A perda



O pálido garoto já havia passado pelos três grandes juízes da existência. Fez um apelo a Vida, encarou a Morte, e Desafiou a natureza como nenhum ser humano ousou em fazer. Porém, todos foram unânimes em não ajudá-lo. O único com poder capaz de atender o seu pedido estava acima dos três juízes, muito além do bem e do mal. Era tão velho quanto o universo e tinha uma extrema sabedoria, comparada até com a de quem o criou. Não por acaso, determinava o momento certo de cada grande juiz interferir na humanidade, cabendo a ele, a ordem final.

Desde que soube onde encontrar o poderoso velho, o garoto trilhou o caminhou indicado durante horas, mas não saia do pleno vazio. Sua camisa branca, ensopada de sangue, contrastava com o escuro lugar em que estava. Não conseguia enxergar nada, não escutava nada, e não sentia nada além da dor de carregar nos braços, o corpo de um falecido amigo. Se dependesse dele, andaria eternamente naquele deserto negro até encontrar quem buscava, sem se importar com as lágrimas que desciam do seu rosto suado.

Tudo o que desejava, era de alguma forma, poder refazer o passado e mudar o futuro. Cansado, o garoto se ajoelhou. O cadáver sangrando pesava cada vez mais, mesmo assim, os braços dormentes insistiam em não largar o amigo.
- Por favor! Eu só peço mais uma chance! ? o grito desesperado em meio aos prantos foi abafado pelo breu esmagador do local.
Ainda no chão, abaixou a cabeça procurando forças para prosseguir a viagem. Então, antes que pudesse levantar, uma mão deslizou sobre seus lisos cabelos até parar no pescoço. Surpreso, o garoto virou para trás, e um leve arrepio percorreu a sua nuca ao ficar de frente com uma estranha criança que o olhava friamente.

- Sua determinação me trouxe até aqui. ? a voz doce do menino, contradizia a sua expressão mordaz e o olhar apático. ? Mas, não darei o que procura.
O garoto não sabia se era por causa da escuridão, ou porque ele não possuía um tronco, mas não enxergava outra parte além do rosto daquela criança. Calmamente, e sem conter o choro, suplicou.
- Eu só quero voltar um dia, voltar para o ontem... A culpa foi minha, ele não merecia morrer, eu deveria ter cuidado dele, sou o responsável por essa fatalidade. - os olhos vermelhos do garoto ardiam de tantas lágrimas. - Eu... Imploro... Por favor...Me ajude.

O rosto da criança começou a brilhar intensamente. Aos poucos, a face de um homem foi surgindo no lugar da anterior, até se transformar por completo em um velho com uma longa barba e sobrancelhas grisalhas.
- Filho, nenhum mortal recebe perdão ou chances de mim. - mesmo com o novo tom rouco e farfalhante, a suave doçura continuava evidente em suas palavras. - O que passou jamais voltará, faz parte da minha regra.
Mantendo-se ajoelhado, o garoto ergueu o seu amigo com as duas mãos quase o encostando na face do velho, o pequeno cachorro que criara durante toda a vida, e que havia sido atropelado acidentalmente no dia anterior.

- Olhe para isso! ? Clamou, com o coração explodindo dentro do peito pela raiva que sentia. - Que tipo de regra impede de reviver um ser que morreu injustamente?- ofegante, recuperou o fôlego antes de prosseguir. - Algo que puni os inocentes com a morte desmerecida pode ser chamado de lei? Foi para isso que Deus lhe deu esse poder?
Sem se comover, o velho escutou o desabafo desesperado do humano e manteve o olhar indiferente para o cãozinho nas mãos do garoto. De repente, voltou a brilhar, transformando-se dessa vez no semblante de um belo jovem com cabelos ruivos.

- Entendo a sua revolta, meu filho. Nenhum humano nasce sabendo lidar com a perda, é por isso que existo. Esse é o fundamento da minha regra, ensinar a vocês o que nunca poderiam aprender de outra maneira. ? ele encarou profundamente o garoto, podia ver a dor dilacerante que o atingia por dentro em perder aquele animalzinho. E, pela primeira vez, sentiu pena de um mortal. ? Volte para casa e dê um enterro digno ao seu amigo. Tudo o que posso fazer por você, é lhe prometer que o ajudarei a superar o sofrimento da perda o mais rápido, assim como a de qualquer outra coisa na vida...


ps: Conforme solicitado,colei o link de vocês no menu do meu blog. =)
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