A Maldição da Lenda - Navegando em Brancas Nuvens, Mas Não o Ecologista



CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Navegando em Brancas Nuvens,
Mas Não o Ecologista

Percebeu que estava dando pouca importância aos postos da farmácia e da casa do Dr. Silvano. Telefonou e constatou que não havia anormalidade. Ligou para o Dr. Charles e convidou a visitarem as instalações da barragem e acertaram para a meia-noite, quando os noctívagos fossem poucos. Inspirou fundo, mas lentamente um vazio intenso começou a ocupar-lhe o cérebro. Para encher a mente, depois de tantas emoções, vasculhou a cidade que tão bem conhecia, rua por rua, praça por praça, casa por casa, pessoa por pessoa e em certo momento interrompeu o raciocínio e gritou:
_ Meu Deus!... Como pude me esquecer?... Nem de leve percebi!...
Olhou a hora, discou um número e ajeitou-se na cadeira.
_ Alo, dona Alzira?!... Aqui é Alberto, filho de Agnelo!...
_ Oh, Beto, há quanto tempo não lhe vejo! O que tem feito, meu filho? Deu formiga em casa ou os russos atacaram os americanos? ? Brincou a dama, demonstrando grande jovialidade e carinho pelo rapaz.
_ Não, senhora, eu só queria falar com o Dr. Lourinaldo, ele está?
_ Não, meu filho, o Louro foi pra fazenda e amanhã vai ao Rio e talvez a Brasília. Você sabe da castanheira, não é? Estão querendo invadir a área.
_ Eu ouvi qualquer coisa a respeito. ? Estimulou.
_ Pois é! Quando era delegado de terras, ecologista e preservador histórico como é, achou que um dia o progresso chegaria e tentariam destruir as nossas raízes. Apaixonado pela Lenda e macaco de auditório do cacique Jutorib, o que traz a alegria, quis preservar a integridade do local e requereu subsolo, mas a Prefeitura contratou aquela empresa pra canalizar o rio, exatamente onde estão as raízes da árvore. Indignado com o descaso, ele fez um ofício e pediu pra bloquearem as obras. Eles entraram na Justiça e a coisa está correndo por lá. O escritório é no Rio, mas a ação está em Brasília. Ele vai conversar com os diretores da ENGETEC. Se não conseguir nada, vai a Brasília e nem vai dar satisfação pra a Assessoria Jurídica. Vai direto ao Ministério e quer ver se o IBAMA funciona ou só sabem comer o dinheiro dos impostos. Saber onde mexer, pode ter certeza de que ele sabe. ? Afirmou num veemente desabafo que se percebia vir de longos anos adepta aos objetivos ecológicos do marido.
Alberto fez perguntas mas apesar da fluência no falar da gentil senhora, nada notou que denunciasse o esposo no envolvimento com a quadrilha. Tirou, então, duas conclusões provisórias. Ou ele era inocente, ou tão esperto que não vazava informações à tagarela esposa, para que o segredo não fosse compartilhado na feira ou no cabeleireiro.
Satisfeito com a aparente inocência do gentil macróbio, pelo respeito que lhe tinha, desligou e dispôs-se a continuar a varredura. Recordou o Zé de Ticha e associou-o ao que despejara gasolina na farmácia. Caíra no esquecimento, pelo acúmulo de problemas que os envolvera. As buscas tinham sido infrutíferas. Praguejou mentalmente, considerando que os fatos pareciam conspirar contra as investigações. Ele só queria uma única pista que o conduzisse à quadrilha, para chegar ao chefe e enfiá-lo atrás das grades, mas por mais que estruturasse a segurança, por mais que se aproximasse da verdade, quanto mais apertava o cerco, mais as coisas se pareciam com a banana madura apertada na mão, espirrando por entre os dedos. Ele via tudo e não podia fazer nada para impedir. Começou a retroagir no tempo e a intervalos buscava laivos de objetividade que escapavam tão logo ele se voltava para o foco do raciocínio. Prendeu a cabeça com as mãos e sentiu necessidade de ar, de liberdade, de movimento, de... som... Claro!... Necessitava da guitarra para ajudar a raciocinar. Instintivamente, percebeu que os grandes problemas da humanidade tornam-se insolúveis porque os homens sérios cuidam mais do espírito de sistema do que da forma com que eles se apresentam. Levantou-se e disse:
_ Estou com saudade!...
_ Já?... Mas não acabou de levar a namorada em casa, agora mesmo?...
_ A namorada, mas minha saudade não é da namorada. Minha saudade agora é da querida companheira, e vou buscar. Quem vai comigo?
Compreendendo que se tratava da guitarra e sabendo como ele tocava, dois policiais se prontificaram. Ligaram para Agnelo, a fim de não o assustarem.
Rodeado pelos colegas, iniciou os acordes que ecoaram na vizinhança. Os vizinhos se assustaram por não estarem acostumados com som de guitarra vindo da delegacia, mas era muito cedo e não interferia no horário de silêncio, o que era absolutamente legal.
Enquanto se deleitavam, Alberto dava asas à imaginação, acabando por confirmar algo que descobrira, mas ainda não tivera tempo ou coragem de admitir, que era raciocinar ao som da querida guitarra.
Autor: Raul Santos


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