Nepotismo Como Improbidade Administrativa



Nepotismo como improbidade administrativa

O nepotismo, como uma modalidade de favorecimento pessoal, merece atenção de todos do meio acadêmico. Sua pratica tem raiz histórica, envolvendo áreas da sociologia e da antropologia.


1. Conceito e História

Não se tem, seja na doutrina assim como na jurisprudência, uma conceituação jurídica clara do que seria nepotismo. O que se concebe, genericamente, é que nepotismo é apenas uma forma de favorecimento pessoal, contudo tendo como beneficiado um integrante da família da autoridade pública nomeante.

Para Emerson Garcia[1], o nepotismo está intrinsecamente associado à lealdade e à confiança existente entre a autoridade pública e o beneficiado.Deduz que esta relação implica em um favorecimento direto do beneficiado, contudo, em vistas resguardar o direito daquele que o nomeou.

O nepotismo, conforme discorre Adam Bellow[2], tem origem na própria natureza. Pelo favorecimento pessoal de parentes por autoridades, resulta numa proteção à genética, a prole, a perpetuação da espécie. O referido autor é um dos poucos na seara sociológica que ousa defender o nepotismo.Para ele, a defesa de um parente, daí remetendo-se a consideração de guarida da genética pelo favorecimento pessoal, representou nada mais, nada menos, do que a própria preservação da raça humana. Sem o devido valor de preservação à família, uma estrutura fundamental para a formação da nossa sociedade hodierna e passadas, o ser humano estaria fadado a extinção.

De maneira oportuna, porém muito polêmica, Adam Bellow traça o nepotismo sob o prisma da biologia, considerando-o, portanto, apenas uma inconsciente manifestação de preservação da genética que deságua na operação social. Se dedicando a fazer estas fundamentações, como autor do livro Em louvor do nepotismo, ele se filia a ciência da sociobiologia, sendo considerado, pelas suas idéias, um neodarwinista, por associar as tese de evolução natural de Darwin aos problemas da modernidade, como, por exemplo, o nepotismo.

Etimologicamente o termo nepotismo deriva da palavra latina nepos, nepotis, como bem suscita Emerson Garcia[3], que significa neto, sobrinho. A expressão nepos também pode se referir a descendentes e posteridade. Noutro ponto, o apontado autor conclui que:

Nepotismo, em essência, significa favorecimento. Somente os agentes que ostentem grande equilíbrio e retidão de caráter conseguem manter incólume a dicotomia entre o público e o privado, impedindo que sentimentos de ordem pessoal contaminem e desvirtuem a atividade pública que se propuseram a desempenhar

Emerson Garcia, ainda, credita o uso da terminologia nepotismo, difundida no mundo, aos pontífices da Igreja Católica que no comando de alguns papas era costume a concessão de cargos, de dádivas ou de favores aos parentes mais próximos, o que ensejou no entendimento que temos hoje a respeito do nepotismo, só que aplicado aos agentes públicos.

O repúdio ao nepotismo ganha certa relevância a partir do momento em que o ser humano, frente às idéias liberais apregoadas na Revolução Francesa, procurou despersonalizar o Estado. Enquanto que até o avanço do ideário liberal a concepção predominante era do Estado Absoluto, onde o Estado era o Rei, sendo patente a confusão do interesse privado com o público, as delimitações não eram claras, implicando em muitos abusos pelas autoridades. Entretanto, mesmo após a Revolução Liberal Francesa, com a instituição do Império Francês tendo no comando o General Napoleão Bonaparte, o Estado Imperial foi composto, em sua maioria, por autoridades parentes de Napoleão. Emerson Garcia cita o principal deles, Napoleão III, irmão do Imperador, nomeado Governador com o propósito de comandar a Áustria, região que abrangia a França, Espanha e a Itália.

Historicamente se percebe a importância que tem a formação familiar com a articulação do domínio político. Em qualquer região do Planeta, a conjuntura política se define, ou pelo menos se definiu, por pactos familiares. Não é forçoso lembrar que Nações foram criadas por casamentos, a exemplo da Espanha, ou até para selar acordos de paz entre países em guerra. Podemos também trazer como referência moderna os Estados Unidos da América, que mesmo com a democracia, foi administrado por duas famílias pelo período de dezoito anos[4]!Portanto, há uma estreita relação do poder com a família, inclusive nos regimes considerados democráticos.

No Brasil temos diversos casos de flagrantes favorecimentos de parentes das autoridades públicas, malgrado a existência de princípios que deveriam ser observados. O legislador constituinte dedicou atenção os possíveis favorecimentos eleitorais de governantes em favor de parentes e estabeleceu, no seu art.14, §7º, hipóteses de inelegibilidades que alcançam o cônjuge e parentes, consangüíneos e afins, até o segundo grau ou por adoção, justamente buscando impedir a confusão no trato da coisa pública.

Ademais, Emerson Garcia[5], aponta que o nepotismo, por vezes, é institucionalizado, vez que costumeiramente se outorga às primeiras damas a competência de administrar instituições sem fins lucrativos, com relevante importância social para as classes mais carentes. Na Bahia, as Voluntárias Sociais é uma instituição mantida com dinheiro público e presidida pela primeira-dama do Estado da Bahia.

Por tudo exposto, conclui-se que em razão da grande dimensão que representa o Poder Público, não somente do ponto de vista dos postos de trabalho que este dispõe, mas pela guia esperança de muitos em galgar um emprego estável e rentável, o nepotismo se tornou um instrumento de favorecimento pessoal absolutamente rechaçado pela sociedade, vez que o que se pretende é democratizar o acesso ao quadro da Administração Pública, considerando o sistema de mérito, e não por indicações.No que tange a incidência do favorecimento via nepotismo, percebe-se que corriqueiramente os cargos em comissão, inclusive os restritos aos servidores de carreira, assim como para o desempenho de função pública gratificada, são utilizados com este fim, e por tal razão mereceu trato repugnante por diversos entes federativos e órgãos públicos, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça ao editar a Resolução nº 07 de 2005. A questão é que o nepotismo se refere apenas uma parte do problema, pois o que se deve abolir do âmbito da Administração Pública qualquer natureza de favorecimento, seja dirigido a parentes ou não.

O combate ao nepotismo tornou-se uma oportuna bandeira política de diversos governantes e políticos. Nesta senda, vale fazer referência a Lei Estadual nº 10.623/2007, que proíbe a nomeação de parentes no âmbito da Administração Pública do Estado da Bahia. Todavia, em que pese a importância da referida norma para a moralização da gestão pública, a mesma vacila ao não proibir a modalidade cruzada do nepotismo. Assim, autoridade de um Poder poderá, livremente, nomear o parente de outra autoridade, recebendo, em troca da benesse deferida, o direito de indicar um parente para ser nomeado pela outra autoridade. Definitivamente, a Lei Estadual em referência não encarou o verdadeiro problema vigente, especialmente quando deixou de proibir a pratica do nepotismo cruzado.

2 .Caracterização do nepotismo e o grau de parentesco

Para tratarmos da tipificação da pratica do nepotismo como ilícito administrativo, é imperioso que se tome como referência algumas normas que empreenderam um notável esforço para a efetividade do combate ao favorecimento pessoal de parentes. Uma das grandes dificuldades para se punir o agente público que pratica o nepotismo é ausência de caráter legal para, definitivamente, enquadrá-lo. Ainda que o favoritismo pessoal viole frontalmente os princípios que regem os atos da Administração Pública, este fato, isoladamente, muitas vezes não transmite um segurança para que se penalize o infrator do sentimento constitucional. Por tais razões, mesmo diante da relativa dificuldade de conceituar juridicamente o nepotismo, diversos órgãos e entes federativos fincaram dispositivos que vedam a pratica do nepotismo.

Neste sentido, comenta Fábio Medina Osório[6]:

Note-se que não proibição geral e uniforme à contratação de parentes no setor público desde a Constituição Federal, tampouco o princípio da impessoalidade administrativa dá conta do assunto.

E complementa:

Quando se fala em nepotismo, portanto, há de ser ter cautela, porque muito são os tipos de parentesco e de promiscuidade possíveis. Contratar amante é nepotismo? E contratar amigo íntimo? Também muitas serão as formas de acesso aos cargos ou funções públicas.

Para efeito de demonstração do alcance das normas que tratam do nepotismo, vale fazer referência a Lei 8.112 de 1990, que no seu art.117, VII, proíbe ao servidor público civil federal a "manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil". Já outra norma destaque vigente no Brasil é a Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre várias formas de consumação do nepotismo, ao passo que assim estabelecem no seu bojo:

Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:

I - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados;

II - o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;

III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;


V - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento.

Outro órgão que se dedicou a erradicar o nepotismo do seu quadro foi o Ministério Público, com a expedição da Resolução nº 01 de 2005 do Conselho Nacional do Ministério Público, ao estipular que "É vedada a nomeação ou designação, para os cargos em comissão e para as funções comissionadas, no âmbito de qualquer órgão do Ministério Público da União e dos Estados, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros."

No Estado da Bahia temos a Lei 10.623 de 2007 que trata do nepotismo, vedando as autoridades públicas a proceder com a "nomeação para cargos em comissão, designação para o exercício de funções de confiança ou contratação, sob qualquer regime, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau."

Há outros diversos instrumentos normativos que proíbem a pratica do nepotismo no âmbito da Administração Público. Contudo, a sua maioria segue as limitações instituídas por estas normas em estudo.

No que tange a efetividade das proibições postas podemos dizer que, realmente, em grande escala alcançaram o propósito para qual foram editadas. Mesmo sendo alvos de muitas críticas, as imposições moralizaram o Poder Público, especificamente com o preenchimento dos cargos em comissão e função pública gratificada. Ademais, justifique-se, assim, por oportuno, fazendo uso das palavras do Ministro Carlos Ayres Britto na decisão cautelar prolatada em da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº12/2006 em favor da Resolução nº editada pelo CNJ, in verbis:

Quando se vai cobrar assiduidade e pontualidade no comparecimento ao trabalho? Mais ainda, quando se é preciso punir exemplarmente o servidor faltoso (como castigar na devida medida um pai, a própria mãe, um filho, um (a) esposo (a) ou companheiro (a), um (a) sobrinho (a), enfim, com quem eventualmente se trabalhe em posição hierárquica superior?). E como impedir que os colegas não-parentes ou não-familiares se sintam em posição de menos obsequioso tratamento funcional? Em suma, como desconhecer que a sobrevinda de uma enfermidade mais séria, um trauma psico-físico ou um transe existencial de membros de uma mesma família tenda a repercutir negativamente na rotina de um trabalho que é comum a todos? O que já significa a paroquial fusão do ambiente caseiro com o espaço público. Pra não dizer a confusão mesma entre tomar posse nos cargos e tomar posse dos cargos, na contra-mão do insuperável conceito de que "administrar não é atividade de quem é senhor de coisa própria, mas gestor de coisa alheia (Rui Cirne Lima)".

Com efeito, bem estabelecidas às proibições, a sua violação resultará, decididamente, no descumprimento ao princípio da legalidade, dando-se como consumado o ato de improbidade administrativa.

Ademais, pela própria dificuldade de conceituar o nepotismo como expressão jurídica, as normas não são unânimes em adotar um grau de parentesco e de afinidade. Como se vê nos exemplos apontados, a Lei 8.112/90 tem um alcance inferior às demais, ao se limitar a proibição aos parentes até 2ª grau, enquanto que a Resolução do CNJ e do CNMP e a Lei Estadual 10.623/2007 estabelecem a linha de parentesco até o 3º grau.

Por outro lado, entendemos que o apropriado era que as normas acima tratadas, adotassem o mesmo tratamento esculpido pelo Código Civil que no seu art.1591 e seguintes dispõe acerca da relação de parentesco, determinando a linha parentesco até o 4º grau, seja em linha transversal ou colateral. Agindo assim, estariam adotando um critério juridicamente lógico, tendo em vista que o Código Civil é referência no que tange a abordagem aos conceitos gerais aplicados no ordenamento jurídico brasileiro.

3.Aspecto legal objetivo e subjetivo do nepotismo

Com a expedição dos diplomas já referendados que proibiram o acesso aos cargos públicos em comissão pelos parentes de autoridades públicas, restaram atendidas os preceitos fundamentais da Constituição Federal, qual seja o da moralidade e da impessoalidade. Pelos menos, é o que se pretendia pelas suas respectivas edição.

Todavia, o embate a respeito da consumação do nepotismo enquanto conduta violadora de princípios não se findou em razão da enorme conseqüência que tais diplomas causaram no quadro de servidores da Administração Pública. O primeiro deles foi a exoneração imediata de agentes ocupantes de cargo em comissão que desempenhavam a função há anos, não tendo como qualquer liame da sua nomeação com o fato de seu parente ser uma autoridade pública. A segunda que podemos relatar se refere à autoridade nomeante que mantêm um laço de extrema confiança pessoal e técnica no agente comissionado, que é parente de outra autoridade do Poder, porém sendo obrigado a exonerá-la porque se enquadra perfeitamente no impeditivo posto na norma.

É de bom alvitre lembrar que o objeto do combate ao nepotismo é justamente o favorecimento pessoal em que este é revestido para se proceder a ocupação do cargo em comissão, sendo que normas editadas por diversos órgãos vieram eliminar o caráter subjetivo do nepotismo, adotando limitações claras para o preenchimento dos cargos. Pois bem, tendo como base este raciocínio, percebe-se que a pura análise da nomeação pela subsunção à norma, enseja numa grande injustiça, pois pouco importa a história profissional do nomeado, mas apenas a conclusão do laço parental.

Não raras vezes nos deparamos com parentes de autoridades com vasta experiência profissional, e se não satisfazer, com, também, elogiável currículo acadêmico. Ora, é natural, quase imprescindível, que a autoridade venha indicar para o cargo uma pessoa de sua confiança, não somente pessoal como profissional, o que seria, de certa maneira, uma relativização do princípio da impessoalidade, pois a pessoalidade, representada pelo laço de fidúcia do agente nomeante com o agente nomeado, é uma condição básica para a ocupação do cargo. Todavia, vale destacar mais uma, que tal preenchimento ele não é irrestrito, devendo sempre ter em vistas o interesse coletivo, fim incumbido ao Estado. Sendo este basilar, as normas jurídicas em tela não observaram as injustiças que tais proibições podem causar ao agente comissionado qualificado tecnicamente, porém com laço de sangue com a autoridade pública.

Há também que se apontar a tão ventilada inconstitucionalidade do impeditivo de acesso ao cargo ou emprego público pelo fato, apenas, de ser parente de uma autoridade pública. A Constituição Federal em nenhum momento proíbe a nomeação de parente. Tal inovação gera ainda muitas controvérsias, haja vista que se trata de uma proibição com um caráter muito próximo de uma punição. Sendo assim, nada mais injusto para um profissional habilitado, porém, somente pelo fato de ter um parente como autoridade pública, sem poder ser nomeado para desempenhar a função pública que lhe seria atribuída.

Diante deste quadro, se propõe uma reflexão, ainda não posta na doutrina nem na jurisprudência, mas com devida relevância para se evitar injustas conseqüências, tendo como objetivo flexibilizar a imposição legal, analisando-se cada caso, sob dois prismas: o que a lei impõe e o que os princípios determinam. O primeiro denomina-se de aspecto objetivo, e o segundo de aspecto subjetivo.

O aspecto objetivo corresponde ao enquadramento legal. Ou seja, a situação fática se encaixa perfeitamente na proibição legal. Entende-se como objetivo porque isento de influências que correspondem aos valores, constitui numa análise exegética do caso à lei, sem considerar os pormenores que muitas vezes circundam a situação.

O aspecto subjetivo corresponderia à análise posterior ao enquadramento positivo a lei. Ou seja, concluindo-se que a nomeação esbarra na previsão legal, caberia se analisar se o caso viola os valores vigentes, especialmente os princípios constitucionais que guiam a Administração Pública. Neste ponto, surge-se a novidade de se relativizar a aplicação das normas que proíbem o acesso ao cargo em comissão por conta da sua ligação parental com a autoridade pública.

A proposta, portanto, dispõe que nepotismo enquanto violação de princípios, somente estaria caracterizado, especialmente, com a conclusão positiva do aspecto objetivo e, posteriormente, subjetivo.

Sendo um caso onde a nomeação se deu por flagrante favoritismo, estar-se-ia consumado o nepotismo, contudo, se a relação da autoridade com o agente nomeado, parente de outra autoridade pública, remota a data pretérita a ascensão do nomeante, não restaria caracterizado o nepotismo. Assim quando o currículo profissional ou acadêmico do nomeado não deixa duvidas quanto a sua capacidade técnica para exercer o cargo.

A respeito desta reflexão ainda prematura é preciso se fazer algumas considerações. Anteriormente a edição destas normas que se busca flexibilizar, o favorecimento de parentes em razão do vínculo com a autoridade pública já era vedado por força dos princípios constitucionais. Assim, a edição das normas não seria necessária, em face da já vigência dos preceitos fundamentais.

Inovou-se no ordenamento jurídico e administrativo com o objetivo de vedar a nomeação de parentes em razão do grau de complexidade que se encontrou com a da subjetividade que pairava os casos de nepotismo. A eficácia dos princípios, realmente, ficou muito prejudicada por conta desta insegurança, se admitido apenas os casos absurdos, realmente escabrosos de flagrante favorecimento pessoal, como pratica lesiva do nepotismo.

Foi buscando satisfazer, a força vale dizer, que editaram as normas proibitivas do nepotismo. Deste modo, o sentimento do legislador, ou das autoridades judiciárias no caso do CNJ, foi vedar, definitivamente, qualquer hipótese de preenchimento dos cargos em comissão e de função pública gratificada por agentes que tivesse um laço parental com as autoridades nelas elencadas, não se valendo de qualquer outra interpretação.

Coadunamos que tal imposição irrestrita da vedação ela é prejudicial para o devido seguimento da Administração Pública, contudo não consideramos razoável, novamente, flexibilizar os ditames normativos, desaguando-se no quadro pretérito onde se analisava os casos de forma individualizada. Entender desta maneira é desprezar o princípio da legalidade vigente no Brasil.

É importante frisar que não concordamos com a filosofia exegética, até porque a Lei estadual não vedou a prática do nepotismo na modalidade cruzado, mas consideramos que tal conduta deve ser repelida, quando consumada, por força dos princípios constitucionais. Entendemos, ademais, que por trás da edição das referidas normas existe um caráter educativo e moralizador, ainda que implique em conseqüências, de caráter imediato, não desejadas.

O combate ao nepotismo se reveste de uma intenção muito maior que meramente jurídica, ela é cultural. A pratica do favorecimento pessoal é constatada, inclusive, na considerada "Certidão de Nascimento" do Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha[7], que assim requereu ao Rei de Portugal em favor do seu genro:

E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, com em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – que d´Ela receberei em muita mercê.

Saber impor limites ao Gestor Público faz parte de uma estratégia ampla para lhe fazer consciência de que confundir a coisa pública com o privado é algo absolutamente rechaçado pelo ordenamento jurídico brasileiro, seja pelos princípios, seja pela lei ou pela resolução, independentemente do caso concreto. A subjetividade do nepotismo já foi ultrapassada, aos nossos olhos, quando o legislador editou a Lei.

4. Nepotismo como improbidade administrativa

A pratica do nepotismo se configura como um ilícito de caráter administrativo. Os ilícitos administrativos são tratados pela Lei nº 8.429 de 1992, tratando-as como improbidade administrativa.

A improbidade administrativa, conforme destaca Marino Pazzaglini Filho[8], foi inserida pela primeira vez com o advento da Constituição Federal de 1988. Pela importância da matéria, a própria Carta Magna tratou de abordar as hipóteses de sanção para os agentes públicos que incorressem na improbidade administrativa, prevendo punições de suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade dos bens particulares do agente, ressarcimento ao erário público e dentre outras cominações.

De acordo com José Afonso da Silva[9], improbidade administrativa é a falta de probidade administrativa, que por sua vez define assim:

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão dos direitos políticos (art.37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.

Neste mesmo sentido, destaca Fabio Medina Osório[10]:

A improbidade administrativa produz lesões graves aos valores e normas anunciadas como fundamentos da Administração Pública e bem assim aos deveres cujo descumprimento resulta na configuração do ato desaprovado.

A definição passa, ainda, conforme Marino Pazzaglini Filho[11], pelo entendimento que improbidade administrativa é mais que uma simples violação ao texto legal é, acima de tudo, uma conduta qualificada não somente como ilegal, mas de má-fé, de imoral, pela falta de honestidade do agente público no trato da coisa pública no exercício de sua função.

A lei especial que trata da improbidade administrativa, já oportunamente mencionada, procurou disciplinar o ato ímprobo em três categorias: a primeira diz respeito aos atos que importam em enriquecimento ilícito do agente (art.9º); a segunda toca no prejuízo produzido ao erário público pelo ato praticado (art.10); e na terceira categoria, atende aqueles atos que implicarem na violação dos princípios da administração pública (art.11).

No que se refere ao agente ativo do ilícito, a LIA (Lei da Improbidade Administrativa), contemplou toda a modalidade de agente público, seja agente político, servidores públicos e particulares em colaboração com o Poder Público. Portanto, qualquer um dessas categorias está sujeitos as imposições previstas na referida lei, pelo cometimento de um ilícito administrativo.

O nepotismo, como já tratamos oportunamente, constitui-se como um ato de favorecimento de cunho pessoal em favor de um parente, violando-se os princípios da moralidade, da impessoalidade e, possivelmente, da eficiência, a depender do caso concreto. Como vige no Estado da Bahia e no meio Judiciário uma norma que disciplina a matéria, a sua inobservância caracteriza um desrespeito aos ditames normativos. Assim, vale trazer à tona as palavras de Fábio Medina Osório[12]:

O nepotismo, vedada a contratação de parentes no setor público, é hipótese que não raro vem tratada pelo Ministério Público brasileiro e, principalmente, pela opinião pública, como improbidade, embora também aqui exista uma infinidade de situações obscuras e nebulosas, situações nas quais se admitem contratações e nomeações de parentes para relevantes cargos públicos. As lacunas no marco regulatório impedem, freqüentemente, que se alcance o conceito mesmo de nepotismo, em qualquer de suas modalidades, porque seria necessário estabelecer o grau de parentesco indispensável ao vinculo proibido ou censurável.

É sabido que, de acordo com a Lei de improbidade administrativa, a violação aos princípios constitui-se num ilícito administrativo, ensejando as punições previstas para o agente que praticou o ato, independentemente de prejuízo ao erário. Isto porque o favorecimento pessoal de um familiar no acesso à um cargo público se adequa perfeitamente a terceira categoria de improbidade administrativa, onde a lei resguardou a integridade dos princípios, da boa-fé, da boa gestão da Administração Pública.

Outra característica inerente ao nepotismo é o desvio de finalidade que este é revestido. Como conseqüência do princípio da impessoalidade, a atenção do agente público, especialmente com relação aos efeitos dos atos praticados por este, devem estar voltados para o interesse da coletividade, e não visando o interesse particular do agente.Todavia, tal conduta não está, definitivamente, aliada ao fim pretendido pelo agente. Ou seja, não importa se o desvio de poder cometido tinha como pano de fundo o interesse público.

Desta maneira, dispõe Fábio Medina Osório[13]:

Parece evidente que os desvios de poder assumem numerosos formatos. Resulta complicado, inclusive, estabelecer uma teoria geral do desvio de poder, salvo no tocante aos elementos mínimos que podem ou devem caracteriza-lo. Daí por que a improbidade pode configurar um clássico caso de desvio de poder, ou não.

Com efeito, conclui-se que a pratica do nepotismo é passível do controle previsto na Lei de Improbidade Administrativa, imputando-lhe ao agente público infrator, neste caso a autoridade nomeante, a responsabilidade pela violação aos princípios da moralidade, da impessoalidade, bem assim pelo desvio de finalidade, não atendendo o interesse público pelo preenchimento do cargo em comissão.

Assim, novamente, Fábio Medina Osório[14] faz as oportunas considerações:

O agente público que persegue fins privados será, geralmente, enquadrado na LGIA, mas é possível que exista alguma atenuante ou alguma causa que lhe exima da responsabilidade, dependendo da espécie de finalidade ambicionada, quando não se revista de marca patrimonial. Há que se ter presente, não se pode olvidar, a necessária vinculação entre o ato ilícito e os requisitos gerais da improbidade administrativa.

Ademais, como afirmado alhures, a subjetividade em que se revestem os princípios administrativos, assim como as expressões má-fé e desonestidade, prejudica, e muito, a aplicação das penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Por força deste quadro, a atuação de diversos entes federativos e dos Poderes no sentido de dar real efetividade a proibição do nepotismo, editaram normas que vedam, categoricamente, o favorecimento pessoal de parentes no acesso aos cargos públicos em comissão. Deste modo, ao descumprir o quanto determinado, o agente incorre numa ilegalidade, facilitando a configuração da improbidade administrativa.




[1]GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,2004,p.443.

[2] BELLOW, Adam. Em louvor do nepotismo: uma história natural. São Paulo, A Girafa Editora, 2006, p.71-109.

[3] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Op.cit, p.442.

[4] George Bush foi Presidente dos Estados na gestão de 1989-1993, Bill Clinton de 1993 a 2001 e George W.Bush, filho de George Bush, 2001 a 2009. O irmão de George W. Bush, Jeb Bush, é governador do Estado norte-americano da Flórida, enquanto que a esposa de Bill Clinton, Hillary Clinton, é Senadora pelo Estado de New York, pré-candidata a Presidência da República dos Estados Unidos da América pelo partido Democrata.

[5] GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Op.cit, p.443.

[6] MEDINA OSÓRIO, Fábio. Teoria da Improbidade Administrativa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 p.351.

[7] ALVES FILHO, Ivan. Brasil: 500 anos de documentos. Rio de Janeiro:Mauad, 1999, p.22.

[8] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.17.

[9]SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.653.

[10]MEDINA OSÓRIO, Fábio. Op.cit, p.324.

[11]PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 19.

[12] MEDINA OSÓRIO, Fábio. Op.cit, p.351.

[13] Idem, p.395.

[14] Idem, p.399.


Autor: Bruno Martinez


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