COMERAM O CHINELO DO MANUEL



. COMERAM O CHINELO DO MANUEL

No outro dia aparece um homem na casa do Manuel. Ele estava contratando gente para trabalhar numa fazenda. Tratava-se de uma fazenda nova que estava começando. Precisava de muita gente para trabalhar nas diversas atividades. Precisavam de roceiro, cozinheiro, derrubadores de árvores, etc. A proposta de um novo emprego era boa para Manuel.

O pai entra na conversa. Tá aí uma coisa boa pro Manuel. Lá no mato não tinha bebida. De duas uma: ou ele aceita o serviço e deixa de beber ou fica na cidade com um servicinho e bebendo muito.

Manuel pensa muito. O coração não quer deixá-lo ir, mas a proposta não era de se jogar fora e ele poderia mesmo deixar o vício. Aceita a proposta.

Ao meio dia o caminhão chegou. Estava lotadinho de gente. Cada peão mais feio que o outro. Manuel seria o cozinheiro. Pra isto ele era bom. Fazia uma boa comida e gostava de cozinhar. O duro lá no mato era a falta de mulher. Manuel iria ficar no sertão por seis meses, até a roçada terminar. Quem sabe ficaria mais tempo. Eles iriam precisar de gente para plantar o pasto, cuidar dos porcos e galinhas e dos bois, etc.

O carro zarpou. Saíram da cidade, pegaram o campo, acabou o asfalto. Pegaram uma estrada de chão muito esburacada e poeirenta. Andaram o resto do dia e da noite sem parar. Bem de madrugada pararam numa fazenda.Tomaram café e fizeram um lanche. Tomaram banho num corregozinho e partiram de novo.

Atravessaram uma enorme floresta. O campo havia acabado. A noite, chegaram ao dito lugar. Não dava pra ver nada. Tudo estava muito escuro. Ninguém para recebê-los. Havia duas casas, uma de tábua e outra de barrote. Os peões ficaram na casa de barrote. Dormiram do jeito que chegaram, pois ninguém enxergava nada devido a escuridão. Quem encontraria lampião naquela bagunça?

No outro dia acordaram cedo. Manuel fez um café num fogão de lenha. Apareceu o capataz e deu as devidas ordens. Todos pagam o machado e a foice. Manuel fica encarregado de fazer o boião. Tem muita comida na fazenda. Trabalham firmemente os peões, mas o capataz era muito exigente. Homem muito duro. Queria que trabalhassem dobrado. Pra isto carrega três jagunços e todos armados. Disse claramente que quem não trabalhasse ali, morreria e se fugisse pior seria. Ninguém voltaria à cidade tão cedo. Foi uma revolta muito grande entre os peões, mas nada poderiam fazer. À noite foram pro rancho. Acharam o lampião e cada um armou a rede em um lugar. Ficaram contanto estórias até tarde da noite. Era um lugar terrível, pois havia mosquitos demais. Foram dormir, mas quem dormia ali? Era um verdadeiro inferno. Só com fumaça é que se dormia um pouco.

E assim continuou o trabalho na fazenda. O caminhão não voltou mais, a comida acabou. Só havia arroz e feijão. Um dia acabou o arroz e só ficou o feijão. Era feijão de manhã e de noite. Algum dia achavam um palmito, mas era difícil. O feijão foi ficando insuportável.

Um dia Manuel colocou a panela no fogo e foi ajudar os outros. Era bem tarde, quase noite. Deu um temporal e todos tiveram que voltar para casa. Manuel veio correndo e ao entrar no barraco o chinelo voou. Manuel procurou, procurou e não o encontrou, pois estava muito escuro. Deixou para o outro dia. À noite escureceu muito ali. O lampião era fraco, e mal dava para enxergar a panela.

Ao por o feijão no prato, os peões notaram um pedaço grande no meio da panela. Carne? Milagre. Retiraram o pedaço imediatamente. Formaram uma verdadeira briga por causa daquele pedaço de carne. Carne? Manuel não pusera carne alguma no feijão. Reparou bem no pedaço. Aquilo é o chinelo do Manuel. Procurou olhar melhor apesar da briga. Sim, não tinha dúvida. Aquilo era o chinelo dele. Mas não poderia fazer nada, pois poderia ficar sem o pescoço por causa daquilo. Aqueles pilantras iam comer o chinelo dele pensando que era carne. Os peões resolveram entrar em um acordo e cortaram pedacinhos por pedacinhos aquele pedação. Como era duro, parecia couro. Manuel não quis saber da parte que lhe tocou.

No outro dia Manuel estava resolvido. Teria que fugir dali. Ele nem sabia onde estava. Como fugiria? Para ele era fácil. O capataz só tomava conta dos peões no roçado e deixava Manuel de lado. Tinha esta vantagem.

Foi assim que Manuel fez. No outro dia bem cedinho, Manuel arrumou algumas bugigangas e fugiu pelo rio. Foi nadando sempre pra onde a água ia. Andava às margens também, mas era um lugar muito ruim. Depois de um dia inteiro perdido, chega a uma cidadezinha. Chamava-se Afonso. Estava a 600 kms de Santana. Foi direto à polícia e denunciou a fazenda, mas ninguém estava disposto a tomar uma providência. Diziam que iam resolver, mas com um desinteresse total. Manuel pede esmola na rua e só assim consegue uma passagem. Viaja para Santana. Até que enfim se viu livre da escravidão.

Autor: Henrique Araújo


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