A Maldição da Lenda - BOITATÁ Faz Prisioneiro e ET?s Tapam Buraco Com Totem







CAPÍTULO VINTE
BOITATÁ Faz Prisioneiro e
ET?s Tapam Buraco Com Totem

Dispensou o pessoal de folga e escalou a escolta para voltar à Reserva. Pe-diu que tentassem achar o ferido, mantendo as bocas fechadas e olhos e ouvidos abertos. Os feridos nas pernas ou nas costas deveriam ser detidos para averiguação. Ligou para Agnelo, Maristela e sua casa. Pediu à namorada que continuasse tentando arrancar do pai a informação sobre o veneno e estaria metade do mistério desvendado. Se ele não se esforçasse para recordar, teriam de dar muitos passos desnecessários, quando o ideal seria interrogar quem tinha criado o boato. Ligou para o gabinete do prefeito e recomendou que não se expusesse a nenhuma janela. Enquanto ele não se lembrasse do boateiro, tentariam eliminar a testemunha como queima de arquivo, e frisou que procurasse lembrar não da pessoa, mas do local e das circunstâncias em que fora dito.
Conferiu o relógio e apressou-se em retornar. Entregou a direção ao cabo e entrou com o soldado, depois de recomendar que deveriam permanecer à distância, durante a conversa. Aguardaram o convite do carbeto, que não se fez esperar.
Dirigiu-se à árvore, quando mais uma vez foi alertado pelo instinto extra-sensorial, ou o que quer que fosse. Atirou-se ao solo e gritou para os policiais, pois tinha deixado a arma no carro, apontando para a tênue nuvem de pólvora cinza-azulada. Quando saíam na perseguição, outra nuvem surgiu e o Clemente rodopiou sobre si mesmo qual grotesco boneco, desabando. Impotente, Alberto praguejou e gritou para o cabo apanhar seu revólver no porta-luvas. Rastejaram um de encontro ao outro e, ao receber a arma, traçaram ligeiro plano, disparando alternadamente e dando cobertura um ao outro. Munição não era problema, pois apesar de Alberto usar coldre subaxilar e ter deixado as balas no porta-luvas, as armas calçavam calibre trinta e oito e a cartucheira do cabo estava carregada. Quando haviam disparado quatro cada um, o cabo substituiu a carga do seu revólver e passou o cinto para Alberto, que preferiu usar as últimas.
O mato se movia e, pela localização em que estivera o atirador, estava indo para o rio. Lembrando-se do desaparecimento misterioso do outro agressor, Alberto retirou duas cargas, devolveu o cinto ao cabo e fez noventa graus, visando cortar a dianteira para ao menos ver por onde ele iria entrar, e gritou para o cabo seguir na perseguição.
Parou em um ponto estratégico na margem do rio, de onde poderia dominar a área. Ouviu um galho ser quebrado às suas costas e virou-se rapidamente, abaixando. Percebeu de relance o cano da arma que soltava a leve coluna de fumaça. Atirou e atingiu o agressor em pleno rosto, fazendo-o rodopiar e desmoronar, enquanto o cabo chegava, no instante da queda. Não perderam tempo e o levaram para o carro, onde se encontrava o soldado assistido pelos anciões que faziam emplastros e davam sumo de folhas. Afastaram-se com a chegada deles. Alberto entrou no carro e disse ao cacique:
_ Logo estarei de volta!...
_ Esperaremos!...
* * * * *
O médico atendeu os feridos e informou que o soldado estava fora de perigo, mas o bandido teria de ser submetido a cirurgia imediata, pois corria risco de vida. Despertando para a brutal realidade, implorou:
_ Por favor, doutor, não quero ter esta morte na minha consciência!...
Surpreso, o cabo perguntou:
_ Mas não é pra interrogar, que o delegado o quer vivo?...
_ Cabo, eu não sou um policial!... Se estou aqui, não foi porque eu tenha pedido, mas não é por isto que vou querer uma morte na consciência pra o resto da vida!...
_ Mas ele tentou lhe matar!...
_ Ele ? disse, apontando o moribundo ? é o assassino, não eu!...
Trocaram o carro para limpar o sangue, escalaram outro soldado e regressaram à castanheira. Os abarés estavam cabisbaixos, sentados na posição de lótus. Pararam o carro no local de antes, Alberto retirou o coldre e dirigiu-se para o carbeto. Permaneceu de pé, julgando que se encontravam em meditação, quando o morubixaba levantou a cabeça, olhou-o fundo nos olhos e disse:
_ Grande guerreiro branco, bem vindo para sempre ao nosso povo! Seu nome ficará guardado pelas gerações, até que a grande castanheira seja apenas afetuosa recordação, corroída pelo tempo!...
Emocionado, Alberto só conseguiu balbuciar:
_ Obrigado!... São muito generosos!...
_ Grande guerreiro branco muito generoso! Grande guerreiro branco muito humilde em tentar ocultar gesto heróico de capturar inimigo! Grande guerreiro branco enxerga onde vistas comuns nem percebem! Grande guerreiro branco tem olhos da grande serpente de fogo, que voa como o raio de Tupã, e passará a ser chamado de Boitatá, até que as névoas do tempo apaguem seu nome da memória, através das gerações. Boitatá convidado a sentar-se quando quiser, ou permanecer de pé, se assim o desejar!...
Trêmulo de emoção pela inesperada honraria recebida, foi dobrando os joelhos até que se viu sentado no círculo de homens que contavam, no mínimo o triplo da sua idade, sendo ele no entanto o centro das atenções. Sabia que apresar de estarem cabisbaixos, não perdiam um só detalhe dos seus movimentos. Sentiu, porém que se estavam ali, era porque ele tinha convocado. O tempo se escoava e não podiam entrar pela noite apenas pelo seu estado emocional. Respirou fundo, olhou o cacique que aguardava e disse:
_ Boitatá pronto para ouvir!...
O tuxaua deu início à maranduba na seqüência em que as perguntas tinham sido feitas, sem enumerar as respostas:
Antepassados chamavam este local de Itajubá, que significa Pedra Amarela. Sonho de riquezas fez homem branco mudar para Serra Dourada. Ouro sai do rio e homem branco chamou Córrego Dourado. Índio sonha, índio ama e gosta de por do Sol por entre as árvores, com raios dourados, e chamou montanha de Itajubá. Se homem branco pensou haver ouro no por do Sol, índio não tem culpa, nem vai enfiar verdade em cabeça de homem branco. Que fique com sua verdade mentirosa. Boitatá é homem justo e não usa língua da serpente venenosa. Boitatá faz segredo de Jutorib, o que traz a alegria e todos na Reserva amigos de Boitatá. Boitatá usa língua de serpente e Reserva vira inferno. Boitatá decide, ser irmão ou ser serpente.
Alberto sentiu o peso da decisão, olhou o corpo dos anciões e disse:
_ Nas investigações que fiz, tudo indica que aqui, embaixo, há uma grande riqueza mineral. Só não sei do que se trata. Julguei tratar-se de ouro, pelos nomes da cidade e do córrego, mas estava equivocado. Isto, no entanto não exclui a possibilidade de haver uma jazida que pode ser a causa dos assassinatos que vêem ocorrendo. Segredo por segredo, tenho contato direto com o governador que pediu análise do solo, para ver se temos uma jazida. Se for confirmado, esta região passará a ser área de Segurança Nacional e creio até que a Reserva mude de lugar. São apenas suposições, mas aconselho a não duvidarem, pois nisto pode morar a verdade. Minha sensibilidade manda que para seu povo Boitatá jamais perca a solidariedade de irmão. Mas, se este for o segredo de Jutorib, o que traz a alegria, como fica Boitatá, se tiver de levar os criminosos aos tribunais com a prova de que estão contrabandeando esse minério, perante o seu povo, como irmão ou como a serpente que fere e se esconde entre as rochas?
_ Boitatá tem sabedoria e prudência do jabuti que tudo observa e chega primeiro. O conselho ancião entrega o segredo, mas não impõe condições e roga a Tupã que Boitatá faça melhor uso. Com justiça, Boitatá irmão, sem justiça, Boitatá serpente que merece ter esmagada a cabeça com o desprezo dos que o adoraram como Boitatá.
Com um frio na espinha, outra vez o rapaz reagiu, ergueu a cabeça e falou:
_ Boitatá pronto para ouvir!...
Dando seqüência à maranduba, o morubixaba reiniciou:
_ Jutorib conheceu filhos de Tupã, que vieram do céu. Filhos de Tupã desceram na grande oca prateada, que voa. Filhos de Tupã rasgaram o seio da mãe Terra e retiraram alimento para o ventre da oca que vomita fogo quando vai para o céu. Filhos de Tupã abriram profundo buraco, lugar sagrado. Só entrarão filhos de Tupã, quando voltarem para buscar alimento para oca voadora. Lugar sagrado protegido por totem sagrado. Filhos de Tupã colocaram, filhos de Tupã retiram totem sagrado.
Ouvia a maranduba, mas tentava desesperadamente superar o turbilhão de emoções que lhe atravessavam o Espírito e comandar o raciocínio que, obstinadamente, teimava em fugir, dando lugar às mais estranhas sensações de incredulidade, irrealidade, vontade de fugir e pegar sua guitarra. Achou irônico pensar na guitarra, quando acabara de ser vítima de assassinato, mandara o agressor para o hospital, conquistara o respeito eterno de um grupo de cépticos sexagenários silvícolas e ouvia a narração de que um ou mais discos voadores tinham estado sé-culos antes naquele mesmo local em que se encontrava, com os tripulantes garimpando combustível para suas naves. "Meu Deus, seria possível?... Então, ao invés de estar sobre um veio aurífero, eles estavam sobre uma mina de urânio ou material radioativo? Meu Deus! O Dr. Charles Burnier falara sobre radioatividade, e ele, ou desprezara a alusão ou aguardara inconscientemente até aquele momento. Seria tudo aquilo verdade, ou não passava de uma bem tramada peça do destino, para confundi-lo e atirá-lo no mais profundo dos desesperos psicológicos?..." Procurou afastar da mente os raciocínios próprios e concentrar na narrativa do tuxaua, que interrompera ao perceber que ele divagava. A perspicácia do velho cacique em nada ficava a dever aos conhecimentos catedráticos dos melhores psicólogos. Retomou o domínio das emoções depois de haver arrumado o arquivo mental, fitou novamente o cacique e declarou:
_ Boitatá pronto para ouvir!... Obrigado!
Como se Alberto não tivesse ouvido as últimas palavras, o velho cacique repetiu-as, pausadamente, e continuou a maranduba:
_ Filhos de Tupã colocaram totem sagrado, filhos de Tupã retiram totem sagrado. Boitatá é dono de segredo secular. Conselho ancião revelou e deseja que Boitatá faça uso com justiça e sabedoria, e continuam irmãos.
Arriscando uma pergunta delicada, Alberto inquiriu:
_ Posso entrar lá?...
_ Filhos de Tupã colocaram totem sagrado, filhos de Tupã retiram totem sagrado. Quem entrar lá se põe contra filhos de Tupã e não é mais irmão! ? Encerrou, baixando a cabeça, como dando por finda a entrevista.
Concluiu que as perguntas seriam inconveniente e despediu-se:
_ Boitatá honrará a confiança, e nisso penhora sua vida!...
Afastou-se, lentamente e, num relance, observou que permaneciam sentados e somente se moveriam quando o ruído do automóvel não mais fosse audível.
Na delegacia, discou um número, disse o seu nome e pôs-se a esperar. Segundos depois outra voz atendeu e perguntou:
_ É a voz maior?...
_ Sim!... Pode continuar!...
_ Achei uma fazenda, literalmente, do outro mundo. Podemos conversar?
_ O mais depressa possível! Terei de viajar?...
_ Não é o momento ideal. Muitas coisas acontecem. Vai chegar pedido de verba pra viagem longa e missão importante. Literalmente, do outro mundo!...
_ Acho que entendi!... Se é que entendi!...
_ Voa alto, e entenderá bem melhor!...
_ Meu Deus, é verdade?...
_ Secular e radioativa!...
_ Até breve e boa sorte!...
_ Até! Idem! Vou tentar ir aí!...
Desligou e deu um suspiro. O segredo fora desvendado e repassado, muito embora de maneira incompleta, e a quadrilha que se cuidasse. Estava vindo chumbo grosso...
Recobrou o ânimo, bateu com as mãos sobre a mesa, levantou-se, no impulso e falou em voz alta, como para si mesmo:
_ Pessoal, acho que tenho direito a um bom banho, não é? Que tal um passeio até em casa, agora?... Quem vai comigo?...
Desacostumados de o ouvirem falar daquela maneira, os policiais entreolharam-se e se levantaram, para o acompanharem. Naqueles poucos dias, ele passara no conceito deles de um simples moleque irresponsável para um homem corajoso e de caráter irrepreensível.
_ Vamos dar uma passada no hospital, na prefeitura, nas casas do prefeito e do Dr. Silvano. Uma esticadinha de meia a uma hora, não mais!...





Autor: Raul Santos


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