A Maldição da Lenda - Vitória & Derrota







CAPÍTULO QUARENTA
Vitória & Derrota

Um surdo murmúrio, e o prisioneiro, como o Claudino, baixou a cabeça, com os braços arriados sobre as pernas. A atitude humilde chegou a penalizar algumas pessoas. Primeiro foi um sussurro, que foi-se elevando até se perceber que ele dizia alguma coisa.
_ Eu tinha a intuição de que você não ia fugir como os outros, e fui mais longe. Eu dizia pra se cuidarem pois a esposa ou um dos filhos podia sofrer um acidente, e eles faziam o que eu mandava. Você não acreditou no microfone... Eu ouvi todas as suas conversas. Não acreditou nos telefonemas nem nos tiros. Parecia que cada ameaça era um desafio novo e maior que tinha de superar, e eu fui gostando. Só não esperei que estivesse aqui na hora do telefonema do Charles. Era hora da janta e eu estava ouvindo as conversas na sua casa, mas já tinha acertado o jogo de canastra e não podia voltar. Não esperei também que fosse ligar uma coisa com a outra, nem que passasse àquela hora na praça. Os planos estavam falhando e eu fui pegar os documentos comprometedores. Dei azar. Os arquivos estavam fechados e não podia acender a luz. Sou obrigado a reconhecer que você não é o moleque irresponsável que imaginei e sua inteligência é realmente brilhante. Você errou quando disse que o Roberto tinha embriagado o Zé de Ticha e esqueceu que ele trabalhou na minha fazenda. Seu raciocínio direto não deixou que olhasse as alternativas paralelas e preferiu acreditar nisso. Eu soube do urânio bem antes de me candidatar, mas esperei o momento. O Lourinaldo não ia deixar escavar o solo e a FUNAI protegeria a Reserva. Eu não tinha com que me preocupar. Quando fui eleito, comecei a preparar o Afonso, que era o tesoureiro, pra assumir o projeto comunitário. Eu sabia o quanto ele se dedicaria e que Euclides tinha verdadeira adoração por vocês. Só cometeu o erro de ver o caminhão recebendo a carga. Foi olhar por baixo e ouviu os comentários. Mas foi visto, e eu fui comunicado a tempo. Posso dizer com segurança que você é um gênio. Mas é a sua genialidade que se torna um desafio. Eu sou um jogador, e não me considero derrotado. A vida continua, e você não vai se livrar da minha vingança... Eu falei e você não acreditou. Você vai viver, mas a pessoa que mais ama vai pagar caro... ? E enquanto os circunstantes ouviam a batalha de palavras, moveu-se rapidamente e Alberto adivinhou qual seria a vingança. Mas era tarde. O Dr. Silvano tinha uma arma escondida, Deus sabe onde, e estava subindo velozmente para cima da mesa e seria disparada, não contra ele, mas contra a pessoa amada. Sentiu que não poderia bancar o caubói. Não se tratava de impedir de atirar, mas de salvar a vida. E, sem pensar, sem mesmo entender, num espetacular salto digno do mais ágil acrobata, voou por sobre a mesa, ainda com muitos pratos, e recebeu no tórax o projétil disparado para a cabeça de Agnelo. Na simultaneidade dos grandes campeões, os militares dispararam, ainda que, muito tardiamente, atingindo o facínora no peito, empurrando-o ao chão por sobre a cadeira em que estivera sentado.
Indizível, indefinível e intraduzível foi o clima gerado no momento. As mulheres gritavam desesperadas ao verem Alberto com o peito jorrando aos borbotões, dentro dos pratos que ainda continham grande parte dos acepipes. Os homens se moviam, tirando o rapaz da mesa, ou verificando se ainda estavam vivos. Agnelo, em desespero, abraçava o corpo do filho, aumentando a dificuldade dos que tentavam salvar-lhe a vida. Por sobre a algazarra, ouvia-se a voz severa do Dr. Odorico ordenando que Agnelo fosse afastado e Alberto conduzido ao hospital, antes que fosse tarde demais. A dedicação pelo rapaz fizera o catedrático esquecer por momentos os deveres de médico, que só voltou a atenção para o ex-prefeito depois que providenciou a remoção dele.
As pessoas recobraram o domínio sobre as próprias fraquezas e tentavam atender aos gritos desesperados de Agnelo que tinha percebido a manobra do filho. Ele dissera continuamente que não queria sangue derramado, e o bandido reservara aquela terrível vingança para atingir o mais profundamente o rapaz, na dor de perder o pai que, sabia, era, na verdade, a pessoa a quem mais amava no mundo e ofereceu a vida em troca.
Tomadas as providências de hospitalização, o sargento procurou o juiz.
_ Dr. Gil, talvez não seja o momento mais indicado para tratar do assunto, mas pela dedicação que este rapaz vem dando ao caso, mesmo em defesa do pai, ofereceu a própria vida, gostaria de saber se o senhor poderia conduzir o processo de nomear outro delegado para continuar os depoimentos. Se Alberto tombou, levou consigo o cancro e qualquer dificuldade agora será bem menor. Pra o senhor ter uma idéia, na noite que passamos rondando, eu cheguei a falar com ele... Logo que o dia amanheceu, o pato ligou pra Alberto. Depois que desligou, após uma crise de nervos, recuperou a calma de tal forma que só vendo pra acreditar. Ligou pra alguém e disse tantas coisas, na certeza absoluta de quem era o chefe. O telefonema do Dr. Charles e a luz acesa o colocaram na trilha certa de tal forma que ele não duvidou em nenhum momento. Ele me entregou o telefone e pediu entre risos que tentasse arrancar uma palavra dele, pois parecia só saber fungar.
_ Tudo bem, sargento, se o senhor me pede essa providência, acho que a pessoa mais indicada é o senhor, que vem acompanhando as investigações desde o início, e sabe quais são os passos a serem dados.
_ Fico grato, Dr. Gil, mas tenho de ir ao Rio de Janeiro prender o Roberto que é o elo do processo. Por isto, gostaria que o meu nome fosse substituído ao menos em caráter provisório pelo da senhorita Sandra Morales. Ela estuda Direito e tem muito interesse em provar a inocência do pai, que tem a empresa muito envolvida.
_ Nada em contrário. Por que ela não veio? Não foi comunicada?
_ Não senhor, Meritíssimo, preferi sugerir primeiro ao senhor e depois falar com ela. Além disso, precisamos comunicar ao governador a tragédia. Conforme Alberto falou, ele tem mais interesse neste caso do que possa parecer!...
_ O que quer dizer, sargento?...
_ Antes de ontem, quando viajei pra o Rio de Janeiro, Alberto me deu o número de um telefone que não é nada mais, nada menos do que o telefone secreto do próprio governador. Com ele, mesmo à noite e fora do expediente, peguei dinheiro pra viajar, depois de ter conversado pessoalmente com ele. Há poucos instantes decidi ligar pra ele, mas antes preferi vir me entender com o senhor, pra fazermos uma comunicação só!...
_ Muito bem, sargento. Desta forma, relataremos o episódio, informaremos a sorte de Alberto e pedimos a nomeação da moça. Onde ela está?...
_ Deve estar no hospital, que é onde se encontra metade da população, em busca de notícias. No telefonema, temos de pedir verba pra a viagem, também!...
_ Certo, sargento. Dr. Silvano, hã?!... Quem diria?!... ? Ponderou, laconicamente.
_ É, o Dr. Silvano!... ? Respondeu o sargento. E saiu, puxando suavemente a porta.





Autor: Raul Santos


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