DURKHEIM E SIMMEL: ENCONTROS E DESENCONTROS SOCIOLÓGICOS




Palavras-Chave: Sociedade, Indivíduo, Sociologia, Simmel, Durkheim.


I - INTRODUÇÃO

A discussão proposta neste ensaio visa ampliar a compreensão das ideias de dois importantes sociólogos da modernidade. Com parte de suas teorias sociológicas revisitadas, buscam-se explicações para a dualidade entre sociedade e indivíduo. Dualidade esta que constitui um dos objetos clássicos das investigações sociológicas de modo geral. Neste trabalho, de um lado Durkheim e de outro Simmel, as suas concepções de Sociedade são apresentadas e confrontadas.
Tratar sobre o pensamento sociológico de Émile Durkheim na atualidade não é uma tarefa fácil. Estigmatizada e mal interpretada, a teoria sociológica deste francês merece uma profunda genealogia a fim de se desconstruir algumas visões e leituras equivocadas acerca deste grande teórico do pensamento sociológico. Dada a sua força latente Durkheim é um sociólogo que merece atenção especial, principalmente em sua vertente sociológica, haja vista a grande aceitação e méritos já conquistados pela vertente antropológica. Sem sombras de dúvidas, a unificação da Sociologia em torno de um núcleo comum (objeto e método bem definidos) é um ponto forte da tradição de Durkheimiana.
Por outra via, a noção de sociedade em Georg Simmel, se coloca como um enigma ao longo de toda a sua produção bibliográfica. As noções de sociedade emergem de seus escritos de forma dispersa e fragmentada. Considerado um autor de difícil interpretação, quem sabe por não possuir a sistematização teórica como de seus contemporâneos, Simmel, dificilmente é colocado como um dos fundadores da sociologia, embora seja considerado tão original quanto Durkheim ou o próprio Max Weber (1868-1920).


II ? O SOCIAL E OS FUNDAMENTOS DA SOCIEDADE EM DURKHEIM

A partir da obra Regras do Método Sociológico(1895), pode-se encontrar os principais fundamentos da noção de sociedade para Durkheim. Esta, parte da ideia de que o indivíduo é produto de uma determinada lógica chamada de sociedade. Em uma relação de precedência indivíduo nasce da sociedade e não a sociedade do indivíduo . Neste sentido é que caminha toda a interpretação da relação entre individuo e sociedade para este sociólogo.
No contexto da elaboração de As regras do Método Sociológico (1895) em um período de efervescência positivista, com certas ressalvas, pode-se afirmar a sobre a influencia recebida por este sociólogo dos axiomas e doutrinas da positividade científica. Logo, nesta perspectiva, a sociedade passa a ser encarada como uma categoria de análise em si mesma, um objeto de estudo, de onde derivam as regras que devem ser seguidas para a análise dos fenômenos sociais. Assim, o fato social se coloca como detentor desta objetividade científica, necessária para o estudo da sociedade. Dessa maneira, fato social, é,
Toda maneira de fazer, fixado ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1999, p. 13) .

Para este sociólogo, a primeira regra fundamental relativa à observação dos fatos sociais, consiste em considerá-los como coisas. Somente assim, destituídas e desvinculadas de certas noções filosóficas e não entregue às noções biológicas e psicológicas , a Sociologia poderia exercer sua função de estudo e análise científica dos fenômenos sociais.
O que é a coisa?
Todo objeto do conhecimento que a inteligência não penetra de maneira natural, tudo aquilo de que não podemos formular uma noção adequada por simples processo de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender senão sob condição de sair de si mesmo, por meio da observação e da experimentação, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais profundos (DURKHEIM, 1999, p. 18) .

Ora, no pensamento Durkheimiano a concepção de sociedade se origina na ideia de fato social, porém, "não se poderá saber se a sociedade é ou não a causa de um fato, senão quando a ciência já estiver avançada" . No fundo, é a noção de coerção social que é essencial, pois tudo o que está implicado nesta noção é que as maneiras coletivas de agir ou de pensar apresentam uma realidade exterior aos indivíduos, os quais vão se conformando e adequando com certa freqüência de tempo .
Para Durkheim, não há dúvida que o indivíduo ocupe um lugar de destaque na gênese dos fatos sociais. Todavia, para que ocorra o fato social é preciso que o agir de vários indivíduos tenha se misturado e dado início a um novo produto ? A sociedade. Neste direção, a sociedade nada mais é, que uma síntese originária da fusão da ação de diferentes indivíduos e que a partir disso terá vida própria como um organismo vivo. Sua ação será de fixar, moldar, instituir ou condicionar o agir particular dos indivíduos. Desta maneira, a sociedade estaria visivelmente configurada nas instituições que encerrariam em si a noção de sociedade.
Em sentido anacrônico, apresentamos a seguir um segundo grupo de princípios básicos para o entendimento da sociedade, que podem ser interpretados a partir da obra Divisão do Trabalho Social (1893). Nela, encontram-se as noções de consciência coletiva e solidariedade mecânica e orgânica.
Com forte influencia positivista, Durkheim, em A Divisão do Trabalho Social, entende que a sociedade passa por um determinado processo de evolução que está sendo provocada pela diferenciação social. A primeira etapa desse processo de evolução social é chamada de Sociedade de solidariedade mecânica, enquanto que a segunda etapa se refere Sociedade de solidariedade orgânica. Apresentam-se desta forma, os dois tipos de sociedade para Durkheim.
A principal contribuição destas duas noções para a constituição da concepção de sociedade está contida na ideia de solidariedade. No primeiro tipo de sociedade, o indivíduo se liga à sociedade sem nenhum intermediário. A sociedade de solidariedade orgânica "é um conjunto mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os membros do grupo: o tipo coletivo ". O indivíduo identifica-se com as características de sua própria personalidade; nada, além disso, se impõe como necessário para a coesão da vida no social. Os laços que unem os indivíduos constituem-se a partir de crenças e morais.
Estamos em busca de uma noção de solidariedade que produza interferência direta da sociedade na integração entre os indivíduos, noção esta, dada pela solidariedade que a divisão do trabalho produz. "Com efeito, por um lado, cada um depende mais estritamente da sociedade quanto mais o trabalho esteja dividido; e, por outro lado, a atividade de cada um é tanto mais pessoal, quanto mais especializada for ". Neste cenário social, a atividade humana é mais coletiva, os indivíduos dependem uns dos outros devido à especialização de funções ou mesmo a divisão do trabalho social. Demonstra que nas sociedades ditas modernas, as sociedades são altamente desenvolvidas e diferenciadas, desta forma, neste contexto, cada indivíduo exerce funções diferenciadas.
Na realidade o que leva as pessoas a interarem-se, é o progresso dos meios da especialização das funções que os indivíduos exercem entre si, ou mesmo em conjunto, assim, os indivíduos acabam se tornando independentes das atividades em diferentes setores da vida social.
Como conclusão, Durkheim afirma que a divisão do trabalho social não pode ser reduzida apenas a sua dimensão econômica, no sentido de que ela seria responsável pelo aumento da produção, sendo está a sua função primordial. Ao contrário, a divisão do trabalho social tem antes de tudo uma função moral, no sentido de que ela passa a ser o elemento chave para a integração dos indivíduos na sociedade .
Durkheim entende que a verdadeira função da divisão do trabalho social, está no sentimento de solidariedade entre os indivíduos de determinada sociedade. Entretanto, com a crescente diversificação das funções, cresce também o sentimento de individualidade entre os indivíduos; a consciência coletiva acaba perdendo seu papel para a interação social. O aumento da densidade social, que deveria aumentar os níveis de integração, através da solidariedade e divisão e especialização das funções de trabalho; passa a desintegrar, punir e criminalizar. A sociedade mais do que nunca se impõe e a qualidade das relações se impõem em função da quantidade que marca o mundo moderno .

III - AS CONTRIBUIÇÕES DE DURKHEIM PARA A NOÇÃO DE SOCIEDADE

O que marca a contribuição de Durkheim à Sociologia no que se refere à concepção de Sociedade, é a existência de características macroestruturais condicionando a vida individual. Neste raciocínio, ocorre o reconhecimento dos sistemas de símbolos culturais (valores, crenças, dogmas religiosos, ideologias...) como uma base importante para a integração da sociedade. À medida que as sociedades se tornam complexas e heterogêneas, a natureza dos símbolos culturais, ou o que Durkheim denominou como consciência coletiva, se altera. A contribuição de Durkheim está na formulação mais básica da Sociologia: o que mantém uma sociedade unida? qual é este mecanismo básico?
Para Durkheim, as relações estruturais entre as pessoas são esta explicação. As variações nos padrões da interação social determinam as variações nos comportamentos e crenças das pessoas. A sociedade determina o indivíduo em alguma situação estrutural. Estrutura são as configurações reais, físicas que formam a densidade social, onde esta causa um impacto na ideias e sentimentos morais das pessoas .
Em sociedades com alta densidade (sociedades modernas, orgânicas), os indivíduos desenvolvem progressivamente funções cada vez mais especializadas. Nas sociedades com alta densidade, existe uma forte influência na interação entre as pessoas. É a densidade social (larga ou em pequena escala) um determinante de todos os aspectos da teoria de Durkheim.
Onde há uma grande densidade social a estrutura muda no sentido de promover uma divisão do trabalho mais complexa. Os papéis sociais tornam-se mais especializados. A sociedade inteira torna-se mais independente à medida que os indivíduos tornam-se mais diferenciados.
O argumento geral de Durkheim é o de que os aspectos físicos da estrutura determinam a parte mental e moral da sociedade. Em sociedades tribais as ideias das pessoas são mais concretas e particulares; já nas sociedades modernas, essas ideias são gerais e abstratas.
A mesma relação é possível ser feita somente nas sociedades modernas. Classes mais baixas são dotadas de ideias concretas e particulares. Essa tese geral da densidade em Durkheim, é valida para as sociedades como um todo. A estrutura social local exerce um efeito emocional e moral. Onde esta estrutura é ausente, o indivíduo se torna mais propenso ao suicídio .
Tal estrutura social e moral é mantida por Rituais Sociais. Estes rituais dão plena consciência do grupo aos indivíduos. Assim, certas ideias passam a representar o próprio grupo, tornando-se símbolos. Mas essas ideias só são eficazes a medida que são sociais, na medida em que recordam aos indivíduos ao que estão vinculados e ao que prestam sua lealdade. Durkheim chamou isso de representações coletivas partículas carregadas que circulam entre os indivíduos, tornando-se um poderoso instrumento que conduz a vida social de cada um.
O modelo de Durkheim nos apresenta um mundo com dois níveis: nós pensamos a partir de nossas ideias sociais e essas ideias formam o conteúdo das nossas consciências. Nossa racionalidade nos é dada pela estrutura social na qual habitamos. Esta é a morfologia da estrutura social .
Assim, Durkheim procura identificar a vida social do indivíduo de acordo com a sociedade, e, que a sociedade possui um papel fundamental na vida social do indivíduo, esse holismo, holoiós, que em grego significa "todo", assim que "[...] o todo predomina sobre as partes "



IV ? OS DESENCONTROS DE DURKHEIM NA ÓTICA DA SOCIEDADE EM SIMMEL

Simmel é considerado um autor de difícil compreensão quando comparado a seus contemporâneos e principais interlocutores, Max Weber e Emile Durkheim. A obra Questões fundamentais da sociologia, aborda as principais noções de sociedade tratadas nesta segunda etapa do trabalho.
As relações sociais entre as pessoas engendram aquilo que chamamos de sociedade e esta por sua vez, influencia a relação entre as pessoas. O que ocorre, é que Simmel não deixa a sociedade se separe demasiado das relações, a ponto de elevar-se a categoria de coisa, tal como Durkheim concebia; com vida própria e independente dos indivíduos. Em Simmel a:
Sociedade seria uma abstração indispensável para fins práticos, altamente útil também para a síntese provisória dos fenômenos, mas não um objeto real que exista para além dos seres individuais e dos processos que eles vivem .

Percebe-se de imediato que para o sociólogo alemão, a sociedade não é uma realidade exterior ao sujeito, onde fatores externos determinariam ou não sua integração. Em Simmel, onde quer que haja interação entre indivíduos haverá sociedade . Percebemos aí a mudança de uma concepção macro (integração) para microssociológica (interação). Ao contrário de Durkheim que privilegiava a sociedade como unidade de análise com precedência sobre os indivíduos, a sociologia simmeliana eleva o indivíduo e suas interações como uma categoria analítica com grande poder de significado.
"A linha divisória que culmina no indivíduo também é um corte totalmente arbitrário, uma vez que o indivíduo, para análise ininterrupta, apresenta-se necessariamente como uma composição de qualidades, destinos, forças, e desdobramentos históricos específicos [...]" (idem, p.13).

Essas interações significam que os indivíduos [...] foram por elas levados a unir-se convertendo-se numa unidade ? sociedade. Esta unidade, chamada também de sociação varia em função da qualidade das interações. Nesta lógica, o conteúdo das sociações passa a ser tudo o que exista nos indivíduos (instinto, interesse, inclinações, movimento psíquico). Tudo o que seja originário de ação sobre os outros ou a recepção das mesmas. Pois bem, enquanto que para Durkheim era necessária a existência de desconexões entre o biológico, o social e o psicológico para formação do campo de estudo da sociologia; em Simmel, há a existência destas conexões, haja vista, a concepção da vida humana como um todo, dotada de conteúdo social .
Quando comparada a literatura e às produções de Durkheim, a literatura e as produções de Simmel apresentam-se de certa forma dispersa e fragmentada, dificultando sobremaneira a categorização do que é o indivíduo e daquilo que vem a ser a sociedade. Enquanto Durkheim se aproxima das noções positivistas para fundamentar sua Ciência da Sociedade, Simmel aproxima-se de certos graus da existência humana, como que permeado por um víeis fenomenológico de investigação de uma série de fenômenos individuais
Em qualquer um dos casos, Simmel é contrário a uma concepção de sociedade totalizante que oprime o indivíduo. Sociedade esta, que torna o indivíduo como uma parte do grande mecanismo coletivo. Em Simmel, a sociedade aflora de pequenos e discretos mundos. Em Durkheim, a visibilidade da sociedade está nas instituições que moldam e formatam os indivíduos dentro da lógica coercitividade, generalidade e exterioridade do fato social.
Segundo Simmel:

O conceito de sociedade tem duas significações, que devem manter-se rigorosamente separadas ante a consideração científica. De um lado ela é o complexo de indivíduos sociados, o material humano socialmente conformado, que constitui toda realidade histórica. De outro lado, porém, "sociedade" é também a soma daquelas formas de relação pelas quais surge dos indivíduos a sociedade em seu primeiro sentido" .

Tal conceito, de acordo com Simmel , edifica-se a partir de processos primários que formam a sociedade como um material individual imediato que devem ser submetidos a processos de estudos formais e organizações mais elevados. Logo, a sociologia se forma como um estudo que se detém de modalidades de relação, aparentemente insignificantes.
Em contraste com Durkheim que via a sociedade como um sistema orgânico de forças ativas operando sobre os indivíduos, Simmel vê uma totalidade de forças atuando para garantir a interação entre os indivíduos. Se para Durkheim o indivíduo é condicionado pela sociedade dentro de uma consciência coletiva principalmente nas sociedades complexas (solidariedade orgânica); em Simmel, encontramos um nível elevado de diálogo entre as formas sociais (família, grupos) e aquilo que ele chama de cultura objetiva.
Nestes encontros e desencontros com Durkheim, Georg Simmel antecipa o fenômeno da Modernidade. Amplamente tratado por Zigmunt Baumman e Anthony Giddens. Em A Filosofia do Dinheiro(1900), o sociólogo alemão se coloca como um moderno, dialogando com a modernidade. O dinheiro permite interações sociais. Estas interações que formam a sociedade são impulsionadas pelo processo de trocas econômicas que equivalem à troca de representações entre os indivíduos, mas concomitantemente, a emergência de uma cultura cada vez mais quantitativa e de dependência de outras pessoas. Ao contrário de Durkheim que via este movimento de dependência como sinal de integração entre os indivíduos, Simmel entende que isto acarreta a fragmentação, opressão e perda da individualidade .

IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos fazer uma comparação entre o pensamento de Émile Durkheim e Georg Simmel dentro das categorias de indivíduo e sociedade. Para ambos a noção de Sociedade apresenta suaves encontros, mas radicais oposições e desencontros.
Mesmo contemporâneos, estes dois sociólogos percorreram caminhos opostos no que se refere a fundamentação das noções de sociedade. Defendendo o predomínio do todo sobre as partes, Durkheim sistematiza o fato social como unidade de análise e objeto da sociologia. A partir desta relação, se configura a noção de Solidariedade mecânica e Solidariedade orgânica, conceitos esses, essenciais para entender o a sociedade e o indivíduo.
Simmel, por sua vez, centraliza sua produção em uma relação de diálogo entre indivíduo e sociedade. O resultado disto é a interação entre indivíduo e as diferentes formas sociais. Diferente de Durkheim, para Simmel a sociedade refere-se aos indivíduos em suas múltiplas relações recíprocas, e os processos sociais têm origem principalmente nas interações sociais.
Outras relações podem ser desenvolvidas a partir da enigmática e profunda sociologia de Simmel. A partir da obra Sociologia 1908, em um diálogo com Weber, se podem estudar o político a partir das formas de dominação e subordinação. Além disso, riquíssimas contribuições na compreensão do fenômeno da modernidade e pós-modernidade.

Autor: Fernando Mezadri


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