada a partir das ideias dos homens, excluindo, assim, as mulheres "[...] de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos valores" (XIBERRAS, 1993 apud WANDERLEY, 2001, p.17).

Ainda para Adas e Adas (1998, p.500), no Brasil a condições de pobreza nas quais vivem a mulher ainda são precárias, pois estas ainda sofrem muito com aspectos como emprego, renda, violência e saúde, acrescido ainda do não acesso a uma educação de qualidade.

Como poderão estas mulheres se emanciparem deste estigma, se a mídia, a ciência, o senso comum e as políticas públicas confluem para não ajudar o outro que sofre por não ser respeitado sua condição de ser humano? A este respeito argumenta Sawaia (2001, p. 110) que "ao mesmo tempo em que se valoriza o afeto e a sensibilidade individual, assiste-se à banalização do mal do outro, à insensibilidade ao sofrimento do outro".

Corroborando com este argumento, Martins citado por Verás (2001, p. 27) diz que "nossa cultura barroca de fachada, com base na conquista, exclui índios, camponeses no campo e, na cidade, migrantes, favelados, encortiçados, sem teto [?] em uma fenomenologia bastante conhecida", fenomenologia de desqualificação (PAULGAN, 1991), de desinserção (GAUJELEC e LEONETTI, 1994), de desafiliação (CASTEL, 1995) e de apartação social (BUARQUE, 1993).

Autores como Antonio Ciampa (2006) e Silvia Lane (2006) discutem conceitos como alienação, representação social e identidade, para eles o sujeito que não consegue dominar as ferramentas de comunicação do grupo que faz parte (por negligência do grupo ou da pessoa), é um sério candidato a ser excluído de todas as relações grupais e, desta forma sua condição de sujeito-autor da própria história fica condicionada ao que o outro diz quem ele é.

VIDA MARIA: SOM E IMAGEM DA MULHER NORDESTINA

Quando as pessoas não conseguem se fazer entender pelo meio social em que estão, ficam submetidas ao que o outro diz. A verdade do sujeito fica alienada à verdade dos outros, o que se configura um quadro de paralisia identitária, ou seja, a pessoa não consegue desenvolver suas potencialidades porque o meio não é favorável. A partir daí surge os estereótipos e preconceitos.

Estas questões ficam notórias a partir da história das várias Marias deste curta, que é singular à vida de um número considerável de mulheres do nordeste brasileiro; mulheres que não conseguiram ser alfabetizadas, que não tinham como desenvolverem suas subjetividades, pois as políticas públicas não chegaram até elas e, por conseguinte, de uma forma cíclica vão transmitindo a seus descendentes uma consciência de submissão e estagnação.

As únicas coisas que acumularam foram filhos, cansaço e frustração. Não lhes é permitido sequer aprender o próprio nome, porque o pensamento cristalizado é de que mulher é, tão somente, para os serviços domésticos e cuidados com a família.

Quando é negado o direito da pessoa de se posicionar no mundo, quando este é visto como produto e não como processo, está se negando o carácter intrinsecamente humano, que é a metamorfose; transformação que deve acontecer de maneira continua e progressiva. (CIAMPA, 2006, p. 73)

Vale a pena dizer, que o acesso à educação para a população menos favorecida nunca fora priorizado pelos governos, uma vez não tendo oportunidades no campo, essas mulheres migram com toda a família para as zonas urbanas aonde os problemas continuarão, haja vista que na ideologia da sociedade de consumo o individuo é valorizado por aquilo que ele tem, e não por aquilo que é na sua essência.

Essas mulheres não reclamam da situação flagelante em que vivem, porque acham ser a correta; essa identidade fora construída a partir da vivência com a própria família que supostamente repunha a condição de subalternidade pressuposta pela sociedade. Estas têm o trabalho penoso não como um castigo de Deus, mas de gente trabalhadora, aguerrida, esta é a representação social que se tem da mulher do campo.

Por trás desta situação há toda uma conjuntura social que exclui, e impossibilita as pessoas de lutarem por uma vida mais digna. Mas como poderiam elas, superarem isso se nunca lhes disseram que essa identidade de mulher do campo, analfabeta, sem voz nem vez foi fruto de uma construção histórica, que vem não só da época do descobrimento, mas que vêm a milênios sendo reposta por uma sociedade excludente e paternalista?

Estas mulheres vêem a realidade como uma infinidade de obstáculos que nunca puderam superar porque lhe foram negadas as ferramentas mais elementares, com as quais elas poderiam compreender o mundo.

Estava na ordem do impossível negar uma identidade pressuposta de mulher submissa que lhes fora atribuídas, já que a própria linguagem ou os códigos simbólicos através dos quais as pessoas se relacionam lhes foram negados.

Será que essas mulheres conseguiriam dizer quem são? Quando nasceram? Do que gostam ou não? Do que tem medo? Como farão para se caracterizar enquanto sujeito no mundo? Como fariam para desempenhar papéis sociais se o que é esperado delas é que fiquem em seus cantos, paradas, mudas, agonizando, esperando a morte chegar? Como fazer a negação da negação de uma identidade pressuposta se a linguagem formal é negada a pessoa, como agir sem um pensamento elaborado? Difícil.

Para entender a "Vida de Maria", faz-se necessário abrir um leque para as relações de poder e submissão, que vêm do âmbito político, da própria mídia, que apóia e dá ênfase ao sistema capitalista, sistema este que exclue todos aqueles que não conseguem inserir-se como consumidores. Não é bem visto pelos políticos investirem na formação educacional dos cidadãos, pois assim estariam desenvolvendo sujeitos pensantes, críticos, não-manipuláveis.

Uma boa parte das mulheres nordestinas - Marias Josés ? nunca passou do tempo de morrer, nunca lhes foi permitido sonhar um mundo de liberdade, de possibilidades. Elas vivem como na ideologia do período medieval em que se pregava que quem nasce pra ser pobre deveria morrer pobre por que essa era a vontade de Deus.

No Brasil rural o analfabetismo sempre fora uma constante. Contudo, esses mesmos analfabetos possuíam um pedaço de terra para plantar e assim não passavam fome. A política de boa vizinhança gerava a alto-sustentabilidade. Mas nem tudo são flores. E as que são, não duram para sempre!

A sociedade sofreu metamorfose, o capitalismo trouxe seus resultados: milhões de brasileiros foram expulsos do campo e jogados como "bichos" nas favelas, onde é mais fácil contar o que possuem do que contar o que lhes falta.

Se toda construção do homem, desde a linguagem à tecnologia, foi visando melhorar as relações entre as pessoas, porque isso não tem acontecido? Ao se dominar as ferramentas necessárias para tornar esse mundo melhor, os sujeitos têm canalizado suas forças para submeter o outro, privando-o das coisas mais essenciais e básicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desta análise pode-se constatar que este ciclo que parece não findar-se diante da repetição da condição da mulher nordestina através de várias gerações, pode ser modificado se houver a conscientização critica da sociedade em relação a essa mulher. Assim sendo, se as políticas públicas as atingirem, este ciclo ou espiral tender-se-á a ser quebrado, não existindo mais a reposição da identidade de uma mulher frágil, sofredora, subjugadas.

Apesar de tal debate estar focado na mulher do nordeste, estes argumentos valem para as mulheres de outras regiões, uma vez que estes mesmos problemas de ordem social ultrapassam os limites geográficos. Desta forma, espera-se que novas análises possam ser acionadas, no intuito de promover outras reflexões e contribuições para um novo olhar sobre a condição da mulher nordestina.


REFERÊNCIAS


ADAS, Melhem; ADAS, Sergio. (Org.). Panorama Geográfico do Brasil: contradições, impasses e desafios socioespaciais. São Paulo: Editora Moderna, ed., 1998.

GUARESCHI, Pedrinho A. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis, RJ: Editora Vozes 3ª ed. 2001.

KAHHALE, Edna M. Peters. A diversidade da Psicologia: uma construção teórica. São Paulo: Cortez, 2002.

LANE, Silvia T. Maurer / SAWAIA, Bader Burihan. Novas veredas da psicologia social. (orgs.). São Paulo: Brasiliense: EDUC, 1995.

LANE, Silvia T. Maurer, GODO, Wanderley. Orgs. Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense 13 ed. 2006.

MARCIO, Ramos. Filme: Vida Maria, duração de 9 min. Ceará. Triofilmes, 2006.



Autor: Ueliton Santos De Andrade


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