A Maldição da Lenda - Terrível Angústia, Mas a Missão Foi Cumprida






CAPÍTULO QUARENTA E UM
Terrível Angústia,
Mas a Missão Foi Cumprida

A porta do hospital parecia uma empresa paulista em greve. Homens, mulheres, crianças e adolescentes atropelavam-se em busca de notícias. A guitarra fizera de Alberto na sua bondade infantil a pessoa mais querida de Serra Dourada. As senhoras que tinham sido amigas de sua mãe, formavam correntes de orações, rezando ou cantando. A família Morales era como uma extensão daquela comunidade que por tantos anos estivera ligada ao jovem, na música e agora, na dor, às portas da morte, se o pior já não tivesse ocorrido.
A beleza das mulheres não deixava que elas passassem despercebidas e o sargento não teve dificuldade. Eram, na multidão, como dizia Alberto, como um elefante na panela de um formigueiro. Comunicou a decisão do juiz, apanhando-os totalmente desprevenidos. Ponderou as vantagens da aceitação e não encontrou resistência. Se Alberto tombara pela mesma causa que os trouxera, nada mais lógico do que dar continuidade ao trabalho. Ademais, Sandrinha sentia-se em débito com o rapaz. Como fora tola em querer arrancar o nome do chefe da quadrilha!... Se ele tivesse dito, jamais teria conseguido desmascarar o culpado e ainda teria entrado num tremendo processo de difamação. Apenas, conforme ele dissera, o fator surpresa pôde culminar em êxito o empreendimento.
A moça fez o juramento e assumiu o cargo, enquanto o sargento repetia os passos de dois dias antes, só que em circunstâncias bastante diferentes. Da outra vez ele fora em busca da placa de um caminhão. Desta, porém, em busca de um marginal envolvido com uma quadrilha que não vacilava em matar, mesmo estando fora de combate o chefão. Alberto fora um bravo? Ele também o seria, custasse o que custasse!...
Regressou ao gabinete do juiz para, sozinhos, fazerem a ligação. O governador poderia não achar de bom alvitre tantas pessoas conhecerem o segredo do telefone, além do mais, ainda não estava comprovada em definitivo a inocência do empresário. Quanto à nomeação da moça, pediria aos cabos que ficassem de olho na sua atuação para verificar se ela seguiria a mesma política de Alberto ou derivaria para outras bandas.
Abasteceu o gol, escalou os soldados e partiu para a missão que, apesar de mais esclarecida, parecia bem mais difícil. Sua vasta experiência e consciência do dever a ser cumprido, porém, tornavam as coisas se não mais fáceis, mas realizáveis.
O Dr. Odorico, incansável, coordenava a equipe, ora conduzindo uma cirurgia, ora outra. Vez por outra, auxiliava na sutura de um vaso, no afastamento de uma costela ou uma massagem a fim de evitar uma parada cardíaca. As cirurgias exigiam cuidados especialíssimos. O rapaz estava vivo por milagre da Providência Divina. O projétil tinha atravessado o mediastino e só não atingiu o coração porque teve passagem em momento sistólico e só foi possível a descoberta da posição, incrustado no encontro de uma costela com a vértebra, por radiografia, quando o racional, pelo ângulo de penetração, teria sido atravessar o músculo cardíaco. Desse modo, a cirurgia não poderia ser por onde ocorrera a penetração, mas em decúbito ventral. O Dr. Silvano recebeu as balas nos dois pulmões e não apresentava muitas perspectivas de salvação. As perfurações impediam a respiração e o ar escapava para o interior das vísceras, formava bolsas nos tecidos e dificultava a eliminação do gás carbônico, envenenando as células.
Em outra ala, o farmacêutico dormia um sono agitado, à base de forte sonífero. Articulava palavras desconexas e levantava-se aos gritos de meu filho, caindo novamente em sono letárgico que durava uns poucos minutos e recomeçava todo o ciclo. No leito vizinho, Maristela sofria transe semelhante. A felicidade que sentira ao ver o noivo na coordenação do banquete dera lugar a um violento choque emocional por ouvir a dupla acusação que ele fizera contra seu pai e o desfecho final não fora bastante para reintegrá-la no domínio das faculdades. Quando retornava, aos poucos, enquanto o Dr. Silvano falava, foi maior o choque ao vê-lo tombado com o sangue a jorrar dentro dos pratos e quedara-se estática no mesmo lugar em que estivera durante o almoço.
O prefeito trancou-se no escritório a fim de rememorar os acontecimentos a que estivera presente no ano transcurso e pela sua mente desfilaram como num filme que tivesse estado enlatado. Estalou-se-lhe aos ouvidos o telefonema do Euclides, aflito, dizendo que presenciara uma coisa muito comprometedora, e marcaram encontro para a noite, onde estaria reunido com o prefeito. Viu-se conversando com o Dr. Silvano e comunicando o telefonema e o interesse deste em querer saber de mais detalhes. Mas o ápice das recordações foi o da cadeira. Por que cargas d?água, o chefe do executivo deveria entrar no banheiro com uma cadeira, dizendo que ia consertar um vazamento na descarga do vaso? E que descarga seria aquela, se a do gabinete era embutida e a boca não passava de um metro e meio de altura? Então, a cadeira teria sido usada para atirar no pobre do Euclides, pela janela de ventilação que dava plena visibilidade da praça!... Bem mais recente fora a notícia da morte do Epaminondas... E quando comentaram, ele, já prefeito, menos de trinta dias antes, lembrou-se claramente das palavras do Dr. Silvano, como em momento de reflexão: ... ora... Se ele morreu enquanto bebia a laranjada, deve ter sido alguém que aplicou veneno na laranja, sabendo que ele ia colher hoje cedo... Mas que idiota fora!... Ele, o mandatário ser tratado como um garotinho de recados... E mais, colocado como suspeito número um dos assassinatos!... Sorte sua que nunca fora um língua solta, que lhe valeu evitar tamanho dissabor.
Com lágrimas nos olhos, rememorou as conversas com Alberto e compreendeu que o rapaz durante todo o tempo soubera quem era o assassino e o incitava a raciocinar, enquanto ele, como uma mula velha, obstinava-se em, mesmo inconscientemente, ocultar uma verdade que lhe saltava aos olhos, tão clara quanto a luz do dia mais ensolarado. Como fora idiota!... Quanta admoestação recebera, inutilmente!... Não tivesse o rapaz a mente tão brilhante nas deduções, e só Deus sabe quantas mortes ainda iriam ocorrer, inclusive a sua, que, mesmo inconscientemente, era dono dos maiores segredos!...
No final da tarde, levantou-se, decidido, e foi em busca do Dr. Gil, para dar seu depoimento. Desapontado, verificou mais uma vez que se encontrava um passo atrasado. O sargento viajara para o Rio de Janeiro e a moça carioca assumira o lugar de Alberto. Como para recuperar o tempo perdido, tocou para a delegacia, prontificando-se em passar à moça as informações que tinha, inclusive levá-la à prefeitura, de cujos fundos puderam ver as marcas da escada, apoiada que fora, no muro da casa do Dr. Silvano.
Deram a volta ao quarteirão e depararam com a esposa e o filho do ex-prefeito, ligados, num abraço desesperado de mútuo amparo. Ao ficarem sabendo da notícia, foram ver o que acontecia e por pouco não foram apedrejados, como se a responsabilidade fosse deles, das patifarias do dono da casa. Penalizados, tentaram inutilmente dizer palavras de conforto, mas a dor e a vergonha superavam qualquer argumento mais racional.
Mesmo compreendendo o sentimento familiar, a moça providenciou com o juiz um Mandado de Busca e Apreensão a fim de vistoriar a mansão, acompanhada de um fotógrafo e dos militares, compenetrados de peritos. Com muito sacrifício, conseguiram aprisionar os cachorros e tirar fotografias da sede do Município, do outro lado do muro. Sabiam que as respostas só poderiam estar ali e revistaram a mansão de alto a baixo, nada encontrando de comprometedor. Sandrinha resolveu dar buscas no canil e encontrou farto material de gravação, armas, munições e tudo o que se relacionasse ao caso. Recolheram as provas e voltaram à delegacia quando as luzes da cidade iluminavam a noite.
Relatou aos pais a descoberta e após o jantar preparou-se para ir ao hospital ver os feridos que, pela delicadeza dos casos, ainda estavam na sala de cirurgia.
Depois do esforço que durou horas, as equipes médicas conseguiram extrair os projéteis, sem demonstrar entusiasmo pela situação do prisioneiro que não resistiu sequer até o amanhecer. Faleceu no meio da madrugada e seu espírito foi prestar contas dos seus feitos nas zonas umbralinas do limbo. O delegado permaneceu sob o efeito da anestesia com batimentos cardíacos e respiração normais, que deixou a equipe fora de suspense, especialmente Agnelo que ao saber do estado do filho, após um banho quente, auxiliado pelos tranqüilizantes, procurou manter a calma e raciocinar com clareza, demonstrando a vergonha que sentia pelo que fizera, no que foi compreendido e amparado pelos amigos.
Sandrinha notou que sua permanência não teria grande utilidade e no dia seguinte teria muito o que fazer. Retornou com os pais ao hotel por volta da meia-noite. A morte do ex-prefeito era caso consumado e a equipe médica houve por bem comunicar-lhe depois que amanhecesse. As providências seriam o atestado de óbito e o sepultamento. Após a confissão, o Dr. Silvano perdera as honras de dignitário e se transformara em criminoso comum. As honrarias seriam transferidas aos familiares, se tivessem a inocência provada.
* * * * *
O sargento pegou um taxi e foi para a Polícia Civil esperar o expediente. Tinha deixado amizade formada com alguns colegas e não se sentia tão deslocado. Exibiu os documentos e os policiais não perderam tempo. Mobilizaram viaturas e saíram para a Polícia Federal, que colocou o que fosse necessário à disposição.
Roberto não esperava que as providências fossem tão prontamente agilizadas e estava dissolvendo a PAVICONST, para mudar de endereço ou talvez de Estado. Quando saltou do carro e começou a dar as ordens, sentiu nos pulsos o estalido incômodo do frio metal e a voz firme que decretava:
_ Está preso!...
O marginal olhou assustado para ambos os lados, tentou desvencilhar-se mas as algemas não permitiam os movimentos. Os policiais acostumados com bandidos violentos, não se deixariam intimidar por um almofadinha qualquer, por mais malandro que ele julgasse ser. Os funcionários, quando viram o patrão algemado, externaram um arroubo de ferocidade próprio do temperamento carioca, que arrefeceu logo que viram os documentos judiciais, as metralhadoras e a conexão das polícias Civil e Federal.
Um vôo sairia em meia hora. O sargento marcou as passagens e de um orelhão, ligou a cobrar para Serra Dourada. Encontrou uma jovem delegada às voltas com o sepultamento de um ex-prefeito safado e um delegado operado. Disse que tinha passagem marcada para vinte minutos e Sandrinha deu um grito tão alto que os militares correram ao gabinete. Ela tentou explicar, apontando o fone com o dedo em riste:
_ Já pegou e já vem!...
_ Quem pegou?... ? Perguntou um dos que, por folga, não soubera da viagem.
_ O sargento Argolo!... Já prendeu o Roberto e está no aeroporto do Rio!...
_ Do Rio?!... Nossa!...
Por volta das quinze horas, o sargento saltou do carro com o prisioneiro, à porta da delegacia. Roberto viu a moça que fora sua namorada exercendo as funções de delegada na cidade que ele tão bem conhecia e mantinha vínculos criminosos e por pouco não desfaleceu. As emoções que se acumularam no seu ego foram tão violentas que pediu água, logo se achou no interior do prédio. Sandrinha acompanhava as confusões na mente do criminoso e não vacilou em elaborar as mais embaraçosas perguntas. Com exceção da diligência na tarde anterior e dos funerais, na ausência do sargento não fizera outra coisa a não ser estudar profundamente os depoimentos tomados por Alberto.
Após a tramitação, o sargento correu ao hospital. Encontrou um dos quadros mais desoladores, com o delegado e o prisioneiro em coma profundo sem muitas perspectivas. Agnelo e Maristela à custa de muitos tranqüilizantes, carinho dos amigos e desvelo dos médicos e enfermeiros, recuperavam-se física e psicologicamente, a olhos vistos.





Autor: Raul Santos


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