Quanto mais conheço... ou a inversão ética



Quanto mais conheço...ou a inversão ética "Quanto mais conheço os homens, mais admiro os cachorros" Assim estava escrito no muro de um edifício, em Londrina, quando eu estudava por lá, na década de 1980. Gostei da afirmação existencialista e a anotei. Ela foi uma das tantas frases que utilizei quando escrevi o livro: "Filosofia dos muros". Naquela época apenas me havia ligado numa de suas dimensões. Constatei apenas a afirmação direta, dizendo que o conhecimento dos seres humanos possibilitava a percepção de sua mesquinhez, razão pela qual o cão era mais admirável. Ou seja, a ampliação do conhecimento do ser humano implicava na admiração aos cachorros. Essa percepção é fácil de ser entendida, pois podemos constatar que o ser humano para quem fazemos o bem, via de regra, retribui com a ingratidão. Podemos observar quase que uma equação: na medida da recepção do bem, produzimos a razão inversa de retribuição ingrata, maldosa, mesquinha. Diferentemente disso é a postura do cachorro. Mesmo quando agredido por seu dono, volta e lhe lambe as mãos, rola aos pés fazendo-lhe festa. É como se ele dissesse ao ser humano: "sou superior a você que, em sua racionalidade, não percebeu que meu gesto é irracional e resultante de treinamentos ou condicionamentos. E o seu gesto agressor, que deveria ser racional, foi animalesco, pois negou sua racionalidade e me agrediu por eu ter manifestado minha animalidade". Mas o cão não diz isso, apenas demonstra o que chamaríamos de carinho para com aquele que, embora o agrida, lhe dá o alimento. Noutras palavra, em virtude de sua irracionalidade, ele não é vingativo. Quando muito, reage agressivamente, mas passado o ato agressivo, se mantém dócil ao ponto de ser chamado de "melhor amigo do homem". Inversamente a isso nós, em nosso pedestal de humanidade, requintamos nossos gestos de vingança, de mesquinhez, de maldade. Dormimos e acordamos fazendo planos de maldade, de vingança; ou procurando formas de enganar aos outros, tirando vantagens frente os descuidos dos "otários". Essas e mais algumas reflexões me surgiram ao ler aquela frase, estampada no muro daquele recém inaugurado edifício do norte paranaense. E, acredito, não estava equivocado sobre o significado e sua aplicação na comparação do homem com o cão. Este fiel e amigo e, por sua vez, o homem senhor da natureza, é mesquinho, maldoso, tirano, vingativo... Recentemente, entretanto, me veio outra leitura, dessa frase. Uma leitura que implica a ampliação da maldade humana e uma inversão ética. É relativamente comum alguém xingar a outrem de cachorro. Alguém que fez algo que nos desagrada é chamado de cachorro ou o ato que nos desagradou é chamado de cachorrada. A expressão fica assim: "Aquele cachorro (ser humano) me fez uma baita cachorrada (algo que me desagradou). A primeira inversão ética está nisso: comparar nosso desafeto ao cão, que, em principio, é um amigo incondicional, inversamente à postura da pessoa que nos fez maldades. A segunda inversão ética exige que entendamos a frase em dois momentos. Primeiro está a postura de quem faz a afirmação: "Quanto mais conheço os homens...". Aqui está implícita a afirmação de que conhecer o homem implica reconhecer suas maldades, suas mesquinharias, seu caráter agressivo, vingativo... e, diante disso toma-se uma atitude. O fato de conhecer as características humanas leva quem está aprofundando o conhecimento a assumir uma postura de negação das características supostamente valorizadas pela sociedade que, em tese, valoriza o bem e detesta o mal. Entretanto a segunda parte da frase manifesta inversão ética: "...mais admiro os cachorros". Os cachorros aqui admirados não são os cães, amigos dos homens, mas o próprio homem conhecido, aqui chamado de cachorro. "Quanto mais conheço os homens (o ser humano), mais admiro os cachorros (os seres humanos). Na realidade o que está conhecendo diz "quanto mais conheço a maldade humana, mais a admiro". Se conhecemos o ser humano e, sabendo de suas maldades, nós o admiramos por suas cachorradas, isso implica dizer que nossos princípios éticos se corromperam. Conhecer o ser humano nos fez admirar não sua humanidade e suas potencialidades para o bem, mas suas maldades. E isso nos iguala, pois se admiramos a maldade, também somos maus. E, infelizmente parece ser essa a principal característica da atual sociedade. O mundo em que vivemos comporta-se assim. Nós somos assim. Gostamos e avalizamos as malandragens. E isso pode ser observado neste momento eleitoral. Candidatos "ficha suja" são apontados como catalisadores de votos. Ou seja, o cara é assumidamente malandro, confessadamente malandro, mas nas pesquisas eleitorais o malandro aparece como um dos campeões de votos. Isso demonstra que ao se conhecer o homem, admira-se a sua maldade. Aquele que admira é igual ao admirado. O raciocínio é este: "sou malandro e admiro a malandragem, mas não tenho condições de estar no lugar do grande malandro. Sendo assim coloco-me em seu lugar votando nele". A malandragem do eleitor está representada na malandragem do candidato. Malandro vota em malandro. Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; ; ;
Autor: Neri P. Carneiro


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