Neoconstitucionalismo e a nova interpretação constitucional: O papel do juiz como intérprete autêntico em kelsen



Luís Carlos Mendes Prazeres*

RESUMO
Ao tratar do propalado tema da nova perspectiva interpretativa da constituição e de suas derivações, é necessário ressaltar a abrangência que tal debate possui dentro do meio social, não se restringindo, pois, a luz do Direito Constitucional apenas, e sim ressaltando a importância do tema para todos os ramos do Direito e o papel imprescindível do juiz na tomada de decisões.

Palavras-chave: Interpretação. Intérprete autêntico.

1 INTRODUÇÃO

À luz de uma nova percepção acerca da interpretação normativa/Constitucional, o Neoconstitucionalismo se insere em um contexto de mudança de paradigma: A efetiva interpretação em detrimento da "legítima". A decadência do monopólio interpretativo sintetizado apenas pelo Poder Legislativo em decorrência da ascensão do Poder Judiciário na tomada de decisões e aplicação do Direito, haja vista a concretização interpretativa dar-se na fusão do caso concreto em aderência ao plano normativo. O fracasso político do positivismo abriu um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, bem como a função social deste. Como profere Hans Kelsen, a norma de escalão superior regula o ato através da qual é produzida a norma do escalão superior, porém essa regulação nunca é concretizada plenamente, ficando sempre uma margem, ora maior, ora menor, de livre apreciação , sendo que é nesse contexto que o "intérprete autêntico" faz valer o sentido material da norma, "criando-a" no ato de aplicação do Direito. É nesse sentido que esse trabalho se declinará em expor o real sentido da interpretação normativa Constitucional.

1 A REAL FUNÇÃO INTERPRETATIVA DAS NORMAS
O requisito sine qua non da efetividade do Direito é o enquadramento da norma à realidade, a sintonização entre fato e pressupostos direciona a perspectiva do esforço jurisdicional em acompanhar as constantes e singulares transformações sociais. Sob essa óptica, verifica-se a imprescindível necessidade de dar sentido eficaz às normas, bem como à Constituição, como fonte reguladora do ordenamento.
Funciona da seguinte forma: Não há uma conclusão sentencial mais absolutamente razoável Nesse sentido, Inocêncio Mártires Coelho diz:

Esse é o fundamento hermenêutico da Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, a estabelecer que não se admite recurso extraordinário contra decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, assim como da Súmula 343, do mesmo tribunal, em cujo enunciado se diz não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição da lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, interdição que subsiste mesmo quando, posteriormente, a jurisprudência venha a se fixar em sentido contrário ao daquela decisão.

O interpréte deve-se ater ao direcionamento do que lhe parece mais prudente, excluindo a idéia de uma solução única e indissolúvel.

Já para Hesse, a atividade de interpretação:
Consiste em falar o resultado constitucionalmente correto, através de um procedimento racional e controlável, igualmente fundamentado de modo racional e controlável, que possibilita a criação uma relativa certeza e previsibilidade jurídica (Konrad Hesse, escritos de derecho constitucional, idem ibidem, p.35)

A norma é inerente ao ato de interpretar, pois não há norma sem significação da mesma, pois se assim fosse, poderíamos restringir o significado apenas à interpretação gramatical. Logo, como ressalta Eros Roberto Grau, o conjunto de textos ? disposições, enunciados ? é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais [Zagrebelsky] . O real e efetivo reflexo das normas procede do posicionamento do intérprete "autêntico" ao proferir uma norma de decisão, ou seja, o intérprete, segundo Grau, "produz norma", porque materialmente ao sentenciar ele está moldando o problema de acordo com o seu ponto de vista. Continuando com Grau: ele produz norma, sim, mas não no sentido de fabricá-la, porém no de reproduzi-la, e o produto da interpretação é a norma. Destarte, a verdadeira concreção interpretativa do Direito, que é a alicerce da real efetivação dele, principalmente no que se refere aos princípios Constitucionais, que, da mesma forma, necessitam de interpretação, como lembra Ferdinand Lassale, para ultrapassarem a condição de uma simples "folha de papel".
Essa perspectiva faz-se valer no Direito Constitucional, pelo fato da própria Constituição enquanto regras e princípios, ter caráter abstrato e genérico. Daqui já se pode observar a preocupação interpretativa com maior observância em relação à Constituição, já que as leis estão em uma escala subjugada e por isso apresentam-se mais específicas e direcionadas, haja vista conceitos como os constitucionais, são predominantemente difusos, embora perceptivelmente estejam impetrados e inerentes às normas inferiores.

2 A INTERPRETAÇÃO KELSENIANA: O PAPEL DO JUIZ COMO "INTÉRPRETE AUTÊNTICO"
Até mesmo Hans Kelsen, com sua particular característica de dar aspectos mecânicos e científicos a todas as matérias, admite que a interpretação seja uma operação mental, e que também há interpretação constitucional, na medida em que de geral modo se trate de aplicar esta ? no processo legislativo, ao editar decretos ou outros atos constitucionalmente imediatos ? a um escalão inferior.
Kelsen também ressalta a necessidade de observação (pelos indivíduos) da conduta que evita a sanção, ou seja: mesmo quando a pessoa não tem a competência de intérprete autêntico (juiz), ela tem de observar e dar sentidos às normas jurídicas, pois a conduta está vinculada a um conhecimento anterior do que é lícito ou ilícito.
A decisão judicial pode ser vista como uma moldura de um quadro, e percebe-se a vasta possibilidade de preenchimento dessa moldura pelo juiz, e o significativo papel deste no que concerne à elaboração das mais diversas conclusões judiciais. Kelsen cita também que "essas decisões dependem de circunstâncias externas, que o órgão emissor do comando (Poder Legislativo) não previu e, em grande parte, nem sequer poderia prever".
Na concepção de Kelsen, o "intérprete autêntico" segue sim parâmetros de conduta, entretanto, se há, por exemplo, uma variável de pena para uma mesma conduta ilícita, cabe ao juiz decidir qual a mais adequada, pois o que foi anteriormente previsto não consegue e certamente nunca conseguirá estabelecer uma pena exata para um caso concreto, haja vista os acontecimentos do mundo são sempre singulares e imprevisíveis.
Kelsen cita também a discrepância entre vontade e expressão, que, segundo ele pode ser apenas parcial ou completa. Já sob essa perspectiva, podemos observar que nem sempre a vontade do legislador condiz estritamente à exteriorização dessa vontade. Não são todos que têm a capacidade de reproduzir exatamente a vontade de quem estabeleceu a norma. Isso abre novamente a assertiva do papel imprescindível do juiz. Volvendo mais uma vez à questão da moldura, Kelsen diz:

"O direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha em qualquer sentido possível" (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Pag. 390)

A moldura no caso pode ser equiparada à vontade do Legislador, ou seja, a sua intenção de finalidade da norma no momento de sua feitura. Entretanto para Kelsen é inútil querer fundamentar juridicamente uma decisão, principalmente optando por uma e excluindo outra, pelo fato de não haver um conhecimento científico totalmente capaz de definir decisões amplamente justas. Pode-se observar nitidamente essa observação nas questões nas varas cíveis, onde geralmente é necessário optar-se pelo direito de um em detrimento do outro, ou trocando em miúdos, geralmente um sai perdendo e outro lucrando.
Desenvolvendo mais uma vez a relevância interpretativa, kelsen diz:
A idéia subjacente à teoria tradicional da interpretação, de que a determinação do ato jurídico a pôr, não realizada pela norma jurídica aplicanda, poderia ser obtida através de qualquer espécie de conhecimento do Direito preexistente, é uma auto-ilusão contraditória, pois vai contra o pressuposto da possibilidade de uma interpretação. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Pag. 392)

Destarte, percebemos que Kelsen reconhece a idéia da impossibilidade de previsão total dos fatos, o que de certa forma possibilita mais uma vez a observância para a importância do juiz como intérprete autêntico em Kelsen.
3 A INTERPRETAÇÃO COMO MEIO DE DEFESA DA CONSTITUIÇÃO
Como já foi supracitado, a Constituição possui em suas normas um caráter abstrato, e dessa forma encontra-se muito vulnerável a certos tipos de interpretação. A força condicionante da Constituição está vinculada à tensão entre a realidade e a norma, tensão essa que tem por objetivo equilibrar esses dois pesos, sem retirar-lhes a potência. Como Konrad Hesse configura:
A interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma. [..]. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tabula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

Dessa maneira, vale ressaltarmos que uma efetiva defesa dos princípios constitucionais é inerente a uma adequada interpretação. De nada vale termos definidos em normas tudo o que há de mais nobre e justo se a aplicação ? vista aqui também como interpretação ? não for sintetizada de uma forma que garanta a supremacia constitucional, pois, parafraseando Eros Grau, o intérprete produz a norma, pois é ele quem dá sentido a esta, no momento em que absorve os fatos da realidade e concretiza a sua decisão.
Ninguém mais apto a efetivar a força da constituição do que o juiz ao interpretá-la. Todavia, o enfraquecimento constitucional também é cogitado por esse mesmo viés, quando não há uma compreensão sábia sobre a valoração da constituição.
Se cogitarmos que por trás de todas as normas há algum resquício implícito de princípios constitucionais impetrado, compreenderemos que não é possível estabelecer garantias de direitos individuais e difusos sem a plena compreensão principiológica do verdadeiro significado e importância da interpretação.
4 CONCLUSÃO
Conclui-se de forma paralela e análoga ao que fora explanado durante todo o artigo, da constante e tão ressaltada importância da interpretação como instrumento eficaz no controle de práticas abusivas em nome da constituição. A interpretação também tece função social, já que está vinculada diretamente às decisões judiciais, que na maioria das vezes estão correlacionadas com problemas e conflitos entre dois ou mais cidadãos. Observa-se também que a tomada de consciência por parte dos indivíduos ajuda no sentido de coibir tanto o abuso de poder, quanto a corrupção legislativa, que se configura como uns dos mais sérios problemas vividos pela nossa sociedade, fazendo-se sutil e ao mesmo tempo esmagadora, além de covarde, pois prejudica sem a menor preocupação com qualquer mazela social degenerativa que pode gerar. Em suma, fazer-se presente em todos os aspectos com a finalidade única de fazer valer os princípios constitucionais como fontes radiantes de justiça e prudência que direcionam positivamente na tomada de decisões.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COELHO, Inocêncio. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: safE, 1997.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: safE, 1991.

GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 28

6 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS:

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. De João Baptista Machado. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

WARAT, Luis. O Direito e sua Linguagem. 2ª ed. Porto Alegre: SafE, 1995.

SCHIER, Paulo. Filtragem Constitucional: Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: SafE, 1999.

WARAT, Luis. Introdução Geral ao Direito. Porto Alegre: SafE, 1994.

BARROS BELLO FILHO, Ney de. Sistema Constitucional Aberto. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
Autor: Luís Carlos Mendes Prazeres


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