De Volta (?) Ao Coronelismo



Sou simplesmente APAIXONADA por Jorge Amado. Me dá arrepios só de falar neste GIGANTE da literatura brasileira. Prometi a mim mesma que, a qualquer dia, dedicaria a ele um post. Dedico este. As circunstâncias, no entanto, me levam não a citá-lo como protagonista, mas como fonte. Este baiano ilustre deixou-nos diversas obras primas, todas elas repletas de conscientização social e de preocupação com os principais problemas enfrentados pelo seu estado na época. Entre tantos, destaco um deles: os mandos e desmandos dos chamados coronéis, fazendeiros que ditavam as leis nas regiões cacaueiras.

Em Terras do sem fim, os Badaró disputam com Horácio da Silveira, a ferro e fogo, a posse de ricas propriedades. No centro da guerra, sob a mira da tocaia, o povo. Em Cacau, humilhar é pouco para Manuel Misael. Na intenção de manter a ordem, vale inclusive bater em criança, sob a vista dos impotentes pais. Em Tocaia Grande – meu favorito – uma cidade perece ainda em formação, pela vontade soberana do herdeiro e novo manda-chuva do pedaço, o folgado Venturinha. Belos livros, que eu recomendo.

Agora, pausa na ficção. Vamos à realidade:

O fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, acusada de mandar matar a freira norte-americana Dorothy Stang, e sobre o qual pesam TODOS os indícios, foi absolvido, em julgamento, por 5 votos a 2. Tal resultado, tão absurdo quanto seria, por exemplo, o da inocência do casal Nardoni, é lamentável e vergonhoso. E nos leva a crer que, para a justiça cumprir seu papel, é necessário que o caso não só seja incansavelmente veiculado pela mídia – como foi – mas que também cause comoção pública suficiente para gerar indignação e protestos.

Este, entretanto, não é um fato isolado. Notícias esporádicas sobre violência e coação por parte de caciques regionais chegam a nós com alguma freqüência. Determinados locais, aliás, são verdadeiros currais eleitorais.

No mês passado, estive na Bahia – antigo (?) reduto de ACM – para visitar Salvador. Ainda não conhecia a cidade, e confesso que a expectativa era grande, dada a sua ligação com meu escritor predileto. Foi no último feriado prolongado, e achei que encontraria as coisas fervilhando por lá. Me enganei. As praias e pontos turísticos estavam completamente vazios. Conversando com alguns taxistas – eles são tão expansivos quanto os cariocas – pude ter uma idéia da opinião por ali expressa Eles literalmente choravam mágoas, quando justificavam a falta de turistas. Se o assunto versava para este lado, durante o resto do percurso ouvia frases como essas:

"Antigamente, quando o prefeito era o Imbassahy (carlista), o Pelourinho vivia lotado. Agora, é isso que vocês estão vendo. Eu tirava, brincando, R$ 200,00 por dia. Hoje, difícil tirar R$ 100,00. Mas as coisas vão melhorar. Só o voto dos descontentes é suficiente para eleger o ACM Neto, e tudo volta ser com era antes."

Não vou aqui discorrer sobre vantagens e desvantagens de governos ditatoriais, nepotistas ou tradicionais. Nem fazer apontamentos contra ou a favor da herança política, ainda tão em voga. Todos sabemos que o tema é dialético. O Brasil, sem dúvida andou de vento em popa na era Vargas. Alguns antigos – já ouvi pessoalmente – se gabam do espólio que conseguiram acumular no período da ditadura militar. Em Salvador, o povo sente falta da influência de ACM. Em contrapartida, ausência de liberdade de expressão, corrupção, perseguição política e vítimas, muitas vítimas cujo eco infelizmente não ressoa. Me pergunto se os habitantes de Anapu estão comemorando a "inocência" do "coronel" Vitalmiro. Respostas, eu até ensaiei dar. Desisti. Deixo a questão para reflexão de vocês.

 


Autor: Daniele Barizon


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