A Constitucionalização Do Direito Civil Na Responsabilidade Civil



A constitucionalização do Direito Civil na Responsabilidade Civil

LUDIMILA COELHO LOIOLA

Aluna do 5º semestre de Direito matutino

das Faculdades Jorge Amado.

Os princípios liberais do patrimonialismo, igualdade, individualismo, bem como de intervenção mínima do Estado nas relações entre seus cidadãos, advindos da Revolução Francesa e posteriormente perfilhados pelo Código Napoleônico, influenciaram diretamente a codificação civil brasileira datada de 1916.

Nesse período, a responsabilidade civil decorrente de danos a outrem também se fundava nesses princípios, uma vez que o profundo apreço do legislador à proteção do patrimônio culminou na responsabilidade subjetiva, ou seja, fundada exclusivamente na culpa (dolo ou culpa stricto sensu) do autor, cabendo à vítima provar esse nexo subjetivo.

Todavia, o ônus da prova tornava-se um fardo cada vez mais pesado para a vítima, visto que na maioria das vezes tratava-se de hipossuficiente econômico em relação ao autor do dano.

O Direito Civil necessitava suprir suas lacunas para pacificar os conflitos sociais advindos do rápido avanço das relações sociais no último século. A legislação civil - considerada, como bem assinala MICHELE GIORGIANI (apud Gustavo Tepedino[1]) a "Constituição do direito privado"- tornava-se defasada, pois não conseguia prever as novas relações jurídicas que surgiam entre os particulares. Nesse contexto, fez-se necessário o advento de inúmeras leis extravagantes com o desiderato de suprir as lacunas do Código Civil de 1916.

A dinâmica das relações sociais agora tornava imprescindível a atuação do Estado Garantidor para proteger não só os direitos civis e políticos do seu povo, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais fundamentais para a configuração de um Estado Democrático de Direito.

Essa mudança no âmbito de atuação do Estado provocou na responsabilidade civil grande avanço (não inserido na Codificação, mas influenciado pelas leis extravagantes e largamente admitida pela doutrina e jurisprudência) que gerou para a vítima mais facilidade para reparação do dano, pois houve inversão do ônus da prova e a responsabilidade passou a ser subjetiva com culpa presumida, em que o autor do dano deve provar que não teve culpa ao cometê-lo.

Os paradigmas traçados pelo Código de 1916 foram rompidos com o advindo da Constituição Federal de 1988 visto que todo o ordenamento jurídico passa a sofrer sua influência. Como salienta CRISTIANO CHAVES DE FARIAS[2] "aquela estrutura rompeu (individualismo e patrimonialismo), suplantada pela tábua axiológica imposta pela Magna Charta de 1988, a partir do ideal de justiça distributiva e igualdade substancial, ao lado do binômio dignidade da pessoa humana e solidariedade social".

Com fulcro nos novos princípios constitucionais o Direito Civil não mais poderia promover tão severa proteção à propriedade e ao individualismo, pois estes foram relativizados em razão da função social (da propriedade, do contrato, etc.) e da dignidade da pessoa humana, acarretando em novas mudanças também na responsabilidade civil trazidas pela própria Lei Maior. A vítima, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana e o seu bem-estar, em nenhuma hipótese pode arcar com o ônus gerado pelo dano. A responsabilidade civil preocupa-se agora em reparar o dano.

Vale invocar o escólio de CARLOS ROBERTO GONÇALVES[3] ao afirmar que "o surto de progresso, o desenvolvimento industrial e a multiplicação dos danos acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias, tendentes a propiciar maior proteção às vítimas". Para tanto, a própria Constituição Federal trouxe em seu bojo a responsabilidade objetiva calcada na teoria do risco, em que o exercício de alguma atividade perigosa, independentemente de culpa, é o substrato da responsabilidade civil.

O Novo Código Civil promulgado em 2002, por óbvio, recebeu inúmeras influências constitucionais, de modo que, mesmo nascendo defasado por ser omisso a inúmeras transformações tecnológicas e sociais como por exemplo inseminação artificial, reconhecimento de paternidade por DNA, trouxe em seu bojo importantes modificações nos conceitos de família, união estável, propriedade, dentre outros.

Com a responsabilidade civil não foi diferente. O Novo Código, atendendo aos anseios constitucionais trata a responsabilidade como objetiva, fundamentando-a na teoria do risco e o risco integral, em que mesmo por caso fortuito ou força maior independentemente de culpa, o dano necessariamente será reparado.

Destarte, a responsabilidade civil, calcada nos princípios constitucionais, paulatinamente caminha no sentido de reparação total do dano à vítima, gerando por conseqüência maior bem-estar social e eficaz aplicação e acesso à justiça. Para tanto, faz-se necessária a socialização do risco para possibilitar que a vítima tenha pelo menos uma reparação mínima nos casos em que o autor do dano não possua patrimônio suficiente para efetuar a reparação da lesão por ele causada. Trata-se de uma reparação coletiva,pois toda a sociedade gera fundos para a indenização através de seguro obrigatório exigido por lei, como por exemplo, seguro obrigatório para veículos automotores (DPVAT) e a seguridade social promovida pelo INSS.

Bibliografia:

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.7.São Paulo: Saraiva, 1999.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

FARIAS, Cristiano Chaves. Achegas para (além da) reforma do Código Civil: o direito ao não retrocesso. Salvador.

_________. Novo Código Civil redescobrindo as fronteiras do Direito Civil: uma viagem na proteção da dignidade da pessoa humana, in jornal A Tarde. Salvador, 14.11.2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA,Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil. Parte geral. V.1. São Paulo: Saraiva, 2004

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.




Autor: Ludimila Loiola


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