A Maldição da Lenda - Qual Foi o Erro Do SCRIPT?...







CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
Qual Foi o Erro Do SCRIPT?...

A tarde foi de entendimentos entre empresários e executivos, que se prolongaram pela noite e obrigaram o governador a dormir, desta vez, na residência do prefeito, onde acertaram planos de futuro para Serra Dourada.
De manhã, voltou ao hospital para se despedir e tirar uma dúvida que lhe martelava o cérebro, desde que recebera o telefonema informando que ele tinha sido baleado.
_ Alberto, eu não me esqueci do que você disse naquele jantar. Só não consigo entender como foi que você, com todo o controle da situação, deixou-se apanhar desse jeito, como um patinho?!... Me lembro bem que você falou sobre palco e bastidores, e sei que foi por eles que você viajou o tempo todo. Sei que você rastreava cada gesto, cada pensamento de cada um dos moradores de Serra Dourada. Por que, então, foi apanhado? Isto não entra na minha cabeça. Eu simplesmente não consigo entender!...
_ É verdade, Excelência. Nem eu esperava por aquele desfecho. Eu tinha certeza de que ele iria atirar em mim, ou se entregar sem resistência. Se ele tentasse atirar, eu já havia prevenido o sargento e Falcão que só atirassem em minha defesa. Quer dizer, eu achei que ele iria querer se vingar em mim. Mas não foi o que ele pensou. Na sua mente diabólica e doentia, já tinha o plano traçado. Se deixaria desmascarar em público e depois, ao invés de se vingar em mim, se vingaria de mim. E foi o que fez. Quando acreditávamos que estava derrotado, disse umas tantas coisas e concluiu, dizendo que eu continuaria vivo, mas a pessoa que eu mais amo iria pagar pelo meu erro. Qualquer pessoa teria pensado em Maristela, que era a namorada, menos o seu Afonso e ele, que praticamente ajudaram papai a me criar, depois que mamãe morreu. Ele não se importou nem um pouco se, depois de atirar no meu pai, também morresse. O importante não era mais a vitória, e sim a vingança. Quer dizer, se eu tentasse duelar com ele, a arma já estava na mão e por mais hábil que eu fosse, jamais conseguiria sacar e atirar antes. E isto foi tudo!...
_ Não, não foi tudo!... ? Interferiu bruscamente o médico, que se mantivera à parte, na interlocução. ? Eu também estava lá, e desde a noite anterior estava curioso com um telefonema que recebi desse moço, dizendo que me preparasse pra atender alguém com princípio de enfarte, e esse alguém era o chefão, que ele tinha feito uma brincadeirinha com ele e devia estar saindo fumaça por tudo que era de buraco. Daí, quando ele se levantou, depois do almoço, percebi que o momento decisivo tinha chegado. Eu ouvia e buscava nas fisionomias pra tentar captar um sinal em alguém. O que vi foi o medo no rosto do Claudino, além da natural apreensão nas outras fisionomias. No Dr. Silvano, estampava-se o perfil marmóreo do homem austero e incorruptível. Nenhum músculo, nenhuma ruga, nada que denunciasse ódio, medo ou nervosismo. Este rapaz demonstrou uma fibra impressionante em conduzir as acusações até o final. A convicção do dever a ser cumprido deu-lhe a diretriz correta. Outro qualquer, no seu lugar, teria fraquejado. O homem parecia uma rocha. Hoje, analisando mais detidamente a situação, vejo claramente que ele não tinha nada de austero, mas sim de psicopata dogmático. Em outras palavras, o Dr. Silvano, na sua maneira de ser, era um louco. Continuei nas observações ouvindo a carga de acusações e defesas que Alberto jogava contra o seu Afonso e percebi que não podia ser ele o chefe e que as acusações eram exatamente pra abrir a guarda do culpado. Quando ele deu voz de prisão ao Claudino, notei uma centelha de ódio nos olhos dele, e mais nada. À medida que as acusações iam se firmando contra a sua pessoa, (o telefonema, a luz acesa, o veneno na laranja) ele começou a baixar a cabeça, como envergonhado. Quando falou dos cachorros ao pé do muro que dá pra a prefeitura, da esposa e do filho, sua cabeça já quase tocava a mesa. Mas era tudo fingimento...
_ Fingimento, nada... ? Interrompeu o delegado ? Ele estava era tirando a arma da bota tão lentamente que não deu pra ninguém perceber...
_ ... e quando fez a acusação formal, entregando-o ao Dr. Gil e ao Dr. Sinval, ele começou a falar tão baixo que ninguém ouvia direito, apesar do silêncio reinante. Quem seria capaz de respirar ao menos, num momento como aquele? Ora, eu ainda não estava entendendo como era que um homem como o Dr. Silvano, político dos mais enérgicos, cheio de recursos, se deixava abater daquela maneira. Seria vergonha?... Não, não era vergonha. Quem tem vergonha, não faz o que ele fez. O que seria, então? Sua voz saía tão baixa que a custo os mais próximos ouviram. Mas foram só as primeiras palavras. As seguintes eram como chicotadas. Verdadeiras confissões. Disse que ameaçou as esposas e filhos dos outros delegados. Falou de microfone, de tiros, de desafios, de tudo. Disse que não se considerava derrotado, porque a vida continua. Que Alberto continuaria vivendo, mas a pessoa que ele mais ama iria pagar pelo seu erro. E concluiu com a terrível vingança. Eu, por mim, confesso que fiquei por instantes com a mente bloqueada e só dei conta de mim novamente depois dos três estampidos. Alberto voou por cima da mesa, como se tivesse sido impulsionado por uma mola. Um salto daquele é humanamente, fisiologicamente impossível de ser dado. A cadeira estava atrás dele e não saiu do lugar. Ele bloqueou com o corpo a trajetória do projétil e recebeu-o no peito, que foi-se alojar na base de uma das costelas. Só não atingiu o coração porque no esforço, este se contraiu, e a bala passou sem ferir. Imediatamente os militares abriram fogo e acertaram uma bala em cada pulmão. Agora, sim. Isto é tudo. O restante foi a correria, os gritos, o transporte, as cirurgias e este resultado, graças a Deus. Como eu disse ontem, ele salvou a vida do pai movido unicamente pelo amor filial. Ninguém na face da Terra seria capaz de fazer o mesmo. Só o amor foi capaz!...
Emocionado, o governador apertou as mãos dos dois homens e perguntou:
_ E agora, Alberto, você tem algum projeto pra o futuro?...
_ Oh, claro!... Sair desta cama e tocar minha guitarra, o que mais?...
_ Você não sabe fazer outra coisa, a não ser brincar? Olha que a vida é dura!...
_ A vida é dura pra quem é mole, não é, Excelência?...
_ Sim, claro, claro!... Ah!... Estava me esquecendo. Fiz umas pesquisas e descobri que não é muito caro pra se gravar um disco. A oferta continua de pé, OK?...
_ Quem sou eu, Excelência?! Isto é pra quem tem o talento do Dilermando Reis!...
_ Quer repetir a história?...
_ Deus me livre!...
_ Então, até breve. A estrada é longa e eu estou fugido. Já pensou se chamam a polícia pra investigar o desaparecimento do governador?...
_ Ora, é só chamar o delegado de Serra Dourada!...
_ Serra Dourada não tem delegado, Serra Dourada tem delegada!... ? Rebateu Sandrinha, que ouvira a conversa da porta do quarto.
_ Que é isso? Ouvindo conversa de homens?...
_ A delegada pode!...
_ É o mal da tal revolução feminista!...
_ É o ponto de vista de alguns machistas!...
Os homens aproveitaram a interlocução dos jovens e saíram do quarto deixando que resolvessem sozinhos os seus problemas.
Pelas aparências, muito cedo Serra Dourada estaria assistindo a prisão do seu herói, nas grades do coração.
No corredor, cruzaram com o morubixaba e os membros do carbeto, seguidos de uma fila de índios da Reserva que se prolongava até a saída, derramando-se pela rua afora, que tinham ido visitar Boitatá.
Pelas aparências, os assuntos amorosos deveriam ser prorrogados um pouco mais...
FIM
* * * * *







Autor: Raul Santos


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