Poema Iv ( O Poeta E O Bispo )



Ia caindo o sol bem reclinado.

Na vagarosa carruagem madornando,

Depois de bem jantar, fazendo a sesta,

Roncava um nédio, um barrigudo frade.

 

Bochechas e nariz. Em cima uns óculos.

Vermelho solidéu... enfim: um Bispo.

E um Bispo, senhor Deus! da Idade Média,

 

Em que os Bispos, como hoje em dia e mais ainda,

Sob o peso da cruz, bem rubicundos,

Dormindo bem, e a regalar bebendo,

Sabiam engordar na sinecura.

 

Papudos santarrões, depois

Missa Lançando ao povo a bênção - por dinheiro!

 

O cocheiro ia bêbado, por certo.

Os cavalos tocou por bom caminho,

Mesmo em cima das pernas de um cadáver.

 

Refugou a parelha, mas o sota,

Que o sol da glória episcopal enchia

De orgulho e de insolência o couro inerte,

Cuspindo o poviléu, como um fidalgo-

Que em falta de miolo tinha vinho

Na cabeça devassa, deu de esporas:

 

Como passara sobre a vil carniça

Reléu de corvos negros-foi por cima. . .

 

Mas desgraça! maldito aquele morto!

Desgraça!... Não porque pisasse o coche,

Aqueles magros ossos. Mas a roda,

Na humana resistência, deu estalo. . .

 

E acorda o Fradalhão:

- O que se sucede?

Pergunta bocejando: É algum bêbado?

- Em que bicho pisaram?

 

"Senhor Bispo"

Diz o servo da Igreja, o bom cocheiro,

Ao vigário de Cristo, ao santo apóstolo,

Dessa fidalga raça nova,

Que não anda a pé como São Pedro,

Nem estafa os corcéis de São Francisco:

 

"Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima;

É um pobre diabo de poeta,

Um homem sem miolo e sem barriga

Que lembrou-se de vir morrer na estrada!"

 

"Abrenúncio!  - Rouqueja o santo Bispo:

Leve o Diabo essa tribo de boêmios!

Não há tanto lugar onde se morra?

Maldita gente! Ainda persegue os santos

Depois que o Diabo a leva!"

 

E foi a caminho...

 

( Álvares de Azevedo – Poemas Malditos )

Autor: Ailton Ferreira


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