A ARTE COMO VIÉS NO PROCESSO DE RESIGNIFICAÇÃO DO PACIENTE COM TRANSTORNO DE ANSIEDADE.



A sociedade moderna com seu ritmo acelerado tem provocado situações geradoras de um nível elevado de ansiedade e por essa razão, a procura por ajuda profissional vem se tornando uma constante na vida das pessoas. Muitos são os transtornos que tem afetado o ser humano e esta forma apressada de se viver acaba desencadeando e intensificando os sintomas de angústia e ansiedade experienciados causando danos incomensuráveis à vida do homem. Como prática terapêutica, a arteterapia, possibilita unir arte e terapia em um único espaço contribuindo, eficazmente, para o trabalho do psicólogo, pois a arte como objeto de expressão, associada ao trabalho psicoterápico, poderá servir de ferramenta facilitadora no processo do dar-se-conta, ampliando a awareness e a percepção do cliente assistido. Sendo assim, o presente estudo busca compreender como a arte em contexto terapêutico poderá contribuir no processo de resignificação do paciente com transtorno de ansiedade, reduzindo o aparecimento dos sintomas e entendendo-o como uma forma de adequação do individuo. A autora relata fragmentos de casos clínicos extraídos a partir de experimentos vivenciados em setting terapêutico. O instrumento metodológico utilizado foi à Gestalt-terapia, pois o modo gestáltico de perceber a si mesmo e aos outros, é um modo criativo.

Palavras-chave: Transtorno de Ansiedade. Arteterapia. Awareness. Gestalt-terapia

Introdução

A arte torna-se um poderoso instrumento no trabalho psicoterapêutico, pois ela fala por si e propicia o ressignificar do mundo interior quando traz à consciência o que estava imerso. A utilização de recursos artísticos em contexto terapêutico possibilita despertar o cliente para a necessidade de buscar sua própria forma de ser, e conforme afirma Zinker, "a criatividade e a psicoterapia se entrelaçam num nível fundamental de transformação, metamorfose e mudança" (2007, p.17).
Foi pensando nesse movimento de entrelace entre a psicoterapia e a arte, pelo seu poder mágico e transformador, pela possibilidade do contato pleno e facilitador no processo de crescimento do eu, do entorno e do eu em relação, que se idealizou a efetivação deste trabalho, objetivando um estudo mais delineado dos benefícios da arte enquanto ferramenta para o trabalho do psicólogo no acompanhamento de pacientes portadores de um quadro de ansiedade.
A arteterapia se configura pelo "aprendizado da análise do processo criativo das diversas expressões artísticas", afirma Olivier (2008, p. 09). É o inventar, inovar, criar, pintar e bordar que faz o sujeito caminhar em sua própria direção, e ir se descobrindo, se descortinando, para poder se ver de forma mais inteira. Para Freud, apud Olivier (2008, p. 17) "as imagens escapam com mais facilidade do superego do que as palavras, alojando-se no inconsciente e, por isso, o indivíduo, geralmente, se expressa melhor de forma não verbal".
A temática abordada é bastante característica de uma sociedade contemporânea e que representa hoje "um dos principais fatores debilitantes para a saúde" (SILVA, 2006, p. 184). Os acontecimentos do mundo moderno têm feito do homem um ser emergencial, aonde o momento presente vem sendo esmagado entre as lembranças do passado e as preocupações com o futuro, e este, reduzido ao presente como forma de prevenção de fracasso e frustração. A dificuldade em lidar com o que é seu, com seus vazios, faz do homem um ser sem potencial de criação, pois no barulho não é possível algo acontecer. Com suas diversas facetas o transtorno de ansiedade será o foco principal nos relatos de casos clínicos deste trabalho, e o experienciar da arte como possibilidade no tratamento e ressignificação desse paciente.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa onde a escolha dos casos não se deu aleatoriamente, mas a partir dos sintomas apresentados e diagnósticos confirmados por especialistas. Os envolvidos são do sexo masculino e encontravam-se em processo psicoterápico ao serem convidados a participar do estudo, estando o mais antigo em acompanhamento desde novembro de 2006. A aplicabilidade da pesquisa foi realizada em setting terapêutico no período de janeiro a outubro de 2008, com encontros semanais de 50 minutos, e nem sempre um recurso artístico era utilizado, ficando a terapia muitas vezes no plano verbal.
Por esta razão, não se trata de um estudo de caso, mas de uma descrição dos fragmentos dos casos clínicos a partir das falas dos envolvidos, trazendo a experiência da arte como coadjuvante em psicoterapia para que o leitor possa ter clareza de como esta pode ser significativa no processo de tomada de consciência e na elaboração e ressignificação dos sintomas apresentados. A abordagem utilizada foi a gestalt-terapia, por fazer interface com a arteterapia, concebendo o ser humano como um ser de infinitas possibilidades. E é neste diálogo que se encontra o instrumento de facilitação do sujeito com ele mesmo e a conexão com seu universo interior.

Arte e gestalt: uma relação dialógica

Ao falar da relação entre Arte e Gestalt, faremos aqui uma analogia ao que Buber aponta em sua filosofia como uma relação dialógica. Para o filósofo, "o dialógico inclui a relação e a atitude de ir na direção do outro, em busca do encontro da totalidade da existência humana" (AMORIM apud D?ACRI. et. al, 2007, p.69).
Em Arte e Gestalt esta relação se caracterizará pelo encontro com o objeto criado. O outro se constituirá a partir da forma que é projetado no objeto de arte, pois sendo criado por ele, ao expressar por meio da construção artística seu mundo interior, será capaz de presentificá-lo, tornando visível o que antes era desconhecido. "O homem é capaz de dar vida, cor e sentido ao seu objeto de criação" (grifo do autor; CAMPELLO, 2006, p. 51).
Arte e gestalt dialogam. E é neste diálogo que encontraremos o caminho da cura, pois é no encontrar-se que a awareness acontece, promovendo a transformação.
Trabalhar com recursos artísticos e saber utilizá-los de forma adequada é um grande achado, mas da mesma forma que ele favorece em direção ao crescimento, poderá também, caso não seja oportuna à utilização em um dado momento, levar o cliente a despedaçar-se, indo ao caos. É preciso respeitá-lo na sua individualidade para que se possa caminhar com ele de forma suave e sem que se aperceba possa alçar vôos na direção daquilo que acredita ser o melhor para si. Descortinar-se não é tarefa fácil, pois implica em mostrar-se na sua inteireza, nos seus alinhavos e fendas. Esse processo precisa ser alinhavado cuidadosamente, ponto a ponto, para que possa ser visto e apreciado.
Segundo Ciornai, a arte pode funcionar "como ?objeto intermediário? entre cliente e terapeuta, ou entre uma pessoa e outras, ajudando a estabelecer relações e facilitando a comunicação [...] uma folha de papel e alguns gizes coloridos entre o terapeuta e o cliente, ajuda a estabelecer comunicação com indivíduos com os quais o contato verbal é difícil" (2004, p. 77).
É buscando compreender o homem que surge às diversas formas de psicoterapia. "O homem é todo ele um ser de relação com. Imerso no universo, tudo diz respeito a ele e com tudo ele se encontra em relação, consciente ou inconsciente", afirma Ribeiro (grifo do autor; 1985, p.18). E é tentando a compreensão do que se refere ao "ser humano" que surge a posição gestáltica, propondo uma integração e a inteligibilidade das partes na concepção do todo.
Sem tradução para o português "Gestalten significa ?dar forma, dar uma estrutura significante?". [...] "Gestaltung, palavra que indica uma ação prevista, em curso ou acabada, que implica um processo de dar forma, uma ?formação?". (grifo do autor; GINGER. S.; GINGER. A., 1995, p. 13). É um modo específico de perceber a si e ao outro, "um modo de ser, de agir e de integrar a experiência" (RHYNE, 2000, p. 37).
Por ser a arteterapia um método, ela integra teoria e prática no seu fazer, servindo de bússola na orientação do processo. Ela oportuniza a escolha de uma metodologia que conduza de maneira apropriada a novas ações, de forma a integrar o fazer artístico com a visão de homem, sem fragmentá-lo, mas compreendendo-o na totalidade do seu ser e no seu modo particular de estar no mundo. "A gestalt é tanto uma arte quanto uma ciência e todos podem praticá-la à sua maneira, traduzindo sua personalidade, sua experiência e sua filosofia de vida" (grifo do autor; GINGER. S.; GINGER. A., 1995, p.11).
"A Gestalt terapia é, na realidade, uma permissão para ser criativo. Nossa ferramenta metodológica básica é o experimento, uma abordagem comportamental para passar a um novo patamar de funcionamento. O experimento se dirige ao cerne da resistência, transformando a rigidez em um suporte elástico para a pessoa. Não precisa ser pesado, sério, nem ter uma comprovação rigorosa; pode ser teatral, hilário, louco, transcendente, metafísico, engraçado. O experimento nos dá licença para sermos sacerdotes, prostitutas, gays, santos, sábios, magos ? todas as coisas, seres e noções que se ocultam em nós. Os experimentos não precisam brotar de conceitos; podem começar simplesmente como brincadeiras e desencadear profundas revelações cognitivas" (ZINKER, 2007, p. 30).
Sendo assim, a escolha não poderia ser outra. Pelas semelhanças com que se apresentam e pela maestria com que esses dois referenciais terapêuticos concebem o ser humano sem que saltemos de um pólo a outro. Pela fluidez e espontaneidade que ambas, Arte e Gestalt se entrelaçam, caminhando na mesma direção.
Vejamos o que afirma Rhyne (2000), sobre essa totalidade: "O respeito e a genuína curiosidade pela singularidade de cada um, a postura fenomenológica e não-interpretativa na leitura dos trabalhos produzidos, a importância de observar e relacionar-se tanto com a linguagem das formas quanto com a linguagem simbólica, e tanto com o processo quanto com as reflexões posteriores sobre este processo, a ênfase nos princípios da Psicologia da Gestalt de procurar perceber a configuração total das partes que constitui um todo ao em vez de cada parte isoladamente, a crença no poder da atividade expressiva de ser tanto um processo integrador como fonte de aprendizado sobre si mesmo" (p. 11)

As premissas que envolvem a filosofia da gestalt são tão naturais e consistentes que se torna difícil distingui-las do momento de "ser humano", pois, ser gestaltista é viver no aqui e agora, é estar consciente de cada ação, é ser honesto consigo e com sua existência, é aprender pela experimentação.
E o que é arte, se não, um experimentar? Para Rhyne (2000), a arte pode ser um caminho. Através do lúdico e das experiências com recursos artísticos a possibilidade de nos aproximar da nossa criança interior, promovendo, de forma delicada, possíveis mudanças na nossa forma de ser e conceber o mundo ao redor, resgatando e ressignificando o nosso eu genuíno. Ao experimentarmos o contato com a criança que habita em nós podemos nos embalar no mundo da fantasia que a arte proporciona e fazer dela um caminho para a nossa reconstrução pessoal.
Ao vivenciar um evento por meio da experiência gestáltica em arte, podemos nos apropriar de nós mesmos, pois o processo é individual e a experiência é única, cada um é um e cada experiência não se repete. O experienciar tem muito a ver com quem faz "[...] com a forma como você vê, sente, pensa e com o jeito que você percebe" (RHYNE, 2000, p. 40).
O que nos resta colocar, é que deliciosamente arte e gestalt se complementam, como figura e fundo de uma grande gestalt. E mais maravilhosa é a emoção que brota ao compreender este processo tão lindo de existência gestáltica e vivenciá-la.

Transtornos de ansiedade: o que é?

Não há como ignorar que os transtornos de ansiedade estão em evidência na sociedade contemporânea. Pesquisas revelam que 25% da população apresentam algum tipo de transtorno de ansiedade ao longo de suas vidas e o mais grave é o fato de não procurarem tratamento e esconderem seus sintomas, principalmente por não o reconhecerem como um problema emocional tratável. A desinformação, o medo e a vergonha da exposição e a crença errônea de que se trata de mera fraqueza, são ainda mais atenuantes para o surgimento da doença. O que parece banal e corriqueiro em situações cotidianas pode representar ameaça a saúde do individuo, pois ao sentir-se reprimido em suas emoções, deixa de expressar-se livremente inibindo sua criatividade, fazendo-o sentir-se impossibilitado diante dos mais diversos setores de sua vida (SILVA, 2006).
Para Rodrigues (2006, p. 167), "o medo, a angústia com o futuro, a incapacidade de lidar com a imponderabilidade e imprevisibilidade do devir", é o que leva pessoas a recorrer à ajuda profissional.
A "ansiedade é uma sensação desagradável e angustiante, que pode variar de um mal-estar a um ataque de pânico" (SILVA, 2004, p.72), comum a todas as pessoas, porém se apresenta em diferentes graus, tendo inclusive, valor de sobrevivência. "É um dos mecanismos de adaptação ao ambiente mais eficaz e bem sucedido, pois é compartilhado por uma infinidade de espécies" (p. 74).
Na medida certa, a ansiedade coloca o sujeito em condições de defesa diante daquilo que lhe pareça temível. Porém, o processo vivenciado por quem apresenta um transtorno de ansiedade, vai além, pois a ansiedade passa a ser uma constante e o sujeito necessita prever, incessantemente, os episódios futuros, pois tudo lhe parece ameaçador, sejam eventos reais ou imaginários, vivendo desta forma, no futuro a maior parte do tempo. Ao antecipar-se de toda e qualquer situação, a fim de certificar-se das possíveis saídas e sentimentos que surgirão, ele deixa de viver no aqui e agora, de estar no presente , e para Perls apud D?acri (2007): Não há outra realidade a não ser o presente" (grifo do autor; p.174). O sujeito escolhe, então, não experimentar, verdadeiramente a vida, pois é só no aqui e agora, que as coisas acontecem e como diz D?Acri, "o presente se movimenta, não pode ser aprisionado; o passado é irrecobrável e o futuro é incerto" (p.175).
Segundo Silva, "a ansiedade possui diversas facetas, e todas, a partir de uma determinada ?quantidade?, mostram-se disfuncionais, modificando negativamente nosso cotidiano, transtornando nossa vida e, até mesmo, nos paralisando diante de tudo e de todos" (2006, p. 29).
Os transtornos de ansiedade podem variar em grau, intensidade e na forma como se apresentam. Podemos percebê-los em diversas situações, tais como nas lembranças que insistem em perseguir; nas fobias; no temor exacerbado a objetos ou animais; no pânico que surge do nada; nas preocupações excessivas, e nos pensamentos obsessivos e comportamentos repetitivos.
Para Boyd (apud CARLAT 2007), "a ansiedade é um sintoma comum e pode ser uma questão diagnóstica frustrante", pois ela está presente em um grande número de transtornos incluindo a depressão maior, mania e esquizofrenia. Para o autor, é importante o diagnóstico correto para que possa ser direcionado o tipo de psicoterapia a ser realizada. São sete os principais transtornos de ansiedade do DSM-IV-TR : Transtorno do pânico; Agarofobia; Transtorno de ansiedade generalizada; Fobia social; Fobia específica; TOC (Transtorno obsessivo-compulsivo), e TEPT (Transtorno de estresse pós-traumático).
Diagnóstico e tratamento caminham paralelamente. É importante que um diagnóstico seja realizado, a fim de fornecer ao sujeito um direcionamento daquilo que consigo acontece, possibilitando, desta forma, o delinear de uma terapêutica eficiente e com isso, a minimização do sofrimento.
Neste processo é preciso que seja escolhido um profissional de sua confiança para que possa sentir-se a vontade para explicitar tudo o que se passa dentro do seu ser. É constante a demora de um diagnóstico, partindo do ponto que o sujeito teme expor-se e com isso, nega seus próprios sintomas e sofre por muito tempo, antes que um diagnóstico seja obtido.
O uso medicamentoso e a psicoterapia fazem parte da terapêutica dos transtornos de ansiedade, mas para que ela aconteça, é importante que o sujeito tenha consciência da necessidade da realização de um tratamento.
Arte como possibilidade de recriação da própria vida: relatos de casos
Ao adentrar o universo da arteterapia e experienciá-la, é possível sentir o quanto ela é rica em possibilidades. Por ser a arte uma linguagem facilitadora e por enfatizar aspectos positivos e saudáveis do ser humano, poderá ser utilizada como ferramenta em contexto psicoterápico, expandindo-se nas mais diversas atividades a serem desenvolvidas, sejam elas individuais ou grupais. E é na busca de uma atividade que facilite a compreensão daquilo que está na inconsciência, que poderá ser sugerida ao cliente como parte do trabalho a ser desenvolvido, dando vida ao seu objeto interior para que este possa ser mais bem percebido como seu.
Para Zinker (2007): "A razão pela qual desenhar ou pintar pode ser ?terapêutico? é o fato de que, quando são experienciadas como processos, essas atividades permitem ao artista se conhecer como uma pessoa inteira, dentro de um intervalo de tempo relativamente breve" (p. 259).
A atividade artística permite ao psicoterapeuta em setting terapêutico, uma melhor contextualização do cliente, trazendo para diante dos seus olhos o que não era visível e o que ainda não estava ao seu alcance, pois não era percebido, dando forma ao que estava disforme para que possa ter compreensão do que se passa consigo. "Toda pessoa pinta o mundo com as cores de sua vida interior", diz Zinker (2007, p. 26). Portanto, ao fazer arte, seja nas suas mais variadas formas de ser, é possível conhecer-se melhor internamente, pois diante da materialização do seu mundo interior, por meio das formas que ele mesmo constrói, traz de maneira palpável a dor, o medo e a ansiedade frente à vida e a possibilidade de um caminhar mais significativo.
Ao procurar ajuda psicoterápica, o cliente autoriza o terapeuta a conduzi-lo a formas mais criativas de funcionamento. A mudança, porém, dependerá da qualidade da relação que será estabelecida entre terapeuta e cliente, estando ambos disponíveis para este novo caminhar. Como facilitador do processo do outro, cabe ao psicoterapeuta caminhar com ele na mesma direção, respeitando-o na sua singularidade e colocando-o "diante de suas possibilidades reais, para ao vivenciar suas contradições internas, descobrir que o risco é o cotidiano da existência, e que a palavra ?fácil? não pertence ao vocabulário dos adultos, e sim ao das crianças" (RIBEIRO, J., 2006, p. 149).
A partir da sua disponibilidade para o fazer artístico, o conduz a possibilidade de adentrar um mundo novo e repleto de novos significados, num processo de vir-a-ser permanente, se permitindo desfazer-se para se reconfigurar a cada momento, deixando para trás a roupa velha que não lhe cabe mais.
"O ato criador acontece a cada gesto, pensamento, palavra ou figura, quando algo é evocado à consciência e parte da essência primordial do Ser. As situações singelas como a escolha de uma cor, a escrita de uma palavra, a construção de uma frase ou mesmo de um poema são extremamente significativas e intimamente ligadas ao momento de prazer vivenciado" (ALLESSANDRINI; NASCIMENTO, 1999, p. 32).
Da lagarta a borboleta o cliente também vai percorrendo seu caminho na direção do inusitado. Colorida e encantadora a arte vai chegando e envolvendo-o sem que possa dar-se conta de suas transformações, fazendo-o viver um processo de metamorfose humana. É no experienciar da arte que entra em contato com ele e com o mundo ao seu redor, se libertando de tudo o que o aprisiona e se permitindo alçar vôos. E é exatamente nesses vôos que ele se move em direção a si mesmo, se ressignificando e se redirecionando para ser feliz.
A lagarta passa por um processo de muito sofrimento, mas podendo finalmente deixar para trás suas cascas e se reconfigurar, recriando-se e transformando-se em borboleta. O cliente, também poderá, neste mesmo processo, se recriar, se libertando dos pensamentos que o aprisionam.
Ele caminha em círculos e se cansa de não encontrar saídas. Muitas vezes reluta em buscar alternativas, acreditando que por si só poderá romper este seu entorno libertando-se daquilo que tanto o atormenta, mas por horas, desacredita até mesmo nesta possibilidade e se sente "condenado a viver sua dor". Quanto a isso, Juliano diz: "Essa dor, que pulsa continuamente, não faz sentido, seus processos são obscuros, a consciência está diminuída e o acesso a seus recursos internos está prejudicado" (1999, p. 67-68). É neste momento que busca ajuda na psicoterapia, com a esperança que o terapeuta lhe sinalize um caminhar diferente, com possibilidades de mudanças. E é nesta relação que algo novo acontecerá.

Da compulsão a criação: a arte resignificando trás
"O que tem para se fazer hoje?", era uma fala constante de ELO (27 anos), enquanto olhava para os lados a procura das diversas possibilidades já apresentadas anteriormente em espaço terapêutico. Ele apresenta um quadro compulsivo, é movido por impulsos e está sempre se sentindo prejudicado em sua vida por agir desta forma. Ao chegar à terapia vivenciava um ciclo de perdas e ganhos, que insistia em se repetir fazendo-o não mais acreditar em si mesmo.
Diante da atividade sugerida "Transformando com o papel", ele diz: "vou fazer o mais fácil"; "quero fazer uma casa, mas não consigo"; "é difícil". Neste momento, toma consciência de suas escolhas, o caminho que vem escolhendo não é o caminho que deseja para si.
"Pintando os sete": "se eu não penso não sai nada bonito", a proposta era trazer uma imagem de forma livre, sem racionalizações "acho que nunca fiz algo sem pensar na minha vida", diz ele. Ao experimentar o barro, relata: "é feio, o que vou fazer? Só tocar é estranho, grudando nas mãos, frio, pegajoso, mole, barulhento, flexível, grudento, não tem cheiro, pode ser transformado em qualquer coisa, ser dividido, pode se juntar, ficar comprido, ficar pequeno, cabe na palma da mão, pode ser útil, permanecer inútil, depende de quem manejar. Pode ser feito algo bonito ou feio, pode representar qualquer coisa, pessoa, carro, casa, mundo ou simplesmente o barro". Ele brinca com o barro em suas mãos, parecendo criança.
Neste experimento, consegui relatar diversas possibilidades com o uso do barro, porém, ao se tratar de sua vida, não vê saída para seus problemas. Ao entrar na sala propõe uma atividade: "não tem nenhuma brincadeirinha?". Chegou introspectivo e se dando conta que o ciclo vicioso ia começar. Para Aguiar (2005), qualquer tema que seja trazido à terapia diz respeito ao cliente e por isso, encontra-se relacionado com o sintoma dentro de uma perspectiva figura-fundo.
O silêncio pode ser substituído pelo poder da criação, pela linguagem abstrata da arte, promovendo uma ponte de comunicação. Poderá ainda, favorecer o vínculo, além de desenvolver e fortalecer o potencial criativo e o senso de individualidade. Nem sempre a terapia flui como se espera. Por vezes, ela trava e o cliente silencia porque precisa se ouvir em seu silêncio.
Trabalhar com arte é a possibilidade de percorrer outros caminhos, pois o caminho da linguagem verbal está repleto de racionalizações e esgotado de recursos satisfatórios.

A vida não é uma emergência
Viver como em uma emergência foi à forma aprendida e internalizada por MAR (44 anos), e pelo menos por enquanto, era o único recurso disponível de funcionamento encontrado pelo organismo para se equilibrar. Ribeiro afirma que, "são, muitas vezes, formas desesperadas de ajustamento criativo , como uma linguagem que, por meio da dor, consegue se fazer ouvir, pois o intelecto já não encontra resposta adequada a suas demandas" (2006, p. 65).
Com um quadro de Transtorno do pânico, desde o início da terapia se disponibilizou para todas as atividades propostas. Porém, só ele sabia o quanto era dolorido realizar cada atividade, mas não ousava se negar, já que estava ali buscando alívio para sua dor. Fazia o era solicitado e sempre numa rapidez incrível a fim de livrar-se da tarefa. Descobrimos, então, o quanto o angustiava uma ocupação, seja ela qual fosse. Ele precisava se libertar de toda e qualquer responsabilidade, pois não acreditava ser capaz de fazer.
Em "Os papéis de minha vida", atividade que envolvia o uso de papéis diversos para representar os papéis que desempenhava na vida, pode dar-se conta da falta de tempo utilizado para si mesmo, pois sua maior preocupação era a família, abrindo mão facilmente do cuidar de si. Ao relatar sobre uma lembrança da infância que muito marcou sua vida, trás uma fotografia, onde a imagem desta, ainda se presentificava em sua vida. Chamamos esta técnica de "Imagem congelada" e o processo foi de desconstrução, por meio da técnica do mosaico.
O uso de fotografias em espaço terapêutico propicia a configuração de aspectos do inconsciente e ainda são fortes aliadas ao processo de resgate da autoimagem. "Fragmentos congelados de um passado", trazendo a tona histórias e a livre comunicação com algo que tenha ficado para trás (RIBEIRO, 2007, p. 37).
Para Philippini: "Fotos resgatam memórias, recuperam percursos cronológicos e existenciais. E podemos também ir refletindo sobre a linha da vida e restaurando algumas conexões. A imagem, antes "emoção cristalizada", quando trabalhada, ampliada, nos trás à luz uma seqüência de fatos esquecidos e pistas perdidas, recuperando trilhas para territórios internos, esquecidos e longínquos" (apud RIBEIRO, E., 2007, p. 38).
Os contos também se fizeram presente neste caminhar, pois "O cavaleiro preso na armadura", retrata a sua própria imagem. E mais uma vez esta figura é trazida ao setting terapêutico por meio do experimento com o barro, onde trás do esboço de si mesmo, percebendo, em sua própria imagem, o peso que carrega.
Para Chiesa (2004): "O objetivo de trabalhar com o barro é possibilitar o encontro com o criativo, no momento de dar forma às sensações experimentadas, às sensações escondidas e às imagens em ação. E assim poder liberar e transformar a energia que estava bloqueada" (p. 20).
Concluímos esse trabalho com a confecção de uma máscara, onde reconhece a necessidade de deixar as máscaras caírem.

Trocando as cascas
"Posso cantar? Hoje eu quero cantar! Amor da minha vida, daqui até a eternidade, nossos caminhos foram traçados na maternidade..." TIO (19 anos), apresenta sintomas de um transtorno de humor. Ele mesmo sugeria a atividade, quando estava com bom humor. Cantava e escrevia poesias: "A vida de um pequeno poeta", onde consegue falar de si, esvaziando-se por meio da linguagem poética: "eu ponho tudo para fora".
Sugeri a construção de uma imagem que descrevesse as duas fases do seu humor, e ele retrata, com muita clareza, os momentos que vivencia. Chamamos de "Trabalhando as polaridades", onde trás os momentos de dor e euforia.
"O trabalho artístico nos coloca em contato com o potencial criador. Cores, sons, movimentos, palavras configurando e dando forma às inquietações e desejo. Assim, a arte possibilita e favorece o encontro e ajuda a descortinar nossas próprias histórias" (grifo do autor; CAMPELLO, 2006, p. 95).
Da mesma forma como demonstra o seu está bem, o momento depressivo também é expresso: "O caos", onde retrata o seu caos interior. Apresenta dificuldades para começar, mas faz um mosaico. Trás um caminho com diversas bifurcações, o que representa o momento vivido e as dúvidas, principalmente, quanto à carreira profissional. As imagens trazidas expressam exatamente a angústia que vem passando.

Fechando ciclos
Encerrando ciclos, batendo portas, fechando, literalmente capítulos e deixando para trás aquilo que não cabe mais. É o desfecho de histórias que deixam para trás seus fiapos de linhas para tecer com fios dourados um novo enredo. Encerrar é inevitavelmente, recomeçar.
Fechar ciclos é uma necessidade vital. Ribeiro nos diz:
"Retornamos ao ponto de partida, mas agora carregados de toda a experiência anterior. Fluímos, sentimos, somos conscientes, nos movimentamos, agimos, fazemos contato, nos satisfazemos e nos retiramos para um novo ciclo. Fixamo-nos, dessensibilizamo-nos, defletimos, introjetamos, projetamos, profletimos, retrofletimos, egotizamos, confluímos. Cada ponto marca, às vezes, um novo ciclo. Esse é o jogo da vida; os ciclos de contato registram nosso caminhar e por meio deles nos tornamos presença para nós mesmos" (apud D?ACRI et. al, 2007, p. 44-45).
Se não fechamos, paralisamos em algum ponto do ciclo, bloqueamos e então, adoecemos. É preciso se deixar ir para adentrar o movimento saudável da vida.
É necessário ao homem aprender a lidar com seus limites e amarras para poder existir e viver uma vida plena, fluida, sendo a cada momento parte daquilo que será no momento seguinte, sem se antecipar. Os transtornos de ansiedade surgem como marca de um movimento histórico, sintomas de um modo de se relacionar com o entorno e a pretensão de controle sobre um futuro tão incerto.
Ora, vivemos numa grande ambivalência, pois da mesma forma como devoramos com rapidez tudo o que nos produz estímulos, descartamos tudo o que nos parece absoleto, vivendo um mundo líquido. É com grande esforço que tentamos usufruir e ter o domínio sobre a existência e, então, a doença surge como interdito, fazendo-nos parar diante do insucesso.
Finalizar é caminhar em direção a fluidez, deixando para trás a experiência passada e com ela os sentimentos de ânsia diante daquilo que não foi vivido. É a projeção em direção ao futuro, para que sonhos possam ser materializados, mas com certa distancia, para que se possa dar conta do presente que é preciso viver.
A arte possibilita caminhar na direção de uma gestalt completa, na busca pela satisfação.
Arteterapia, "antes e depois", quem sou EU? É esta a pergunta que fica. O que ela faz? Aonde toca? Experienciar a arte é isso, você nunca percebe o momento exato da mudança, o momento em que a cura chega para você, dando-se conta somente quando o outro percebe o brilho no olhar. Não é possível descrever qual foi à pedra que você colocou no momento certo da transformação, pois as mudanças são apenas sentidas.
Para Beisser apud Aguiar, "[...] mudar, não é tentar vir a ser algo diferente do que somos, mas exatamente aceitar aquilo que podemos ser a cada momento, com nossos limites e possibilidades" (2005, p. 211).
Mudar é reencontrar-se a cada momento. É fazer e se desfazer, se experimentando de diversas formas até se sentir confortável, temporariamente, pois nada é definitivo. É quando começa um novo ciclo.
É no experimentar que se aprende a fazer arte, seja ela qual for. O caos é o grande começo, é o ponto de partida para um desfecho que só você poderá se permitir. É a partir da desordem que me realinho podendo me reconstruir para me descortinar, entrar em cena e dançar a música da transformação.
Os casos aqui relatados significam muito mais do que um cliente em particular, eles representam os inúmeros anônimos que passam constantemente em nossa vida profissional nos presenteando com suas experiências singulares, com sofrimentos e ensinamentos, que por meio de seus sintomas, manifestam uma solicitação de ajuda, de vontade de continuar a viver.
Nos transtornos de ansiedade existe a dificuldade em romper, em sair do ciclo vicioso e cindir com o movimento repetitivo para reiniciar, sair do casulo, viver o novo e o desconhecido. O medo do inusitado faz com que surja a necessidade de antecipar o futuro experienciando no aqui e agora aquilo que ainda estar por vir e que é gerador de muito sofrimento, pois o futuro é incerto.
Ao trabalhar com arte em setting terapêutico oferecemos ao cliente à possibilidade de experimentar um processo dinâmico, com início, meio e fim, passando, desta forma, por cada ponto do ciclo de contato, aonde as mudanças acontecem. É importante que as experiências sejam vivenciadas em sua totalidade e que possam ser exauridas, permitindo que o cliente possa partir em direção a retirada final e o iniciar de um novo ciclo.
Ao utilizar recursos artísticos em psicoterapia, é possível estar no aqui e agora, vivendo todas as emoções que uma situação real concebe, entrando em contato com o caos, fator impeditivo para a fluidez, pois começar não é tarefa fácil. Mas se o cliente flui, ele segue seu curso natural, "o movimento no sentido da saúde" (RIBEIRO, J., 1995, p. 13).
Desta forma, pode aprender a deixar para traz e começar um novo trabalho, uma nova experiência, um novo modo de ser. Ele aprende que é possível viver uma coisa de cada vez, adentrando todo o experimento e esgotando as possibilidades para que haja o fechamento. Aprende que a vida não está contida no passado nem no futuro, mas é no aqui e agora que ele poderá vivê-la, estando inteiro a cada momento. É preciso saber fechar, deixar para traz e recomeçar, para que possa deixar de ser lagarta e aprenda a voar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Autor: Elen Paesante


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