SEM CALÇA E SEM SAPATOS
No outro dia Manuel acordou cedo. Sofreu muito no dia anterior. Foi imediatamente ao serviço. O patrão aceitou as desculpas, mas fez um olhão. Nada não. Ele esquece. Manuel trabalhou firme o dia todo. Era preciso trabalhar muito. Pegar a confiança dos colegas e do patrão. Manuel venceria um dia.
Os outros pedreiros olharam para Manuel. Será que eles sabiam de alguma coisa? Provavelmente sim, ou não? Tinha que investigar isto, mas como? Iria Perguntar? Não, ele não poderia fazer isto. Se tal acontecesse, ele ficaria sem moral. E teria que contar tudo o que ocorrera. Mas...que tal fazer umas perguntinhas indiretas? Que tal conversar com um...suposto amigo sério? Sinfrônio. Sim, perguntaria levemente a Sinfrônio. Parecia ser legal este colega. Foi o que fez. Chegou perto do cujo dito. Conversa vai, conversa vem, papo pra lá, papo pra cá, solta a pergunta: como foi o dia de ontem Sinfrônio? Mesma coisa de ante-ontem, mesma coisa ontem e hoje, nem mais, nem menos. De menos sim, é claro, menos três dias de vida para os pobres. Mais dívidas no supermercado. O mais, tudo na mesma. Manuel se sente aliviado. Então ninguém sabia de nada. Que sorte! Trabalhou animadamente até às 5 horas.
Manuel termina o expediente.Vai embora contente. Passa no bar do Zeca? Não. Desta vez não vai beber nada. Ele não quer, nem que a porca torça o rabo. Ele tem que largar o vício. Não aguenta mais tanto sofrimento. Está perdendo a moral. O nosso Manuel tem que fazer alguma coisa. Uma delas é não passar nos bares onde bebia antes. Evitar os amigos de sempre, procurar outros. Mas...têm amigos que são bonzinos. Fazem tudo pela gente. Estes não se pode abandonar. Manuel sente dor no coração. Largar os outros assim, sem mais nem menos. Manuel não poderia fazer nada. Quantas pingas eles pagaram para o Manuel? Não sabia. Manuel perdeu a conta. Tinha que passar lá. Era só não beber e pronto. Manuel foi. Quantos amigos sentados tomando uma cervejinha e falando mal da vida dos outros. Alguns ouvindo músicas de 3a. categoria. Algumas mulheres velhas e banguelas sentadas, outros jogavam sinuca. Tudo aquilo era deprimente. Manuel sabia. Não tinham só paupérrimos ali. Havia gentinha boa como o Alex Tanaka, o Samuel Job e outros. Conversou com um e outro. Falou do serviço, do sofrimento, da labuta, da política. Mas o tempo não passava e Manuel tomou um traguinho. Um só não faz mal a ninguém. Do 1o. passou ao 2o. e deste para o 3o. e aí foi em frente. Beber não é problema. É só ter cuidado. Saber beber, não exagerar. Manuel desaparece dentro do Manuel. Não sabia mais quem era. Perdeu o rumo da casa.Voltou para a cidade.
Num barzinho escondido, Manuel encontra um grupo de bebuns. Manuel não conhece ninguém, nem ele mesmo. Entra na bebida. Não tem dinheiro. Não coaduna coisa com coisa. Fala besteira, grita com todo mundo.
Quando Manuel volta a si,está caído numa casa quase caindo, mas no centro da cidade. Devem ser 5 horas da manhã. Manuel está no meio de escombros. Como é que Manuel vai andar por aí sem sapatos? Descalço. Não. Não podia ser. Só então Manuel vê a realidade: perdera a calça. Manuel está sem calça. Perdeu tudo: relógio, dinheiro, sapatos, mas a calça? Manuel ficou no mato sem cachorro? Como é que ele iria para casa agora?Andar no centro da cidade sem calça, só de cueca? Manuel se arrepiava todo. Nunca pensou numa coisa desta. Procura chamar um transeunte que passa pela rua e pedir ajuda, mas de onde estava ninguém poderia vê-lo. Manuel sai assim mesmo e vai pro ponto de ônibus, se esquivando atrás das paredes. Como é que ia pagar o ônibus assim? Todos iriam gozar nele. Então Manuel vê um senhor idoso. Conta a situação a ele. O moço arruma um táxi e traz para Manuel que pega o táxi e parte. Que calamidade! Não é que o taxista é conhecido? Vai gozando no Manuel no trajeto todo. Com a cara mais imbecil do mundo o sujeito cai na gargalhada. Quer saber o que é que Manuel estava fazendo sem a calça no centro da cidade. Manuel resmunga, mas aguenta calado. Não tem o que responder ao fofoqueiro. Que sorte, ele chega em cada e todos ainda estão dormindo. Manuel salta rapidamente. Então entra devagarinho pelo fundo da casa, pega o dinheiro e paga o tagarela. Faz um café ele mesmo. Ninguém desconfia de nada. Vai ao serviço com a maior cara de sono e meio ressabiado.
Autor: Henrique Araújo
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