Esperança



Esta história ficou durante muitos anos guardada no meu baú de memória. Eu confesso que estou relutante. Contá-la significa abrir uma porta que fechei a algum tempo. Retroceder no tempo nem sempre é algo agradável. Em certos momentos significa abrir feridas não cicatrizadas. Aos três anos de idade foi quando tudo começou. Minha mãe conta que eu gostava de ir a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana e conversar com os santinhos. E foi nesta época que minha mãe abandonou sua vida para seguir em frente, me carregando. Penso que fui um fardo muito pesado para ela carregar. Mamãe era jovem, bonita, sonhadora e se apaixonou perdidamente. Ela me carregou para fazer parte de sua nova história. Mamãe me rejeitou porque eu não nasci loira e linda. Mamãe sempre amou o luxo, a realeza, as luzes e os cabelos loiros. Ela abomina o feio, o doente e pessoas com falta de recursos financeiros. Agora, se for feio e mal educado, rico, ela até aceita. Pois hoje eu entendo muita coisa, inclusive a rejeição que ela sente por mim até os dias de hoje. Certo dia eu perguntei a ela, "mamãe para você eu sou um zero a esquerda, não é?"; Ela me olhou daquela forma como quem diz, há um rio no meio e me confirmou com aquele jeito de bater o queixo que ela tem. Ela usa muito o queixo seja para confirmar, para ignorar e até para aprovar. Muitas vezes me pego observando a coreografia de seu queixo e me pergunto como é que ela ainda não tirou a mandíbula do lugar. Ela me vestia muito bem e me dizia, você parece um cepo e cepo enfeitado até pode ser bonito. O cepo cresceu solitário, falava pouco e pensava muito. Eu desenvolvi um mundo à parte. No meu mundo as coisas funcionavam assim: papai e mamãe do céu vão cuidar sempre de mim e alguns anjos imaginários vinham me consolar. E nesta época trabalhei muito o imaginário como todas as crianças. Eu não tinha amiguinhos e não tive com quem brincar. Os brinquedos tradicionais não me atraiam, eu gostava de inventar meus brinquedos, gostavam mesmo era de cacos. Minha alfabetização muito difícil. Na escola eu lia a cartilha direitinho, porém em casa eu não conseguia soletrar. Na cartilha estava o desenho de uma faca e os pontilhados. Eu olhava para os olhos estrábicos da minha mãe e me dava um branco. E eu sabia que ia apanhar e me entregava a tortura sem lutar. Mamãe me olhava e vaticinava, você vai ser um fracasso, você nasceu para ser ninguém, você é burra. Nada daquilo me machucava. Eu já estava acostumada às surras pedagógicas. Até que certo dia eu não soube a lição e a professora sentou ao me lado e me falou: você é muito inteligente e eu respondi não sou eu sou burra. Ela levantou e berrou, nunca mais repita isso. Não repeti mas continuei ouvindo, coisa que eu ouvi até os vinte e três anos. E ainda ouço. É só permanecer uma semana em companhia de mamãe que ela acaba com toda a minha auto-estima. A forma de me defender era rezando e assim eu virei a rezadeira da família. Aos quinze anos, mais ou menos, eu parei de ver coisas imaginárias. Cansei de sonhar. Sonhar principalmente com o casamento que seria minha carta de alforria. Aos dezoito anos, uma tarde eu me encontrava deitada no quarto que eu dividia com as minhas irmãs, estava olhando a cortina balançar com a brisa. Senti que alguém estava do meu lado e me virei e vi ao lado da cama em pé com a coluna ereta, uma menina loira de cachos dourados e olhos escuros. A menina me falou que queria brincar de pinhé-pinhé, e permaneceu algum tempo ao lado da cama, e quando partiu parou na porta e olhou nos meus olhos mais uma vez. Após este acontecimento, em todos os momentos de dificuldade da minha vida, o meu pai começou a aparecer. Durante trinta anos ou mais, ele me acudiu, nos momentos de dor, de sobretudo negro e segurando o seu chapéu. Fisicamente eu sou muito parecida com ele, tenho olhos escuros e o formato do meu rosto é igual ao dele, minha testa é alta. Pego uma foto minha e vejo o rosto dele. Tem algum tempo que ele não aparece. Eu não sei como interpretar. A menina que eu vi aos dezoito anos é muito parecida com a minha neta. Minha neta é linda e muito carinhosa e não fala. Não é surda, fez todos os exames, consultou vários neurologistas. No principio a suspeita era autismo leve. Agora até os especialistas estão confusos. Sabemos que algo está errado, porém o quê? Ela é muito querida e ama a irmãzinha. Foi desejada, era o sonho de seus pais. É amada, compreende tudo, porém não fala. Já pronunciou algumas frases e de uns dois anos para frente não falou mais. Se pressente perigo ela grita. O som do seu grito é gutural. Sabe usar os talheres. É amada por todos. Tem acompanhamento de fonoaudióloga, psicóloga, terapeuta ocupacional. Já fez tantos exames, ressonância magnética nuclear, tomografia, etc. Quando é para fazer algum exame ela colabora. Onde eu queria chegar é que eu conheci a minha neta, sete anos antes da data de nascimento de minha filha. Antes da filha, me chegou a neta. Deixo claro que não sou uma pessoa de dons sobrenaturais. Eu disse que tenho sexto sentido. Não tenho premonições, não vejo presente, passado e futuro, não tenho o dom de imposição de mãos. Tenho uma teoria, alguém para ter estes dons deve ser muito puro de sentimentos, deve ser bom e de ser o mais próximo da perfeição. Pois bem, eu não sou boazinha, eu sinto raiva e não costumo fugir da raia, não sou tão pura assim. Pois não sei explicar como porém eu vi minha neta seis anos antes de me casar. Há dois anos eu fui consultar um vidente. Algumas vezes atirando de um lado e podemos acertar do outro. O vidente me disse o seguinte, você deve tomar muito cuidado com uma mulher loira, cuidado que ela vai te prejudicar, vai te roubar. E me perguntou se eu estava de mudança da cidade. Respondi que não e ele me perguntou: você gosta muito de sua casa, não? Respondi que sim, porém eu não estava interessada nesses detalhes, eu queria saber é da minha neta. Ele me olhou e disse sei o que você quer saber, no passado você teve com sua neta uma ligação muito forte, laços indestrutíveis, ela vai falar antes de completar oito anos. Aos sete ela vai surpreender a todos, porém você vai fazer a sua parte, você vai ser muito importante neste processo. Não me disse mais nada, porém vou continuar com a minha fé. O curioso é que uma mulher loira que iria me prejudicar, prejudicou. O caso de nossa mudança da cidade também aconteceu. Coisas que achei improváveis aconteceram. Após ser levada pela minha mãe aos três anos, eu ainda vi o meu pai uma vez. Isso aconteceu quando eu contava seis anos e nunca mais soube dele, porém quando eu mais precisei dele, ele apareceu. Nos últimos anos não se materializou mais, mas eu sinto a sua presença e onde estiver eu sei que está nos protegendo e há de proteger a minha neta. Ele era médico. Em alguns momentos eu pergunto, Dr. Paiva onde anda o senhor, que eu desejo que visite a sua bisneta, ela precisa do senhor. A menina que gostava de ir na igreja só para conversar com os santinhos ainda vive em mim, eu falava pouco e tinha um mundo imaginário aguçado, fui criança criada sem carinho, eu era enfeitada. A psicóloga de minha neta perguntou para a babá se minha filha trata bem a filha dela, se não faz distinção entre uma criança e outra. Não faz! Ama as duas filhas de maneira incondicional. Segundo a psicóloga o caso não tem explicação científica.
Prece a um pai: Meu pai! Você não fez nada pela sua filha, você não lutou por ela, pois faça algo pela sua bisneta. Faça com que ela se comunique. É tudo o que sua filha lhe pede neste momento de angústia. Solte a voz de sua bisneta. Minha neta é filha de sua neta, meu pai. Ela hoje está com a mesma idade que eu estava quando nos encontramos pela última vez. Eu sei meu pai que em alguns momentos de minha vida o senhor me carregou no colo. Lembro de cada visita que seu espírito me fez. Sei que o senhor também acompanhou os seus netos vitoriosos, criaturas abençoadas. Eu te peço, onde o senhor estiver, não esqueça do meu pedido, Obrigada meu pai!
Jamais consegui resgatar o amor e o respeito de mamãe. Eu fui a única culpada da infelicidade dela. Ela sempre repetiu "não fui feliz por sua culpa" e talvez seja verdade, porém as outras três filhas que ela teve lhe deram todas as alegrias, graças a Deus. Suas outras filhas não foram um estorvo na vida dela, porém para compensar eu tenho o carinho da nova geração da família e o amor de meus filhos e netos, e o carinho dos genros, nora. Um ser criado para ser um fracasso total, pois não foi bem assim. Tudo o que eu vivi serviu para moldar o meu caráter. A forja me fez bem, consegui ser uma mãe presente, amorosa e muito conversadeira. Espaçamento, isso não teve lugar em casa, ensinei as crianças que os anjos só entravam em local onde reina a paz. Desordem e agressões são coisas de Satanás. O rei das profundezas gosta mesmo é de confusão. Oração, fé em Deus, velas acesas para iluminar o nosso caminho, muito amor, são ingredientes fundamentais para o nosso equilíbrio. Não sou responsável pelo que fizeram de mim, mas ou responsável pelo que sobrou de mim. Se meu pai no desespero se perdeu de mim, em outras vidas ele esteve ao meu lado. Ele me visitou me consolou. O que me falta? Ouvir a minha neta me chamar de vovó e quando isso acontecer vou contar a ela a história do avô da mãe dela. Eu quero fazer a minha parte, porém não sei onde dar a partida. Qual será a minha missão.

Autor: Nadia Foes


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