Os Alimentos Como Expressão Da Solidariedade Constitucional



OS ALIMENTOS COMO EXPRESSÃO DA SOLIDARIEDADE CONSTITUCIONAL

André Andrade e Maíra Travia

"...A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.

A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte.

A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé.

A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer..."

Em decorrência do dever de compatibilizar o Código Civil e a Constituição Federal, ocorreram significativas mudanças no nosso ordenamento jurídico, tal como a supremacia dos direitos fundamentais, o que implica a valorização da pessoa humana, da solidariedade e da igualdade.

O Código Civil de 1916, influenciado pelo Código Napoleônico e o Código Civil Alemão (BGB), teve sua base em uma doutrina individualista e voluntarista, onde o centro de tudo era o indivíduo e seu patrimônio.

O Código Civil regulava, isoladamente, todas as relações jurídicas entre os particulares, aspirando sempre o interesse patrimonial, sendo que, as normas constitucionais, serviam apenas para regular na ausência de lei específica e cuidar das relações públicas.

Contudo, conforme ensina o professor Cristiano Chaves de Farias, na medida em que se detectou a erosão do Código Civil, ocorreu uma verdadeira migração dos princípios gerais e regras atinentes às instituições privadas para o Texto Constitucional. A Magna Carta assumiu verdadeiro papel reunificador do sistema, passando a demarcar os limites da autonomia privada, da propriedade, do controle de bens, da proteção dos núcleos familiares, etc.

Desta maneira o texto constitucional de 1988 iniciou uma nova fase para o direito civil, que foi denominada de Direito Civil Constitucional. A partir daí, as normas infraconstitucionais passam a ser examinadas além do ponto vista formal, tendo como base principal os valores consagrados pela Constituição Federal, que passam a iluminar todo o sistema jurídico nacional.

Consolidou-se, assim, o entendimento que o direito civil ou qualquer outro ramo do direito não é um sistema jurídico distanciado da Carta Magna. Ao contrário, eles caminham lado a lado. Todo o ordenamento jurídico deve ser analisado sob a luz da Constituição Federal, já que esta é o vértice superior da pirâmide jurídica.

Deste modo, e ainda nas palavras do professor Cristiano Chaves, a legalidade constitucional vai dar forma ao conteúdo do direito civil; este será moldado pelas diretrizes da CF/88, que apresenta nova tábua axiomática, informando com princípios e normas as relações privadas, determinando as vigas de sustentação do sistema de direito privado, reunificando o sistema civilista.

Conforme explicitado, a partir do momento em que o direito civil foi constitucionalizado, a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a solidariedade foram os fundamentos do novo Estado, o que gerou repercussão em todos os ramos do direito, inclusive no ramo do direito de família.

Nesta linha de pensamento, depreende-se que a família e a obrigação alimentícia derivam de princípios constitucionais, e o mais intenso deles é o da solidariedade familiar. Com base neste princípio é que o dever de prestar alimentos entre parentes se estende aos ascendentes e descendentes (arts. 397 e 398 do CC/16 e art. 1.696 e 1.697 do CC/02).

Insta relembrar que desde os primórdios a família tinha sua base no dever de cooperação, que não deixa de ser um tipo de solidariedade. Entretanto, a família moderna, como técnica de proteção social, tem sua base fincada no princípio da solidariedade consagrado no art. 3°, I e III da CF/88, como bem definiu Rodrigo da Cunha:

A solidariedade, inerente à família, é o elemento propulsor da jurisdicização do amparo recíproco entre os membros da família. Os alimentos constituem um exemplo desta concepção solidarista, da qual também é elucidação a diretriz principiológica adotada pelos Estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso, que objetivam amparar aqueles que se encontram em situação peculiar de fragilidade, seja pela falta de discernimento e maturidade, seja pela velhice.

Em face dessa magnitude constitucional, concluímos que os alimentos vão assegurar a dignidade humana da pessoa que os recebe, mais que isso, vai preservar a vida humana. Esse dever de prestar alimentos, está alicerçado, ainda, no princípio da solidariedade familiar, que é, sem dúvida, um dever moral, além de uma obrigação ética.

Ou seja, a fonte da obrigação alimentar, são os laços de parentesco, que criam vínculos entre as pessoas que formam um núcleo familiar.

Desta maneira, o direito a alimentos é uma expressão da solidariedade social, familiar e econômica, constitucionalmente imposta pela Magna Carta como princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico.

Sendo assim, a referida obrigação deve ser fixada de acordo com as necessidades de quem pleiteia e os recursos da pessoa obrigada, conforme art. 1.694, do CC/02, onde estão bem delimitadas as hipóteses para o recebimento dos alimentos e qual será a sua natureza. Vejamos:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Estes artigos, com exceção do parágrafo único do art. 1.704[1], garantem, através do instituto dos alimentos civis, a fixação destes de modo compatível com a condição social do alimentando. Isso, contudo, não significa que seu padrão de vida não poderá ser alterado.

Isso porque, como já mencionado, os alimentos serão prestados de acordo com necessidade de quem precisa e a capacidade de quem os presta, ou seja, de acordo com o trinômio proporcionalidade-necessidade-possibilidade. Desta maneira, qualquer modificação do status de quem recebe ou de quem tem o dever de prestar alimentos vai mudar o quantum devido.

Assim, percebe-se que, ao fixar alimentos, o juiz deve-se fazê-lo de forma que garanta a manutenção da pessoa de maneira a proporciona-lhe uma vida digna. Deve observar ainda, o referido trinômio, para não ocorrer desproporcionalidades nos valores sentenciados.

Diante do acima exposto, fica evidente que a partir de 1988 grande parte do Direito Civil foi inserido na Constituição, e uma prova disto é que a idéia central na obrigação de alimentos assenta no princípio da solidariedade familiar. Frise-se ainda, que os alimentos devem se destinar, em sua maioria, à manutenção da condição social (lazer, saúde, educação, transporte, etc.) e não somente ao estritamente necessário para sobrevivência.

Bibliografia

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos.4ª ed., São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família – Elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São Paulo: Renovar, 2003.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Temas Atuais de Direito e Processo de Família.Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil - Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

GOMES, Orlando. Direito de Família. Revista Atualizada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: ed. Forense, 1999.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no Código Civil – Aspectos civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2007.

WELTER, Belmiro Pedro. Alimento no Código Civil. São Paulo: IOB, 2004.




Autor: Andre Andrade


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