Do bonde ao trem-bala até a parada de Vila Mimosa.



Do bonde ao trem-bala até a parada de Vila Mimosa.

Aguiomar Rodrigues Bruno(1)

Estava eu sentado numa manhã ensolarada lendo o jornal dominical de maneira jocosa e sem muitas pretensões naquele dia. Quando me deparei com um título no mínimo pitoresco e incomum, "Vila Mimosa no caminho do trem", no qual me chamou bastante à atenção, do autor Francisco Edson Alves, em artigo escrito no jornal O DIA, no dia 16/05/2010. No qual, vem relatando a possível construção de uma plataforma de trem-bala, na área da Praça da Bandeira, que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo pela Agencia Nacional de Transportes Terrestres, no próximo semestre.
Até aí tudo bem. Mas o que teria haver o trem-bala com a tão famosa Vila Mimosa (2)? Logo pensei que se tratava de um título sensacionalista para chamar a atenção dos leitores para um texto óbvio, que diria sobre o aumento da clientela nos bares e nas boates ditas como inferninhos (3), em função da futura plataforma de trem e nada mais do que isso. Para minha grande surpresa e acredito a de muitos leitores deste periódico, não foi o enfoque nas benesses econômicas e muito menos amorosas da provável empreitada nem tampouco na resolução de um problema urbano característico de toda grande cidade (transporte). Mas sim, na negligencia e no pouco interesse das autoridades em discutir com as comunidades o impacto na área do projeto como as inúmeras desapropriações de imóveis na Praça da Bandeira, e consequentemente no futuro incerto dos mesmos.
É importante fazermos uma ressalva, pois, não estamos aqui para fazermos o papel de oposição míope contra inovações tecnológicas da modernidade em prol de um saudosismo anacrônico de um tempo que se passou e muito menos estabelecer uma relação maniqueísta com o Estado e suas políticas de infra-estruturas. Mas sim, analisarmos as conseqüências para as comunidades afetadas por políticas públicas deficitárias ou até mesmo pela falta dela, que não contemplam soluções plausíveis para estas minorias - ficando assim a margem. Com isso, vários comerciantes, pequenos empresários e cerca de 3.500 garotas de programa da Vila Mimosa estão preocupados com o provável despejo e do futuro incerto que causaria o plano de transporte urbano futurístico em suas vidas.

A ferrovia desalojaria moradores e 150 comerciantes das ruas Sotero dos Reis, Ceará, Hilário Ribeiro e Lopes de Souza, onde restaurantes, lojas e empresas geram mil empregos diretos e movimentam R$1 milhão por mês (O DIA, Ano 59: 08).

Assim sendo, como afirma a assistente social da associação dos Moradores do Condomínio Amigos da Vila Mimosa, Cleide Nascimento, ao expor sua apreensão sobre a transferência para outras áreas mais longínquas, afetando diretamente o cotidiano de todas. E da prostituta Y., de 42 anos, há 19 anos no ramo, que possui uma renda mensal de R$3 mil, menciona ao jornal O DIA, que sustenta os 4 filhos com essa renda. Neste sentido, para compreendermos a gênese dos acontecimentos como os da Praça da Bandeira, precisaríamos recuar no tempo até o inicio do século XX, tendo como palco novamente, o Rio de Janeiro. É neste período, no começo da República, que o então prefeito Pereira Passos tomou posse em 30 de dezembro de 1902, colocando em prática seu plano de remodelação do Distrito Federal que ficaria mais tarde conhecida no romance do escritor paraibano José Vieira, o bota ? abaixo (4). Em seu plano de modernização iniciada em 1904 consistia na retificação do cais do porto e na remodelação urbana da Avenida Central. Tal projeto desalojou milhares de pessoas e removeram inúmeras outros estabelecimentos comerciais, demolindo dezenas de prédios. Alterou a fisionomia e estrutura da cidade, e que repercutiu diretamente nas condições de vida da população mais pobre. As demolições levantaram densas nuvens de interesses feridos, de ódios contra o governo. Isto sem contar com a participação do médico Oswaldo Cruz, que ficaria mitificado na História pela campanha desastrosa da vacinação.
Portanto, acerca deste dilema, esses dois exemplos simplificam esta linha tênue que equilibra esta relação entre sociedade civil e Estado, não deve cair, num argumento demagógico e até mesmo arrogante de políticos de pensamento utilitarista Benthaniano. Isto é, onde todas as atitudes são respaldadas no discurso da maior felicidade para o maior número de pessoas possíveis, sendo um critério de bem estar social, onde a felicidade é igual à quantidade de prazer individual menos o sofrimento. E Jeremias Bentham enfatiza que a posse dos bens materiais é tão fundamental para a obtenção das demais satisfações não materiais que podiam se tomadas como medidas de todas elas. Assim, o aumento da felicidade e a expansão da riqueza constituem-se em objetivos fundamentais para a sociedade contemporânea. O problema existente nesta filosofia é na condição sine qua non de sempre existir uma minoria desprivilegiada, destituída de riqueza, ou seja, propriedade que seria igual à felicidade. Tornando-os a exceção à regra.
Deste modo, trazer a tona fatos do passado recente como um exemplo análogo para o caso, nos ensina que projetos de iniciativa estatal devem ser discutidos amplamente com toda a sociedade, instituições não governamentais e movimentos sociais interessados. Para que não ocorram divergências como no caso da hidrelétrica de Belo Monte no Pará (5) e da Praça da Bandeira no Rio. Pois, em ambos os casos citados não se podem perder de vista, que tais elementos - as exceções - são partes constitutivas do corpo social e como tal, são cidadãos e possuidores de direitos garantidos por um Estado democrático. Jamais podem ser ignorados e considerados um obstáculo ao progresso. Tais fatos levantam questões ainda mais sérias como: A natureza da cultura política no país de descaso e menosprezo em relação aos extratos mais baixos? E, da arrogância dos dirigentes políticos refletiria num resquício ainda recente na História política do país de um autoritarismo oligárquico? E, até que ponto o Estado entende por prática democrática (6)? Assim sendo, tais perguntas ficam abertas para um próximo texto. No momento, ficaremos na torcida para que os casos de Belo Monte e da Praça da Bandeira tenham pelo menos um desfecho diferente.

BIBLIOGRAFIA:
BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Orgs.). O tempo do liberalismo excludente. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

PERIÓDICO:
Jornal O DIA, Ano 59, Nº. 21.151, pág. 08.

NOTAS:
(1) Graduado em História Contemporânea, na faculdade UGB, estado do Rio de Janeiro, Volta Redonda.
(2) Famoso ponto de prostituição do Rio de Janeiro.
(3) Termo usado no artigo do jornal pela presidenta da associação dos Moradores do Condomínio Amigos da Vila Mimosa, Cleide Nascimento. Entrevista dada ao jornal O DIA.
(4) Para saber mais leia: BENCHIMOL, Jaime. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Orgs.). O tempo do liberalismo excludente. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Ver também: PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
(5) É uma das 47 obras do PAC do governo federal em territórios indígenas, situado no Rio Xingu, no Pará. Causará um desvio do Rio Xingu e as empreiteiras devem remover uma quantidade de terra semelhante ao volume do Canal do Panamá e pode custar até R$30 bilhões.
(6) Faço esta pergunta, pois algumas manifestações em Brasília pelo afastamento do então ex-governador Arruda, foram duramente repreendidas pela policia. É importante lembrar que está garantida na constituição do país a livre manifestação pacifica.






Autor: Aguiomar Rodrigues Bruno


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